A
guerra no sertão
Pedro
J. Bondaczuk
Os 131 anos da destruição do
Arraial do Belo Monte, no sertão da Bahia, que se completam em 5 de
outubro de 2018, marcam um dos episódios mais controvertidos, pouco
estudados e mal-entendidos da história brasileira: a Guerra de
Canudos.
A bibliografia a respeito –
nacional e internacional – é vasta. Desde Euclides da Cunha, com
seu clássico "Os Sertões", ao peruano Mário Vargas
Llosa, com "A Guerra do Fim do Mundo", livros de todos os
gêneros – da análise histórica a romance –, foram escritos a
esse propósito.
Mas a maioria das obras segue
o mesmo tom da época dos acontecimentos, enfocados fartamente pela
imprensa, em especial a do Rio de Janeiro, capital da República de
então. Considera os sertanejos envolvidos nesse drama e, em especial
seu líder, Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, como mero
bando de lunáticos; como um grupelho de fanáticos religiosos,
condenados pela própria Igreja.
É uma visão muito simplista,
bem ao gosto da elite. Canudos, na verdade, foi mais uma revolta dos
excluídos, dos despossuídos, dos vilipendiados, dos esquecidos, dos
"sem-terra", dos quais o País estava, e ainda está mais
do que nunca, repleto.
Os moradores do arraial,
fundado em 1893 na invadida Fazenda Velha, no município de Massaté,
eram camponeses pobres (como os invasores de hoje), expulsos de suas
terras pelas sucessivas secas e pelo latifúndio. Um século e uma
década depois, o que mudou foi somente o discurso. E o número de
brasileiros vítimas dessa exclusão social.
O que essa gente humilde,
rústica, na maior parte ignorante e crédula, procurava era apenas
melhores condições de subsistência. Além disso, buscava
assistência espiritual de conformidade com a sua crença, com a
rígida moral transmitida por seus pais, que não mais encontrava na
Igreja formal.
Um livro lançado por ocasião
do centenário do massacre, em 1997, pela Editora Moderna, como parte
da Coleção Polêmica, dos historiadores José Rivair Macedo e Mário
Maestri, intitulado "Belo Monte, uma História da Guerra dos
Canudos", traz novamente à baila, sob novo enfoque, o
instigante tema. Tenta desmistificar a idéia, que passou para a
história como expressão da verdade, sobre a natureza do movimento e
o perfil do seu líder.
Os comandados de Antônio
Conselheiro investiam contra o que entendiam serem os "pecados"
da recém-implantada República. Entre estes, dois eram considerados
os mais graves: o casamento civil e a separação da Igreja do
Estado. Daí serem confundidos com os monarquistas. Aliás, estes
foram tidos como os instigadores da revolta sertaneja e seus
beneficiários.
A batalha não se desenvolveu
apenas no distante sertão baiano. Houve choques de rua no Rio de
Janeiro, envolvendo os "sebastianistas" (que acreditavam
que Dom Sebastião, o Venturoso, não morreu na Batalha de Alcacer
Kibir, mas que voltaria para restaurar o seu trono) e que os
republicanos chamavam pejorativamente de "jagunços", e os
mais exaltados partidários do novo regime, os "jacobinos",
saudosos do governo forte e nacionalista do Marechal Floriano
Peixoto.
Quando o arraial Belo Monte
foi arrasado, o País tinha seu primeiro presidente civil, Prudente
de Morais. A precariedade dos transportes e a inexistência dos meios
de comunicação modernos – não havia rádios, telefones,
televisão etc. – faziam com que vastas áreas do enorme território
nacional fossem autênticas "terras de ninguém". A atenção
do governo era voltada basicamente para os Estados do Sul e Sudeste,
e mesmo assim de maneira precária.
No Nordeste, a "lei"
era a criada e imposta pelos grandes latifundiários, pelos
todo-poderosos senhores de engenho. O poder central, no entanto, não
podia tolerar contestações como a de Antônio Conselheiro. Canudos
passou, em pouco tempo, a ser considerada um perigo sério à própria
ordem constituída nacional. Exagero, é claro.
Para sufocar esse "levante",
foram organizadas quatro expedições militares, num crescendo de
quantidade de soldados e de armamentos. E de patentes dos seus
comandantes. Inicialmente, as autoridades federais achavam que apenas
a polícia conseguiria controlar os "desordeiros" e repor a
ordem. Foi enviado, no começo de 1896, um destacamento policial
comandado pelo Tenente Manuel da Silva Ferreira.
Os conselheiristas,
conhecedores do terreno, mesmo com armas precárias, desbarataram
facilmente esse grupo. Com a vitória, obtiveram armamentos melhores
que lhes possibilitavam defesa mais eficaz do arraial. A seguir, no
mesmo ano, partiu um considerável contingente do exército,
comandado pelo Major Febrônio de Brito. Também foi derrotado. Ou
melhor, foi virtualmente dizimado.
Em março de 1897, os
conselheiristas derrotaram a expedição comandada pelo Coronel
Antônio Moreira César, que morreu combatendo. As autoridades
federais convenceram-se que se tratava de um levante "muito
sério". Comentava-se, na Capital Federal, que havia até
soldados estrangeiros lutando ao lado dos revoltosos ou pelo menos
determinando sua estratégia de combate.
Foram enviadas, pois, a
Canudos seis brigadas, desta vez comandadas por dois generais: João
da Silva Barbosa e Cláudio do Amaral Savaget. A convicção era de
que desta vez não sobraria pedra sobre pedra em Belo Monte.
Achava-se que os rebelados sequer combateriam, diante dessa
demonstração de força. Fugiriam espavoridos. Outro engano. Não
fugiram. As seis brigadas foram dizimadas e os sertanejos fizeram uma
excepcional colheita de armas.
Finalmente, a quarta
expedição, muito mais numerosa e melhor equipada, com o que havia
de melhor em termos de artilharia pesada na época, sob o comando do
General Artur Oscar de Andrade Guimarães, exterminou os revoltosos.
José Rivair Macedo e Mário Maestri ressaltam em seu livro:
"Canudos não se rendeu.
Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento
completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão do termo, caiu no dia
5 (de outubro), quando caíram seus últimos defensores, que todos
morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma
criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil
soldados".
Hoje, de Belo Monte, não
sobrou sequer a própria área. O local que abrigou uma das mais
unidas comunidades populares do País está coberto pelas águas do
Açude Cocorobó, concluído durante a ditadura militar. Resta aos
historiadores a tarefa de um resgate da verdade. De quem eram,
realmente, Antônio Conselheiro e seus seguidores. E, sobretudo, o
que esses brasileiros pretendiam.
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