Do sociológico ao psicológico
Pedro J. Bondaczuk
O escritor e dramaturgo
austríaco, Hugo Laurenz August Hofmann, que assinava suas obras com
o pseudônimo de Hugo von Hofmannsthal, um dos expoentes da brilhante
geração de artistas do seu país em fins do século XIX e que,
entre outras coisas, foi amigo pessoal, parceiro e colaborador do
compositor alemão Richard Strauss, escreveu, em um de seus ensaios:
“Os males que afligiam a humanidade tenderam a se deslocar do
domínio público e sociológico para o privado e psicológico”.
Concordo, mas apenas em parte,
com essa observação. Não houve nenhum deslocamento na natureza dos
problemas que afetam o homem neste raiar de novo milênio. Isso
poderia, até, ter acontecido, e por curtíssimo período, na época
em que o escritor fez essa afirmação. Hoje, o que ocorre é um
acúmulo de males. Ou seja, os de domínio público não foram
sanados e, por isso, se agravaram e, a eles, vieram se juntar os
desajustes individuais, privados e psicológicos.
Creio que sequer preciso
fundamentar em provas essa constatação, tão óbvia ela é para
pessoas minimamente informadas e com capacidade mediana de
observação. Quando Hofmannsthal escreveu seu ensaio, a humanidade
não havia, ainda, conhecido os horrores das duas guerras mundiais,
que deixaram, somadas, um número estimado de mais de 50 milhões de
mortos, pelo menos o triplo dessa cifra de feridos e prejuízos
materiais tão grandes, que nunca puderam ser quantificados (sequer
aproximadamente).
Não havia ocorrido o maior
massacre da história, com o lançamento das bombas atômicas sobre
Hiroshima e Nagasaki, que, literalmente, incineraram, em questão de
minutos, edifícios, monumentos, praças, casas etc. e cerca de 200
mil pessoas. Foi, até hoje, o ataque mais pavoroso, o ato de maior
insânia e insensibilidade praticado pelo homem contra seus
semelhantes.
As duas guerras mundiais
deixaram a Europa, berço da civilização, em frangalhos, em
escombros, em dantescas ruínas, tanto política, quanto econômica,
social e até moralmente. A economia do continente se recuperou em
pouco tempo, é verdade, graças ao famoso Plano Marshal. Mas o que
se perdeu, material e espiritualmente... Foi irreversível e
irrecuperável. Hoje, esses recursos, desperdiçados nesses dois
surtos de horror e insânia, fazem muita falta à humanidade.
Concordem ou não comigo, o
fato é que a recuperação europeia se deu quase que exclusivamente
às custas dos países miseráveis – da África, da Ásia e,
sobretudo, da América Latina – de onde foram drenadas riquezas,
sobretudo as naturais, para que os europeus pudessem se ressarcir dos
danos causados por sua própria falta de juízo, de duas guerras
selvagens, estúpidas e sem senso. Os problemas econômicos que
afligiam a humanidade naquele tempo, que agravaram os de caráter
sociológico a ponto de os tornar virtualmente insolúveis, não
foram, portanto, resolvidos. Estão aí, para quem quiser ver, e cada
vez mais graves.
É verdade que o século XIX
esteve longe de ser pacífico. Muito sangue foi derramado,
principalmente em solo europeu, com as guerras napoleônicas, os
vários conflitos na Rússia, as múltiplas insurreições populares
como a Comuna de Paris, o confronto franco-prussiano, e vai por aí
afora. A China viveu um período de instabilidade e caos,
oportunidade em que Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia
procederam a uma sistemática e continuada pilhagem nesta que é, sem
dúvida, uma das mais antigas civilizações remanescentes, com cerca
de cinco milênios de existência. As potências da Europa
apoderaram-se das comunidades africanas como se tivessem direito a
elas, drenando para seus países os por si sós escassíssimos
recursos desse sofrido continente.
Como se vê, no tempo de
Hofmannsthal o que não faltavam eram problemas: políticos,
econômicos, militares e sociológicos. Além do que, começaram a
emergir os de ordem privada, de caráter psicológico, que hoje
competem palmo a palmo com os primeiros.
A Revolução Bolchevique de
1917, já em pleno século XX, foi uma esperança, uma alternativa
para, senão a eliminação, pelo menos a redução das desigualdades
sociais, principalmente na Rússia. Se funcionasse ali, certamente
seria abraçada por outros povos. Não funcionou.
Não tardou para que essa
utopia de uma sociedade sem classes, com a abolição total da
propriedade privada, frustrasse os idealistas. O que na sua concepção
original era para ser uma coisa, se transformou em outra, muito
diferente, que nada tinha a ver com os ideais de igualdade e
fraternidade dos seus mentores. Tornou-se uma férrea ditadura do
Estado sobre o indivíduo, e muito mais intolerável do que o
liberalismo cínico do “laissez faire” e seu selvagem sistema
capitalista. Não durou (como não poderia durar) sequer um século.
Quanto aos problemas
psicológicos (que um amigo muito chegado classifica, de forma
irreverente e até um tanto escatológica de “frescuras de
riquinhos desocupados”), vêm crescendo, de forma exponencial.
Milhões de pessoas mundo afora, no afã de fugir de seus fantasmas e
demônios interiores, recorrem ao álcool, às drogas e a tantos
outros expedientes de fuga, inutilmente. Multidões superlotam os
consultórios dos especialistas (quando não gabinetes de gurus e de
charlatães), em busca de auxílio.
É certo que quem é afetado
por esses males quase nunca é o desvalido, o pobre, o miserável ou
o indigente. Estes já têm aflições de sobra para garantir pelo
menos a refeição do dia. As estatísticas comprovam, por exemplo,
que os mais altos índices de suicídio são registrados em países
ricos – notadamente Suécia, Estados Unidos e Japão – cujo
estilo e, principalmente, qualidade de vida são invejados por todos
os povos. O problema do pobre é, aparentemente, mais simples: comida
num primeiro instante. E, claro, moradia decente, educação, saúde,
segurança etc.etc.etc.
Uma coisa é certa: as
sociedades que aí estão são um fracasso, a despeito da sofisticada
tecnologia de que dispõem. Injustas, excludentes e preconceituosas,
não asseguram relacionamentos sequer minimamente civilizados entre
as nações e, muito menos mesmo que um arremedo de felicidade para a
imensa maioria da população mundial. Urge, pois, que se encontre (e
se concretize) uma nova utopia, de igualdade, fraternidade e,
sobretudo, de solidariedade neste violento, poluído, judiado e
sumamente depredado Planeta. Seremos competentes para isso?
No comments:
Post a Comment