Bloqueio à ilusão
Pedro J. Bondaczuk
A ministra Zélia Cardoso de
Mello, como se esperava, anunciou apenas o óbvio quanto à inflação
na marca zero para o período entre 16 de março e 15 de abril. Como
a economia funcionou em carretéis devidamente ajustados, não houver
sequer a necessidade da divulgação de resultados afins por parte
dos órgãos especializados. Por sinal, em encontro realizado em São
Paulo, a equipe de técnicos do Ministério da Economia chegou
rapidamente a essa conclusão. Até o aumento determinado para os
combustíveis, no último dia 16 de março, não influiu em nada na
taxa deste mês. Ficou tudo circunscrito à casa do zero. Assim, como
se diz em linguagem popular, a ministra falou e está falado.
Aliás, convém a gente
relembrar, no primeiro mês da vigência do Plano Cruzado, mesmo sem
as inconveniências do processo de enxugamento da liquidez no mercado
financeiro, a inflação verificada naquela ocasião ficou também em
torno da taxa zero, provocando uma euforia fora de série no seio da
população. Os chamados fiscais de Sarney, atuando por todos os
cantos do País, chegaram até a ser endeusados. E o próprio
presidente José Sarney, entusiasmado com o sucesso do plano, ao ser
homenageado em Belo Horizonte, de uma das sacadas do Palácio da
Liberdade, falando ao povo, de peito erguido, disse bem alto:
"Inflação, nunca mais!"
A verdade é que, por força
do registro desse índice, a lógica está aí diante dos olhos de
todos: os trabalhadores não terão nenhum aumento salarial neste
mês, permanecendo o salário mínimo estático na configuração dos
Cr$ 3.674,05. Por tabela também já se pode prever o mesmo
comportamento quanto à política dos preços para o próximo mês de
maio. As autoridades não permitirão reajustes em determinados
preços, não se sabendo, no entanto, como irá desenvolver esse
propósito. O certo é que, no final da administração de José
Sarney, os preços dispararam de forma violenta, isto em flagrante
descompasso com os salários então vigentes.
Por outro lado, também é
para se ficar em dúvidas como a categoria assalariada irá entender
o fenômeno da inflação zero e nenhum aumento na parte dos
salários. Os políticos criaram nos últimos tempos aquela mágica
de reajustes mensais, desviando desse modo as atenções dos
trabalhadores para os possíveis movimentos de greves. Chegou-se ao
cúmulo, inclusive, de aventar a ideia de aumentos diários através
da aplicação dos valores rotundos dos BTNs. De fato, os
trabalhadores ficaram habituados a receber aumentos todos os meses.
Certamente, em maio próximo, muita gente não compreenderá como os
salários de abril serão os mesmos de março, isto na hipótese de
permanência no emprego. Convenhamos, não será nada fácil ao
governo explicar à massa de trabalhadores o efetivo bloqueio à
ilusão conservada por tanto tempo na sistemática salarial.
Todos estavam cansados de
saber que os aumentos concedidos eram devorados com rapidez por uma
inflação galopante. Dessa forma, cabe ao governo mover uma campanha
ampla de esclarecimento através dos veículos de comunicação
social, a qual deveria ser levada com presteza e dentro de uma
linguagem simples. A inflação zero e a recusa de aumento salarial
exigem mesmo uma boa explicação por parte do governo.
(Editorial publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de abril de 1990)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment