Thursday, August 16, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Figurino deformado


Figurino deformado



Pedro J. Bondaczuk


O figurino monetarista ortodoxo, por trás do Plano Collor, certamente não está sendo seguido à risca em sua execução, pois do contrário a taxa de inflação já teria cedido, ou pelo menos estacionado. É possível que ainda haja muita gordura, em termos de moeda, na praça, em decorrência da chamada economia informal, aquela que não aparece nos registros oficiais, mas existe de fato, cuja extensão nunca foi delimitada por ninguém.

Nunca se soube de um enxugamento monetário tão acentuado quanto o posto em prática pela atual equipe econômica. Mesmo assim, o dinheiro continua aparecendo em quantidade suficiente para cobrir as elevações de preços que ocorrem.

A hipótese mais provável é a de que o governo do presidente Fernando Collor não está fazendo a sua parte na eliminação do déficit público, a despeito de divulgar saldos superavitários, e que, para cobrir os rombos, continua emitindo. Conceitualmente, inflação é a emissão monetária sem o correspondente lastro em riquezas.

Na questão da redução das despesas governamentais, por outro lado, há um fator muito importante a se considerar. Dados demonstram o gigantismo da máquina administrativo-burocrática estatal, que consome em salários a maior parte do que é arrecadado.

As regras econômicas preveem que nestes casos o caminho óbvio seria o da redução de pessoal. Defender tal diminuição é fácil, quando não se é um desses funcionários potencialmente disponíveis. Mas para que se faça uma dispensa em massa, é indispensável que o setor privado esteja apto a absorver essa mão de obra excedente, sob pena da ocorrência de um caos social.

Suponha-se que 100 mil pessoas de um determinado setor do governo sejam dispensadas. Politicamente, isto será um desastre, já que as estatísticas de desemprego irão crescer de imediato. Além disso, há o fator humano. Serão cem mil famílias que ficarão sem sua fonte de renda.

A inexistência desses salários, por outro lado, afetará, de saída, o comércio, a indústria e o ramo de prestação de serviços. É possível que então, em decorrência da queda de demanda, os preços caiam. Mas não existe uma certeza. Nesta questão da inflação há uma dúvida semelhante àquela famosa, acerca de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha.

Nenhum economista é capaz de dizer com certeza se é a emissão de moeda que determina a elevação dos preços ou se essa alta é que leva as autoridades a emitirem sem existência de lastro. De qualquer forma, pelo comportamento inflacionário detectado por todos os institutos que se dedicam à medição das taxas, fica claro que algo não está funcionando no Plano Collor, apresentado à sociedade como uma panaceia para todos os males econômicos brasileiros.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio popular, em 27 de janeiro de 1991).


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