O "efeito Orloff"
Pedro J. Bondaczuk
A demissão do ministro de
Economia argentino, Domingo Cavallo, despertou sobressaltos, boatos e
comentários tanto na Argentina, quanto no Brasil. Os mercados de
valores de Buenos Aires tiveram súbita queda e houve uma corrida
inicial por dólares. Até aí nada de novo. Tal agitação é normal
nessas circunstâncias. Vai passar em poucos dias.
Alguns mais afoitos chegaram a
fazer previsões catastróficas, que não condizem com a realidade
dos fatos. Levantaram, até, a possibilidade da ocorrência do que
tem sido denominado, meio que popularmente, de "efeito Orloff",
em referência à marca de uma conhecida bebida alcoólica, para
caracterizar que o mercado financeiro brasileiro arca com a ressaca
dos desacertos no país vizinho.
Ocorre que o chamado "Plano
Cavallo" de estabilização argentina não fracassou, embora
tenha gerado efeitos sociais, e por consequência políticos,
desastrosos para o governo do presidente Carlos Menem, de olho nas
eleições legislativas do próximo ano. E tem sensíveis diferenças
do que está em vigor no Brasil.
O desemprego na Argentina é
intolerável até para países de Primeiro Mundo, onde o trabalhador
conta com mecanismos eficientes de proteção, quanto mais em um
Estado em desenvolvimento, sem esse fundamental resguardo. A taxa
atual é de 17,1% da População Economicamente Ativa, só comparável
à Espanha, fator que retirou os socialistas espanhóis de Felipe
Gonzalez do poder.
É possível, e até provável,
dada a semelhança de formações --- ambos são conhecidos como
"Chicago Boys", pela estratégia neoliberal da escola
econômica dessa cidade norte-americana --- que o novo ministro,
Roque Fernandez, que até aqui vinha presidindo o Banco Central
argentino, adote uma ação tão austera ou mais do que a do
antecessor. A diferença seria seu melhor trânsito junto à classe
política.
Cavallo culpa o Congresso do
seu país pelo fato da estabilização econômica não ter trazido os
benefícios sociais a que se propunha. Argumenta que os
parlamentares, por razões que classifica de demagógicas, têm
retardado as medidas no seu entender indispensáveis para a
consolidação desses objetivos de bem-estar geral. A economia
portenha, de fato, cresceu. Mas o nível de vida da população
regrediu a olhos vistos.
O ministro da Fazenda
brasileiro, Pedro Malan, garantindo que a demissão do colega
argentino não terá qualquer reflexo sobre a economia brasileira,
observou que essa lentidão dos Congressos ocorre não apenas na
Argentina, mas também no Brasil e nos Estados Unidos.
E é bom que isso ocorra. O
economista não é dono da verdade. No aspecto social, o político é
muito mais sensível às consequências dos vários planos traçados
pelos tecnocratas que, acostumados a lidar com números, muitas vezes
se esquecem que estão tratando com destinos das pessoas. Têm que
enfrentar, periodicamente, o veredito das urnas, quando jogam a sorte
de suas carreiras. Daí sua cautela.
Uma economia, para ser de fato
saudável --- como demonstra a dos Estados Unidos --- deve
vascularizar ou até capilarizar seus benefícios. Ou seja, levá-los
para todas as camadas da sociedade, do topo à base da pirâmide
social. Como seus gestores, aliás, fazem quando exigem sacrifícios
da população, quando não poupam sequer os excluídos que nada têm.
(Editorial número um,
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de julho
de 1996).
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