Celebridade
casual
As
editoras brasileiras estão cada vez mais ágeis em trazer os grandes
best-sellers internacionais em prazo cada vez mais curto ao nosso
leitor. Não faz muito, os livros mais célebres (e principalmente os
mais vendidos) no Exterior levavam até anos para serem traduzidos
para o português e lançados por aqui. De uns tempos para cá, isso
começou a mudar. É mais um dos tantos frutos benéficos da tal da
globalização, que tem muitos aspectos ruins, sem dúvida, mas tem,
também, seu lado inegavelmente positivo.
E
por que faço essa constatação? Faço-a em decorrência de vários
lançamentos de livros ocorridos muito recentemente nos Estados
Unidos e na Europa e que estão chegando, na “velocidade da luz”
(exageros a parte) em nosso idioma, às nossas mãos. Um deles, é
uma obra considerada entre as melhores de 2010 pela crítica
especializada, no mercado editorial norte-americano, que a editora
Companhia das Letras lançou nesse mesmo ano por aqui, aliás sem
muito estardalhaço, mas que bem que mereceria divulgação mais
ampla.
Refiro-me
ao livro de estreia da jornalista científica norte-americana Rebecca
Skloot, intitulado “A vida imortal de Henrietta Lacks”. E que
estreia essa! Trata-se de um presente precioso para quem aprecia
fatos verdadeiros, mas narrados com emoção e verdade, com estilo e
emoção, embora abordando assunto de ciência e que respeitem sua
inteligência. E o livro em questão respeita.
E
quem, afinal, é essa Henrietta Lacks para merecer tamanha
divulgação? É, vou adiantando, celebridade nos meios científicos.
Porém... é célebre à sua revelia. E não se trata de nenhuma
pesquisadora, longe disso. Ademais, com o livro de Rebecca, tende a
ficar mais célebre ainda, agora também, entre os leigos.
Ela
foi a doadora, “involuntária” é mister que se destaque, de
células cancerosas, mantidas em cultura microbiológica pelo
cientista George Otto Gey, para criar a primeira linhagem celular
“imortal”! da história. E esse “imortal” não é nenhum
exagero. Afinal, tais células, passados 67 anos depois de colhidas,
permanecem vivíssimas, em frascos de soro bovino. E onde entra
Henrieta Lacks nessa história? As células “imortais” em questão
receberam o nome de “HeLa”. Ou seja, as duas primeiras letras do
nome da doadora involuntária.
Quando
Rebecca Skloot ouviu, numa aula na universidade, sobre essas células,
ficou curiosíssima em saber a razão dessa denominação. E quando
lhe explicaram, quis saber tudo da vida da mulher que se tornou
celebridade científica à sua revelia, sem que soubesse ou sequer
desconfiasse que isso viria a ocorrer. Saiu a campo para pesquisar a
propósito e intuiu que isso daria não especificamente uma boa
reportagem, sua intenção inicial, mas um excelente livro. E tinha
toda a razão. Sua intuição funcionou à perfeição. Acertou na
mosca. Os dados que colheu lhe renderam um meticuloso (e volumoso)
livro de 450 páginas.
O
sucesso foi imediato. Pudera! Além do fator humano, a obra tem uma
característica ímpar. Embora tratando de um assunto científico
complexo, não se trata de nenhuma sisuda tese, como poderia parecer
à primeira vista ao leitor. E mesmo abordando dados biográficos de
uma personagem real, não entra, especificamente, na classificação
de biografia. Tem um pouco de tudo isso, mas apresenta a cadência e
o ritmo de um romance, e dos bons. Isso, mesmo sem conter nada,
absolutamente nada de ficção e de todos os dados apresentados serem
rigorosamente verídicos.
Esses
ingredientes propiciam uma leitura fluente, agradável e instigante,
que nos prende totalmente a atenção da primeira à última página.
Cabem, aqui, mais algumas informações sobre Henrietta Lacks. Foi
uma ex-lavradora de tabaco do Sul dos Estados Unidos, negra e
descendente de escravos.
Morreu
de câncer no ovário aos 30 anos, em 1951 e deixou cinco filhos.
Nunca soube que os médicos retiraram uma amostra de suas células
cancerosas, enquanto estava internada na enfermaria para negros do
Hospital John Hopkins, em Baltimore, no Estado de Maryland. Seu
câncer tinha características peculiares em relação ao de outras
pacientes: produzia metásteses anormalmente rápidas. Mais do que
qualquer outro tipo de tumor maligno conhecido pelos médicos.
Após
a morte de Henrietta, suas células continuaram sendo cultivadas e
estudadas. O objetivo era o de determinar as causas da sua
impressionante longevidade. As culturas foram distribuídas para uma
grande quantidade de laboratórios, quer de universidades, quer de
empresas particulares e não tardaram em mostrar sua utilidade. O Dr.
Jonas Salk, por exemplo, utilizou-as para produzir a sua primeira
vacina contra a poliomielite.
As
coisas não pararam por aí. As células extraídas de Henrietta (e
suas “descendentes”, no caso, das células) continuam vivas,
vivíssimas, fartamente utilizadas nos melhores laboratórios mundo
afora. Milhares de trabalhos científicos, portanto, foram realizados
com base nelas e certamente produzirão outro tanto. Chegaram, mesmo,
a ser enviadas para o espaço, para experiências sob gravidade zero.
Herietta,
portanto, morreu, mas literalmente permanece viva. Não como ser
humano, óbvio, mas uma parte dela sobreviveu e sobrevive e ajuda a
salvar muitas vidas. Ironicamente, a parte que lhe sobreviveu foi
exatamente a que lhe causou a morte.
O
livro de Rebecca Skloot tem, portanto, todos os ingredientes para
fazer, por aqui, o mesmo sucesso, ou até maior, do que o que fez nos
Estados Unidos e na Europa. Mas... É uma narrativa humana,
inteligente, instigante e emocionante, que foi levada para as telas
de cinema. Apesar de passados oito anos, vale a pena conferir.
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