Um toque de letra
Pedro J. Bondaczuk
A
literatura, que se propõe a ser um ato de criação em cima da
realidade, ou que pelo menos tem, em geral, nela seu parâmetro de
verossimilhança, peca por não abordar, com a frequência desejável,
um dos fenômenos de massa mais representativos do mundo atual: o
futebol.
Aliás,
não é só ela. À exceção do cinema, e da música popular, que
vez por outra traz canções homenageando, ou pelo menos citando, um
clube ou outro ou um ídolo aqui, outro ali, outras formas de arte
raramente exploram esse filão quase que inesgotável.
Contudo,
o tema presta-se, e muito bem, a diversas expressões artísticas.
Por exemplo, que riqueza plástica o pintor e o escultor deixam de
aproveitar, nos movimentos dos jogadores, no momento do chute, na
explosão do gol e até numa jogada de bola dividida!
Para
a dança, então, é um campo vasto. Basta que os coreografos deixem
a imaginação trabalhar à solta. Muitos poderão me contestar por
abordar, neste espaço nobre da internet, destinado à opinião e à
reflexão, um assunto considerado “não sério”. Afinal, podem
argumentar, trata-se de um jogo, de um espetáculo, de um lazer, de
uma forma de diversão. Mas isso não é importante?! Depende do
critério adotado para definir “importância”.
Raros
são os contos, em nossa literatura, que exploram o futebol. Conheço
dois ou três em que a modalidade é enfocada, aliás,
subsidiariamente, não como tema principal. Poemas só são compostos
e divulgados em épocas de Copa do Mundo, isto quando são. Em 2002,
a “Folha de S. Paulo” publicou (não me lembro se na editoria de
Esportes, ou se na Folha Ilustrada ou se no caderno Mais), alguns
textos no gênero, muito bons, por sinal.
Mas
foi só. Passada essa competição internacional, que mobiliza em
torno de quatro bilhões de pessoas ou mais (dizem que desperta a
atenção de metade da humanidade), o assunto é prontamente
esquecido, embora frequente, com enorme assiduidade, nosso cotidiano.
João Cabral de Mello Neto foi um dos raros poetas que incursionaram
pelo tema. Compôs um antológico poema em homenagem ao supercraque
Ademir da Guia.
Romance,
que eu saiba, não existe nenhum que se passe num clube ou que
envolva jogador, diretor ou treinador de algum time. Isso sem falar
no torcedor, em especial nos integrantes das torcidas organizadas,
que vivem frequentando manchetes policiais pelas estripulias que
causam, notadamente nas grandes cidades, em dias de grandes
clássicos. Pode até ser que existam, mas são tão poucos, e tão
mal divulgados, que pouca gente conhece. Eu, pelo menos, não
conheço.
E
por que esse preconceito, ou, pelo menos, omissão? Não se trata de
uma realidade, onipresente, do mundo contemporâneo? Não é uma
atividade que movimenta somas de dinheiro incríveis e que desperta
tantas e tão contraditórias paixões mundo afora?!
No
caso dos cronistas, até que se entende. E no dos articulistas,
entende-se mais ainda. Nestes tempos bicudos, onde faltam líderes e
abundam os canalhas e os corruptos, as pessoas usam o futebol como
mera válvula de escape das tensões do dia a dia, como uma forma de
catarse coletiva, uma espécie de fuga da realidade. O pior é que
acabam se fanatizando. Muitos encaram, por exemplo, a paixão pelos
seus times, como uma religião. Aliás, dão mais importância a eles
do que às denominações religiosas a que dizem pertencer. O que
fazer? O errado, no caso, não é, evidentemente, o futebol,
concordam?
Gosto
pelo esporte, aliás, muitos escritores têm e tiveram e sempre
fizeram questão de não esconder de ninguém. Foram os casos, para
citar apenas dois, de Mário de Andrade e de Nelson Rodrigues
(especialmente este último, torcedor ferrenho e apaixonado do
Fluminense do Rio de Janeiro). Mas poderíamos mencionar muitos e
muitos outros que, no entanto, ficaram nos devendo obras-primas tendo
o esporte bretão (que se diz nascido no século XIX na Grã-Bretanha)
como tema.
Aqui
em Campinas, onde resido, se algum cronista quiser publicar, nas
colunas dos jornais da cidade, fora da editoria de Esportes, algum
texto leve, abordando Ponte Preta e Guarani, por exemplo,
dificilmente vai conseguir. E caso a crônica seja publicada, será,
certamente, com reservas. Afinal, o assunto não é considerado
“sério”. E, no entanto, raros são os campineiros, que gostem de
esporte, que não torçam para um desses dois times. A mesma coisa
ocorre em outras grandes cidades em relação aos seus grandes
clubes. Preconceito estranho e, sobretudo, bobo, não é verdade?
Da
minha parte, fiz duas tentativas para explorar, literariamente, o
tema futebol. A primeira, foi meu livro de contos “Lance fatal”,
publicado em 2010 pela Editora Barauna, que ainda se encontra no
mercado. Não tenho a menor condição de dizer se essa obra
“enxuta”, de pouquíssimas páginas (78 para ser exato), quase,
portanto, que mero “panfleto”, foi sucesso comercial ou rotundo
fracasso. Relapso, como sou, sobretudo em questões que envolvam
dinheiro, não me preocupei, em momento algum, em saber como foram as
vendas desse livro. Nem mesmo reivindiquei meus direitos autorais.
O
livro, é verdade, não é todo sobre futebol. Mas quatro dos contos
que o compõem são. E, sobretudo, a história que lhe dá título,
retratando um único lance de determinada partida, que determinou o
destino (trágico) do personagem central do enredo. A crítica até
que recebeu bem essa minha tentativa de fazer literatura em torno da
paixão maior do brasileiro (e de boa parte da humanidade). Já o
público… Honestamente, não sei. Não tenho a menor noção de
quanto o livro vendeu (se é que vendeu) e de qual foi a reação dos
leitores (supondo que houve alguma).
A
segunda tentativa de exploração literária do tema foi mais ousada
e mais ampla. Foi o livro “Copas ganhas e perdidas”,
ineditíssimo, que desde 2014 venho tentando encontrar quem se
habilite a publicá-lo. Até aqui todo meu esforço foi e4m vão.
Quando as coisas parecem se encaminhar para um “happy end”, acaba
esbarrando, invariavelmente, em um detalhe ou outro e findo por dar
com o burro n’água. É certo que seria oportuno que o livro já
estivesse nas livrarias, pois falta, apenas, menos de um mês para o
início da Copa da Rússia. Mas quem é que disse que ele não seria
oportuno ou interessante mesmo após esse evento, seja qual for o
desempenho da Seleção Brasileira na competição?
Contra
a lógica e contra todas as evidências, continuo esperançoso
(ainda) de publicar “Copas ganhas e perdidas” ainda neste ano da
graça. Sou otimista por natureza pois, muita coisa que parecia
impossível de acontecer em minha vida, acabou acontecendo, para
surpresa (minha e dos que convivem comigo). Por que não, pois,
esperar por um novo “milagre”? Iludido ou não, o fato é o que
eu espero obter êxito. Enfim… Como um craque fenomenal (mesmo sem
ser um), como se vê, também dei meu “toque de letra”
(literalmente). Aliás, um só não. São dois. Falta, todavia, o
mais importante: marcar meu gol de placa, para delírio da torcida.
Marcarei!!!
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