Wednesday, August 22, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - O "efeito Orloff"


O "efeito Orloff"


Pedro J. Bondaczuk


A demissão do ministro de Economia argentino, Domingo Cavallo, despertou sobressaltos, boatos e comentários tanto na Argentina, quanto no Brasil. Os mercados de valores de Buenos Aires tiveram súbita queda e houve uma corrida inicial por dólares. Até aí nada de novo. Tal agitação é normal nessas circunstâncias. Vai passar em poucos dias.

Alguns mais afoitos chegaram a fazer previsões catastróficas, que não condizem com a realidade dos fatos. Levantaram, até, a possibilidade da ocorrência do que tem sido denominado, meio que popularmente, de "efeito Orloff", em referência à marca de uma conhecida bebida alcoólica, para caracterizar que o mercado financeiro brasileiro arca com a ressaca dos desacertos no país vizinho.

Ocorre que o chamado "Plano Cavallo" de estabilização argentina não fracassou, embora tenha gerado efeitos sociais, e por consequência políticos, desastrosos para o governo do presidente Carlos Menem, de olho nas eleições legislativas do próximo ano. E tem sensíveis diferenças do que está em vigor no Brasil.

O desemprego na Argentina é intolerável até para países de Primeiro Mundo, onde o trabalhador conta com mecanismos eficientes de proteção, quanto mais em um Estado em desenvolvimento, sem esse fundamental resguardo. A taxa atual é de 17,1% da População Economicamente Ativa, só comparável à Espanha, fator que retirou os socialistas espanhóis de Felipe Gonzalez do poder.

É possível, e até provável, dada a semelhança de formações --- ambos são conhecidos como "Chicago Boys", pela estratégia neoliberal da escola econômica dessa cidade norte-americana --- que o novo ministro, Roque Fernandez, que até aqui vinha presidindo o Banco Central argentino, adote uma ação tão austera ou mais do que a do antecessor. A diferença seria seu melhor trânsito junto à classe política.

Cavallo culpa o Congresso do seu país pelo fato da estabilização econômica não ter trazido os benefícios sociais a que se propunha. Argumenta que os parlamentares, por razões que classifica de demagógicas, têm retardado as medidas no seu entender indispensáveis para a consolidação desses objetivos de bem-estar geral. A economia portenha, de fato, cresceu. Mas o nível de vida da população regrediu a olhos vistos.

O ministro da Fazenda brasileiro, Pedro Malan, garantindo que a demissão do colega argentino não terá qualquer reflexo sobre a economia brasileira, observou que essa lentidão dos Congressos ocorre não apenas na Argentina, mas também no Brasil e nos Estados Unidos.

E é bom que isso ocorra. O economista não é dono da verdade. No aspecto social, o político é muito mais sensível às consequências dos vários planos traçados pelos tecnocratas que, acostumados a lidar com números, muitas vezes se esquecem que estão tratando com destinos das pessoas. Têm que enfrentar, periodicamente, o veredito das urnas, quando jogam a sorte de suas carreiras. Daí sua cautela.

Uma economia, para ser de fato saudável --- como demonstra a dos Estados Unidos --- deve vascularizar ou até capilarizar seus benefícios. Ou seja, levá-los para todas as camadas da sociedade, do topo à base da pirâmide social. Como seus gestores, aliás, fazem quando exigem sacrifícios da população, quando não poupam sequer os excluídos que nada têm.

(Editorial número um, publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de julho de 1996).


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