Diga
sim à vida
Pedro J. Bondaczuk
Viver é bem diferente de meramente “sobreviver”, embora muitos
não percebam e nem admitam diferenças. É, entre tantas outras
coisas, ser pleno, ativo, realizador e satisfazer tanto aos sentidos
quanto ao intelecto; tanto ao corpo quanto à mente; tanto aos
instintos quanto à razão, à alma, em sua lata acepção. É
priorizar o “ser” em detrimento do “ter”, ou seja, remar
exatamente contra a maré. Nem todos (eu diria que é a minoria)
vivem com essa plenitude e grandeza. Mas... todas as pessoas vivas,
enquanto ostentem essa condição, lutam para “sobreviver”. Isso
é instintivo. Trata-se do instinto número um e não apenas do
homem, mas de todos os seres vivos. A menos, claro, que se trate de
suicidas, virtuais ou potenciais.
Viver é ter objetivos, funções, sonhos e ideais. É pensar, intuir
e agir. É dar a vida por algo ou alguém. E o que isso significa?
Muito! O escritor norte-americano Michael Drury detalha melhor do que
eu esse significado, mesmo que de forma um tanto retórica: “Dar a
vida significa escolher um motivo entre um mundo de possibilidades e
então trabalhar pacientemente por ele, mesmo quando estamos
cansados, perplexos ou amedrontados. Significa amar o que fazemos,
não apenas em seus pontos altos, mas também no esforço cotidiano.
Significa o apego a um objetivo, através de milhares de tempestades
e incêndios, apego interior e exterior. Significa experimentar de
novo até que o objetivo e a pessoa que o buscam estejam
aperfeiçoados e prontos”.
Gosto desse autor. Li, há anos (na verdade, há quase meio século),
um contundente artigo que escreveu, intitulado “Diga sim à vida”,
publicado na edição de fevereiro de 1965 da revista "Seleções
do Reader's Digest", que teve influência decisiva na minha
formação e, por consequência, na minha maneira de pensar. Destaco,
em particular, este trecho, pelo seu profundo conteúdo: "A vida
é um processo de descobrir o que somos e o que podemos vir a ser. É
muito possível que as coisas que dizemos tão decisivamente que
nunca havemos de fazer sejam exatamente as coisas de que precisamos
para nos completarmos. O esforço para romper padrões estabelecidos
nos estimula – é um ato de criação. Se você quer conhecer-se a
si mesmo, diga 'sim' à vida".
Tais recomendações podem não ser a receita, a fórmula infalível
(que ademais não existe) para a felicidade. Mas não deixa de ser
maneira inteligente e criativa de viver. Claro que “ser feliz”
tem significados bastante diversos, dependendo de cada pessoa. Para
uns, a felicidade concentra-se basicamente (e em alguns casos,
exclusivamente) no ter. Este acham que contando com recursos
materiais para satisfazer suas necessidades primárias e suas
fantasias (o consumo do supérfluo), não precisarão de mais nada
para se sentirem realizadas. Estão enganadas, claro. Porém... É o
pensamento prevalente no mundo contemporâneo.
O filósofo chinês Lao-Tsé, define, por seu turno, o que muitos e
muitos entendem por "ser feliz": "Ter o suficiente
significa felicidade; ter mais que o necessário é desdita. Isto
vale para todas as coisas, principalmente para o dinheiro". O
problema, neste caso, é definir essa tal da "suficiência".
O que é suficiente para uns (se é que exista alguém que se
satisfaça com alguma coisa), não é para outros. Tenho pena dos
gananciosos que acumulam e veneram bugigangas, não importa de que
tipo ou espécie e que não poderão, queiram ou não, levar para o
túmulo.
Da minha parte, prefiro investir no verbo "ser"... Quem me
conhece e convive comigo sabe que não estou fazendo “tipo”.
Claro que não sou maluco de sair por aí esbanjando o que consigo
com grande sacrifício. Nem recomendo aos outros que façam isso.
Também não rasgo e nem ponho fogo em dinheiro. Mas não faço dele,
ou de qualquer bem material, objetivo dos meus esforços e ações.
Não dou a vida por eles.
O escritor D. H. Lawrence – célebre por seu romance "O Amante
de Lady Chaterley", que teve sua obra censurada como
"pornográfica" e "atentatória à moral" e que
não chegou a ver o livro ser publicado na íntegra (o que ocorreria
apenas após a sua morte) – criticou acerbamente (e, diga-se de
passagem, com sapiência e competência) os pressupostos baseados
no "ter", em detrimento do "ser".
Escreveu: "O que queremos é destruir nossas falsas, inorgânicas
relações, especialmente com o dinheiro, e restabelecer nossa
relação orgânica e viva com o cosmos, o Sol e a Terra, com a raça
humana e com a nação e a família". E esse era o intelectual
cujas idéias foram classificadas de imorais! Quem o classificou
dessa forma, todavia, mostrou, apenas, não ter a mais remota noção
do significado de moralidade (além de uma burrice monumental). Ser
imoral não é falar sobre sexo e erotismo, mesmo que se use
linguagem escatológica ou que se recorra até à pornografia
explícita, mas é deixar pessoas morrendo à míngua, enquanto temos
mais do que precisamos e desperdiçamos. Isso, sim, é imoralidade.
Imoral é a paternidade (e maternidade, claro) irresponsável. É não
se sentir vinculado a nada e ninguém, principalmente a pais e filhos
e, por isso, deixá-los à míngua quando precisarem de auxílio.
Enfim, há uma infinidade de ações imorais praticadas pelos que se
arrogam em árbitros do comportamento alheio sem atentarem às
próprias patifarias. Pergunto (embora sem esperar resposta): “Qual
a razão do patrimônio da humanidade – que são os escassos
recursos do Planeta – estar entregue a pessoas tão medíocres, sem
princípios e sem idéias, que os vêm depredando de forma estúpida
e sistemática? Isso não é viver. Pode, até, significar uma
tentativa de sobreviver, posto que equivocada. Mas é uma
sobrevivência rasteira, tacanha, indigna e viciosa, que redunda,
apenas, em sofrimento e vergonha. Faça, pois, à sua maneira, o que
Michael Drury recomenda: “Diga sim à vida”!!!
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