Pequenas vitórias
Pedro J. Bondaczuk
As
pessoas costumam (e entre estas me incluo) colocar suas pretensões
acima das suas possibilidades. Algumas chegam a desejar o impossível.
Claro, sonhos são sonhos e é lícito lutar por sua concretização.
Mas desde que sejam factíveis.
Se
eu pretender ser um astronauta, por um desses caprichos da fantasia,
por mais que tente jamais chegarei a sê-lo. Uma série de fatores,
dos físicos, aos referentes a oportunidades, tornariam esse desejo
absolutamente impossível. Há uma série de outros que a mínima
lógica sugere serem irrealizáveis. Mas teimamos em correr atrás
deles. E nos frustramos, nos desesperamos e entramos em depressão
quando não temos sucesso na busca dessas irracionalidades.
Na
maioria das vezes, a busca insensata por essas fantasias impede que
valorizemos as aparentemente pequenas vitórias que obtemos, mas que
em alguns casos são decisivas. No meu caso, não tenho o direito de
me reprovar por falta de esforço. E nem os que souberem da minha
"saga" heroica de alguns anos atrás para conseguir o que
para as pessoas comuns é natural, mas que para mim foi a maior e
decisiva das aventuras: reaprender a andar.
Ainda
na mais tenra infância, fui acometido de poliomielite (a tal da
paralisia infantil). Até então, eu era uma criança sadia, normal,
travessa, nem melhor e nem pior do que ninguém. Talvez um pouco mais
agitada, a acreditar nas reclamações dos meus pais.
Da
noite para o dia, vi-me privado de todos os movimentos. Fiquei
totalmente paralisado, precisando de ajuda para tudo: para comer,
trocar de roupa, tomar banho etc. Era completamente dependente dos
outros. Como administrar isso? Só quem passou por situação
semelhante sabe o desespero que se apossa da gente ao perceber o que
se está perdendo da vida.
Passado
o período crítico da doença, veio a fase dificílima da adaptação
à nova condição. A primeira reação natural que temos nessas
circunstâncias é a da revolta, sem que saibamos exatamente contra
quem. E surge a pergunta mais do que natural e óbvia na nossa mente,
que fica piscando como as luzes de um neon: por que eu? A autopiedade
é outra tentação que passa a acompanhar os que têm essa ou outra
infelicidade que os incapacitem fisicamente. No meu caso, através da
fisioterapia, comecei vagarosamente a recuperar alguns movimentos.
Dia
a dia conquistava pequenas vitórias, que nas circunstâncias eram
imensas. Primeiro, consegui readquirir por completo os movimentos e
funções do braço esquerdo e parcial da perna direita. Depois, pude
sentar-me sozinho. No dia em que consegui comer, sem que ninguém
precisasse me dar comida na boca, chorei de alegria. Mas eu intuía
que não poderia parar nisso.
Havia
muita vida dentro de mim para permanecer deitado o tempo todo em uma
cama, quando havia um mundo lá fora a ser conquistado. Pensamentos
aterrorizadores me assaltavam a mente. "E se eu perder os meus
pais? O que será de mim?", raciocinava angustiado. Precisava
aprender a me locomover! Mas como?!?
A
primeira alternativa foi a cadeira de rodas. Esta, porém,
permitia-me uma locomoção muito limitada. Como frequentaria a
escola, por exemplo, nestas circunstâncias? Não, não era o
bastante! Cismei que poderia aprender a andar de muletas, embora os
médicos achassem isso impossível, pela atrofia que eu havia sofrido
na perna esquerda e no braço direito. Nem liguei para esse
diagnóstico.
Alguma
coisa, no meu íntimo, dizia que eu poderia conseguir. E que iria.
Insisti com meu pai para que me fizesse um par de muletas, já que
éramos muito pobres para poder comprar um. A princípio relutando,
mas depois até para se livrar da minha insistência, fui atendido.
A
primeira vez que voltei a ficar de pé, sem a ajuda alheia, senti-me
um rei. Deve ter sido a mesma sensação que sir Edmund Hillary teve
ao plantar, pela primeira vez na história, a bandeira no seu país
no Pico do Everest, o "teto do mundo".
Daí
para os primeiros passos, foi uma piscada de olhos. As quedas foram
muitas e algumas perigosas. Cheguei a sofrer pequenas fraturas. Mas
contra a opinião e a recomendação gerais, persisti. Em suma, com o
tempo adquiri tamanha mobilidade, que conseguia tomar ônibus, subir
escadas e levar vida completamente normal. Frequentei a escola
primária, fiz o ginásio, o colégio e a faculdade. Adquiri uma
profissão, que procuro exercer com todo o amor. Sei o que me custou
chegar até onde cheguei.
Casei-me,
gerei quatro filhos saudáveis e maravilhosos, que me deram três
netos lindos e inteligentes e agora, muito raramente, lembro-me que
tenho problema físico. Apostei no impossível e me dei bem. Narro
este fato íntimo não para me engrandecer ou para que os outros
digam: como este sujeito é esforçado!
Menciono-o
para mostrar que, por pior que seja o nosso problema, sempre há uma
solução, mesmo que não a ideal ou a que preencha as nossas
expectativas, em geral carregadas de fantasia. Temos a obrigação de
valorizar as aparentemente pequenas vitórias que, colocadas no
devido contexto, são, na realidade, maiúsculas, senão monumentais.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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