Monday, August 20, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Barato que sai caro


Barato que sai caro

Pedro J. Bondaczuk


A Petrobrás, criada para atender ao clamor da população brasileira em defesa das nossas jazidas de petróleo, constitui-se, em seu meio século de existência, em motivo de imenso orgulho para o nosso País. Graças ao trabalho, à dedicação e à competência de seus milhares de técnicos e de funcionários, o Brasil está muito próximo de se tornar autossuficiente na produção dessa matéria-prima, cada vez mais escassa e, por isso, economicamente cada vez mais valiosa.

Foram várias as tentativas, nestes cinquenta anos de atividades da estatal, para privatizá-la. Graças, no entanto, à mobilização da opinião pública, contrária à entrega desse patrimônio a grupos alienígenas, escapou de cair nas mãos dos sete grandes cartéis, que dominam essa atividade no mundo, ou de ser por eles sufocada e ter que encerrar suas atividades.

Líder mundial (disparada) na prospecção e exploração de petróleo em águas profundas, com tecnologias e métodos que ela própria criou e desenvolveu, a Petrobrás é orgulho nacional e respeitada, temida e admirada no mercado internacional. Mesmo assim, não há consenso, no País, sobre a manutenção do seu atual status.

Há muita gente que torce o nariz para qualquer forma de nacionalismo --- político, econômico ou cultural --- e que não hesitaria em entregar a empresa, talvez a preço de banana como foram os casos da Vale do Rio Doce e da Companhia Siderúrgica Nacional (para citar apenas os exemplos óbvios), ao capital estrangeiro, em nome de uma pretensa "modernidade", cuja essência desconhecem e que não lhes traz benefícios.

Por tudo isso, é lamentável, sob todos os pontos de vista, a recente perda da P-36, a maior plataforma de exploração de petróleo do mundo, ocorrida em alto mar, perto do litoral fluminense, que resultou na morte de onze funcionários que lá trabalhavam e em imensos prejuízos, não apenas referentes ao custo da própria unidade e à matéria-prima que deixa de ser extraída, mas, sobretudo, para a imagem, interna e externa, da Petrobrás. O naufrágio fornece, sobretudo, argumentos aos que defendem que o governo se desfaça desse empreendimento vitorioso, que custou tanto esforço e recursos para se impor e se tornar rentável.

Fosse esse desastre um fato isolado, e ainda assim seria considerado dos mais graves, por todas as implicações que envolve. Ocorre que se trata de mais um episódio, em uma sucessão de dez, quinze ou vinte acidentes inexplicáveis (ou mal explicados), envolvendo a empresa, que vem se registrando, com enervante regularidade, nos últimos 18 ou 24 meses.

Nem bem a opinião pública aplacou sua ira, com os derramamentos de óleo na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro e no Rio Iguaçu e na Baía de Paranaguá, no Paraná, com graves e talvez irreparáveis prejuízos ao meio ambiente, e eis que o País perde a P-36, investimento de R$ 500 milhões de reais, que, provavelmente, até o final do corrente ano, tornaria o Brasil livre da necessidade de importações de petróleo (produto com tendência a se tornar cada vez mais caro no mercado internacional, à medida em que for ficando mais escasso).

Um acidente, por maiores que sejam as evidências de descuido, pode ser atribuído à fatalidade. Ninguém, em sã consciência, deseja que ocorra. Mas ocorre, à revelia das prevenções. Afinal, trata-se de atividade bastante perigosa, de grande risco, onde desastres não avisam a hora que vão acontecer. Ocorrem a despeito de toda e qualquer prevenção que se faça. Dois, ou até três acidentes por ano, de pequenas proporções, ainda são admissíveis. Mas tantos, quantos os que vêm se verificando nas várias unidades da empresa, são muito preocupantes! Indicam, no mínimo, descuido, ou até mesmo, desprezo pelas mais elementares normas de segurança.

Petroleiros experientes, com vários anos de serviço na Petrobrás, apontam a terceirização de boa parte dos serviços da estatal como a grande vilã, responsável por tanto prejuízo, material e moral. Por se tratar de uma atividade muito competitiva, a redução de custos tornou-se premente necessidade. Até aí, se entende. Por consequência, a firma terceirizada oferece seus serviços a quem a contrata a preços mínimos. Para que isso se torne possível, paga, evidentemente, salários irrisórios aos seus funcionários. Caso contrário, não teria nenhum lucro e muito menos condições para existir.

Empregados mal remunerados, porém, não são, diz a lógica, os de melhor preparo e treinamento. Atuando em uma atividade de tamanho risco, como a da prospecção, exploração e refino de petróleo, só por verdadeiro milagre deixariam de cometer erros. E cometem em profusão. E estes custam muito, em termos não somente de dinheiro, mas de prestígio perdido e, o que é o pior, de perda de vidas. É o caso típico em que o barato sai extremamente caro.

Não se contesta a necessidade de redução de custos. Mas é preciso avaliar no quê e onde se pode economizar. Exemplo? Não fazer burradas, que acabam sendo até motivos de anedotas, como aquela tentativa, no mínimo burlesca, de mudar o nome da empresa de "Petrobrás" para "Petrobrax", com "x". O episódio não teria maior importância e ficaria restrito somente ao campo do folclore das grandes mancadas nacionais, se não representasse desperdício de alguns milhões de reais. É nisto que se deve economizar, nunca em mão de obra especializada e em equipamentos e métodos para assegurar, senão a segurança total, que é impossível, pelo menos a que mais se aproxime do rigor absoluto.

(Editorial da Folha do Taquaral de 15 de abril de 2001).


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