Thursday, August 02, 2018

CRÔNICA DO DIA - Ópera bufa?


Ópera bufa?

Pedro J. Bondaczuk

A vida é uma ópera bufa com intervalos de música séria”. Quem escreveu estas palavras foi Machado de Assis, no romance “Ressurreição”, uma das obras menos conhecidas do Bruxo do Cosme Velho, mas não menos genial. Parece-me, contudo, mera frase de efeito do nosso maior escritor. Ainda assim, tem relativo fundo de verdade, com todo o exagero que possa conter. Convido-o, paciente leitor, a acompanhar meu raciocínio.

Claro que esse fenômeno, aparentemente raro no universo, não pode ser reduzido a uma conclusão tão simplista. Ademais, Machado, certamente, referiu-se ao comportamento humano, e não a vida em si, já que o homem, óbvio, não é o único e solitário ser vivente. Entre animais e vegetais, já foram catalogadas bilhões de espécies, e com uma infinidade de espécimes de cada, neste planetazinha azul de uma estrela de quinta grandeza, localizada nos “subúrbios” de uma galáxia de porte médio, a Via Láctea. .

A forma das pessoas se relacionarem sim é uma interminável e ininterrupta ópera bufa, ora com toques de comédia, ora de tragédia, ora de ambas, compondo estranha peça tragicômica. E por que isso acontece? Porque, a despeito das sucessivas gerações, dos avanços e recuos (mais os primeiros, óbvio) do conhecimento, temos, todos nós, indistintamente, deficiências e imperfeições. Apontem-me, se houver, ou se conhecerem, uma única e reles pessoa perfeita. Não há! E quantas já passaram pela Terra desde que nossa espécie existe? É possível, apenas, especular. Milan Kundera, no livro “A Imortalidade”, chuta que foram 80 bilhões. Acho pouco, mas... Que seja! Dessa quantidade imensa, quantas deixaram suas marcas, legaram contribuições relevantes para a civilização e o progresso da espécie? Proporcionalmente, poucas. Cabe, inclusive, o superlativo: pouquíssimas!

Aldous Huxley, no livro "Ronda Grotesca", dedica várias páginas a analisar as fraquezas mais comuns e universais do homem. Elas são tantas, que seriam necessários inúmeros e maçudos tratados para catalogá-las e ainda assim boa parte deixaria de ser mencionada. O citado escritor escreve a respeito, em determinado trecho: "Mas todo homem é ridículo quando visto de fora, sem levar em conta o que lhe vai no espírito e no coração. Pode-se transformar Hamlet numa farsa epigramática, com uma cena inimitável, quando ele surpreende sua adorada mãe em adultério. É uma questão de ponto de vista. Cada um de nós é uma farsa ambulante e uma tragédia ambulante ao mesmo tempo. O homem que escorrega numa casca de banana e fratura o crânio, descreve contra o céu, ao cair, o arabesco mais ricamente cômico".

E não é o que acontece? Claro que sim! Por mais que isso nos fira o ego, somos um feixe de defeitos e imperfeições. Daí nosso relacionamento ser essa prolixa e estúpida ópera bufa, com raríssimos intervalos de música séria. Quanto à vida... Esta não tem culpa da nossa fragilidade e limitação mental.

Pergunto-lhes: o universo é trágico ou cômico? É benigno ou maligno ao homem? A resposta mais convincente que encontrei para a questão foi a dada pelo célebre astrônomo Carl Sagan, que o considera “indiferente” ao ser humano. Embora as várias religiões nos coloquem como o centro da criação, afirmando que tudo o que existe surgiu em nossa função, é claro que isso não passa de delirante fantasia. Contraria a mais elementar lógica. O universo não foi nem criado para o usufruto do homem e muito menos à sua revelia. Com ele ou sem ele seguiria, certamente, o seu curso.

Quando traçamos um ligeiro esboço da estupidez humana, desponta como a maior de suas manifestações a depredação deste Planeta que nos acolhe. É espantosa a nossa insensibilidade em relação a isso. Emerge, espontânea, a primaríssima pergunta: será que vale a pena desequilibrar toda a natureza apenas para que a nossa locomoção, por exemplo, seja mais rápida (refiro-me à exploração do petróleo e à poluição que seus derivados causam)? É lícito que nos arrisquemos a morrer sufocados, apenas para que possamos andar elegantemente trajados (refiro-me aos tecidos sintéticos produzidos por processos altamente poluentes)? É vantajoso trocarmos nossos rios e lagos por mais açúcar e álcool ou os peixes dos nossos mares por mais óleo cru? E temos a estupidez de chamar a isso de "progresso"!!!

Não dar a devida atenção a esse (gravíssimo) problema, por exemplo, no século XVIII, quando do início da Revolução Industrial, ou no XIX, ou até mesmo até meados do XX, ainda se justificava. Não se sabia quais os efeitos reais da poluição sobre os ecossistemas do Planeta. Mas o que está acontecendo com as pessoas neste início de século XXI? Será que deu um ataque coletivo de burrice? Vemos, dia após dia, a Terra se aquecer, geleiras imensas derreterem, desertos avançarem sobre solos outrora férteis, a camada de ozônio apresentar rombos e mais rombos, e não movemos uma só palha para deter o processo de depredação do meio ambiente!

O pior é que tentam “ideologizar” o tema referente à proteção ambiental, como se fosse assunto apenas das facções de esquerda (ou da direita, como queiram) e não da totalidade dos habitantes do Planeta. O que a preservação do meio ambiente tem a ver com o sistema político “x”, “y” ou “z”? Estes “puristas ideológicos” serão capazes de conter a expansão do buraco na camada de ozônio? Farão chover nos locais que enfrentam devastadoras secas, salvando as suas safras? Evitarão catastróficas enchentes ou os deslizamentos de terra ou os máximos de frio e de calor, que se alternam, mundo afora? Claro que não! A preservação do meio ambiente, portanto, não é questão ideológica, mas de bom-senso e, sobretudo, de sobrevivência.

O que esperar, pois, de bufões, se não contínua e maluca ópera bufa? Não seria a hora, no entanto, de mudar o monótono e repetitivo programa e partir para a “música séria”, e somente a ela, até para assegurar a preservação da espécie? O trágico é que os que têm em mãos poder de decisão para mudar para melhor tudo isso, não dão ouvidos aos clamores dos raros indivíduos de bom-senso, que enxergam, pelo menos, “um palmozinho” adiante do nariz. E a massa bruta, entorpecida (ou ensandecida?) ri, gargalha, baba de satisfação, sem noção do por que da própria imbecilidade e da iminente destruição.




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