Friday, August 03, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Bloqueio à ilusão


Bloqueio à ilusão

Pedro J. Bondaczuk

A ministra Zélia Cardoso de Mello, como se esperava, anunciou apenas o óbvio quanto à inflação na marca zero para o período entre 16 de março e 15 de abril. Como a economia funcionou em carretéis devidamente ajustados, não houver sequer a necessidade da divulgação de resultados afins por parte dos órgãos especializados. Por sinal, em encontro realizado em São Paulo, a equipe de técnicos do Ministério da Economia chegou rapidamente a essa conclusão. Até o aumento determinado para os combustíveis, no último dia 16 de março, não influiu em nada na taxa deste mês. Ficou tudo circunscrito à casa do zero. Assim, como se diz em linguagem popular, a ministra falou e está falado.

Aliás, convém a gente relembrar, no primeiro mês da vigência do Plano Cruzado, mesmo sem as inconveniências do processo de enxugamento da liquidez no mercado financeiro, a inflação verificada naquela ocasião ficou também em torno da taxa zero, provocando uma euforia fora de série no seio da população. Os chamados fiscais de Sarney, atuando por todos os cantos do País, chegaram até a ser endeusados. E o próprio presidente José Sarney, entusiasmado com o sucesso do plano, ao ser homenageado em Belo Horizonte, de uma das sacadas do Palácio da Liberdade, falando ao povo, de peito erguido, disse bem alto: "Inflação, nunca mais!"

A verdade é que, por força do registro desse índice, a lógica está aí diante dos olhos de todos: os trabalhadores não terão nenhum aumento salarial neste mês, permanecendo o salário mínimo estático na configuração dos Cr$ 3.674,05. Por tabela também já se pode prever o mesmo comportamento quanto à política dos preços para o próximo mês de maio. As autoridades não permitirão reajustes em determinados preços, não se sabendo, no entanto, como irá desenvolver esse propósito. O certo é que, no final da administração de José Sarney, os preços dispararam de forma violenta, isto em flagrante descompasso com os salários então vigentes.

Por outro lado, também é para se ficar em dúvidas como a categoria assalariada irá entender o fenômeno da inflação zero e nenhum aumento na parte dos salários. Os políticos criaram nos últimos tempos aquela mágica de reajustes mensais, desviando desse modo as atenções dos trabalhadores para os possíveis movimentos de greves. Chegou-se ao cúmulo, inclusive, de aventar a ideia de aumentos diários através da aplicação dos valores rotundos dos BTNs. De fato, os trabalhadores ficaram habituados a receber aumentos todos os meses. Certamente, em maio próximo, muita gente não compreenderá como os salários de abril serão os mesmos de março, isto na hipótese de permanência no emprego. Convenhamos, não será nada fácil ao governo explicar à massa de trabalhadores o efetivo bloqueio à ilusão conservada por tanto tempo na sistemática salarial.

Todos estavam cansados de saber que os aumentos concedidos eram devorados com rapidez por uma inflação galopante. Dessa forma, cabe ao governo mover uma campanha ampla de esclarecimento através dos veículos de comunicação social, a qual deveria ser levada com presteza e dentro de uma linguagem simples. A inflação zero e a recusa de aumento salarial exigem mesmo uma boa explicação por parte do governo.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de abril de 1990)



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