Cotidiano
banal
Pedro
J. Bondaczuk
O cotidiano da maioria das
pessoas é, pelo menos por longos períodos, encarado como tedioso e
entediante. Os dias parecem se arrastar, serem sempre iguais, embora,
obviamente, não o sejam. Quem passa por dificuldades – doenças,
carência financeira ou afetiva que considero pior, desemprego etc. –
torce para que o tempo voe, se possível na velocidade da luz, na
esperança (não raro vã) de que, em isto acontecendo, sua vida irá
melhorar. Às vezes melhora mesmo. Em outras, porém, se deteriora
ainda mais. Depende das ações de cada um.
Encaro cada novo dia como uma
alta montanha a ser escalada, alguns deles até como o Pico do
Everest, com seus quase nove quilômetros de altura, que me desafie a
escalá-lo. Caso consigamos cumprir todas as tarefas a que nos
propusermos, neste espaço de 24 horas (desde que factíveis em tal
período), poderemos afirmar que atingimos o topo com sucesso e
fincamos, ali, nossa bandeira. Em caso contrário...
Todas as manhãs, ao
despertar, em minhas meditações, busco reunir forças, físicas e
mentais, para escalar, com êxito, o pico desse dia que estiver
iniciando. Quanto mais rotineiro ele me parecer, maiores serão
minhas chances de êxito. O que arruína nosso cotidiano não é,
propriamente, a rotina. São os acontecimentos súbitos, não
previstos, inesperados, que podem arruinar não somente o dia, mas a
semana, o mês, o ano... e até a própria vida. É verdade que
surpresas agradáveis também ocorrem, mas são raras. Daí preferir
a rotina, aquilo que já conheço, a possibilidade de seguir meu
roteiro previamente traçado, no qual não seja necessário nenhum
improviso.
Perguntaram, em uma
entrevista, se não me engano feita em junho de 1979, a Lygia
Fagundes Telles, se a televisão não era a grande inimiga dos
escritores. Afinal, as pessoas se distraem, por horas, à frente da
“telinha mágica”, despendendo um tempo que poderia ser utilizado
para a leitura. Poderia...
A querida escritora nem mesmo
pensou muito para responder. Disse, com plena convicção: “A
televisão não tira leitores. Quem tira leitores é a vida. E a vida
no Brasil virou um artigo de luxo. Para se poder pagar a vida, tem-se
de trabalhar muito”. E põe muito nisso! É necessário fazer das
tripas coração. Concordo, pois, plenamente com a Lygia. Quem não
está habituado a ler, não o fará jamais, tenha ou não televisão
em casa (hoje em dia, até sem tetos, ou seja, moradores de rua, a
têm).
A TV, aliás, desde que você
saiba o que assistir, quando e quanto, ou seja, tenha moderação no
seu uso (conheço pessoas que ficam doze horas ou mais à frente
dessa geringonça que o saudoso humorista Stanislaw Ponte Preta,
pseudônimo de Sérgio Porto, gostava de chamar de “máquina de
fazer doido”) , é um instrumento utilíssimo de informação e de
cultura. Não concebo que em pleno século XXI esse veículo de
comunicação não existisse. Se não existisse, teria que ser,
urgentemente, inventado, tal como o computador, o telefone celular e
outras tantas “engenhocas” menos disseminadas (ou mais caras).
O cotidiano, por mais banal
que nos pareça, se vivido plenamente, sem que adiemos coisa alguma
para o dia seguinte, ou para os posteriores, tende a nos conduzir ao
sucesso e até mesmo à felicidade. Claro que não há nenhuma
certeza (nunca há, e para ninguém) disso. Mas as chances são
grandes, ou pelo menos razoáveis. Todavia, não devemos, em
contrapartida, colocar “o carro à frente dos bois”. Não é
atitude sensata e nem inteligente se preocupar com o que ainda não
aconteceu e tem grandes probabilidades, até, de jamais acontecer.
Projetar o futuro é uma coisa muito relativa e, não raro, inútil.
Corremos o risco de perder o hoje, sem construir um melhor amanhã.
Tempos atrás publiquei, neste
espaço, duas crônicas, ambas com o mesmo título, distinguindo uma
da outra apenas com os algarismos 1 e 2, intituladas “Um dia por
vez”. A primeira delas iniciei com estas palavras, que embora
pareçam refletir o óbvio, nem todos se dão conta: “ O
segredo de uma vida equilibrada, sem traumas e sem dramaticidade, é
viver um dia por vez”. E não estou certo? Muitos não agem assim.
Diria que é a maioria.
A poetisa Charlyane Mirielle
diz tudo isso, porém com muito mais charme e beleza do que eu, neste
poema que partilho com vocês, intitulado “Flores do cotidiano”:
“Dentro
de um verso esquecido
uma
flor sangra a saudade
de
uma nova inspiração.
É
o tempo rotineiro
sem
manhã, sem arrebol,
sem
perfume, sem canção.
E
o pranto escorre faceiro
no
olhar do rouxinol
Por
saber que o cancioneiro
no
lugar do coração
carrega
um girassol...”.
Salve,
pois, os dias calmos e preguiçosos, que parecem não querer acabar!
Salve a rotina, quando a preenchemos com atividades construtivas que
embora pareçam sempre a mesma, de fato, soem ser diferentes! Só os
tolos e os despidos de imaginação (o que no meu entender vem a dar
na mesma) se queixam de tédio e precisam (ou pensam precisar) de
agito para viver. Não sabem, não podem ou não querem escalar o
pico de cada dia, e ficam, inutilmente, pelo caminho, sem jamais
conquistarem seus Everestes.
Reitero que gosto do cotidiano
rotineiro, que preencho com atrações ditadas por minha imaginação.
Afinal, conforme encerrei a segunda das crônicas intituladas “Um
dia por vez”, “da soma de todos esses dias calmos, aparentemente
sem brilho, sem dramas, sem euforias e sem heroísmos, construiremos
nossa biografia. Fabricaremos o sucesso ou, quiçá, a felicidade.
Simples, não é verdade...?”. Prá quê, pois, complicar o que de
per si é objetivo e óbvio?!
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