Thursday, September 20, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Vende-se novo "milagre"


Vende-se novo “milagre”



Pedro J. Bondaczuk


O brasileiro sempre foi condicionado a acreditar em “milagres”, especialmente os que dizem respeito ao desenvolvimento econômico e à justiça social. Tivemos, por exemplo, que conviver, até 1982, com “milagrosas” performances de crescimento do Produto Interno Bruto, superando, na ocasião, as de países tidos e havidos como prósperos, como Japão, Alemanha Ocidental e Itália.

Alguém esqueceu, somente, de dizer à opinião pública que tudo isso estava ocorrendo com capitais alheios, tomados emprestados, e que um dia teriam que ser devolvidos, acompanhados de leoninos juros, fora outras despesas, como taxas de risco e as indefectíveis comissões, disfarçadas em rubricas técnicas, capazes de esconder a verdadeira natureza desses desembolsos.

De 16 de março para cá, alguns meios de comunicação passaram a vender a ideia de um novo milagre para a sofrida população do País: a de que, com um único “tiro na testa”, o tigre da inflação, que então emplacava olímpicos 84% no mês, seria abatido pelo presidente Fernando Collor, então empossado no poder, através do seu plano Brasil Novo.

Passados nove meses, no entanto, o que era sonho está virando pesadelo. A fera, que se julgava abatida, despertou do seu torpor, com a mesma voracidade de antes. Estava apenas anestesiada, e mal. A prometida inflação zero ficou para as calendas.

O programa salvador, anunciado aos quatro ventos pelo rufar dos tambores ufanistas, agora é como um barco instável, fazendo água por todos os lados. Velhas “soluções” foram desarquivadas, como o apregoado “entendimento nacional”, que já teve tantos outros nomes, desde a década de 1930, ou até mesmo antes dela.

Mais uma vez a conta de um Estado paralítico e gigante, por isso ineficiente e perdulário, é mandada para quem sempre sustentou seus delírios megalomaníacos e seus vícios seculares: o trabalhador. Passa-se, à opinião pública, a impressão da proximidade de um acordo, de um pacto nacional, quando sequer houve consenso para a elaboração da pauta.

Contesta-se, inclusive, a legitimidade das partes envolvidas na negociação. O grupo sindical que fala em nome da classe operária exprime a opinião dominante da categoria? Os interlocutores do empresariado representam a maioria dos empresários ou apenas um pequeno grupo?

Enquanto isso, apregoa-se a ideia, errônea, de que o diálogo, para o desejável entendimento, está evoluindo. De que o Plano Collor é impecável e só não está dando certo em virtude da resistência da sociedade a ele. De que o “milagre” será possível fazendo com que, num passe de mágica, vícios, erros, corrupções e a inação de muitas décadas serão corrigidos mediante um conjunto de regras teóricas, saído de cabeças iluminadas e a curtíssimo prazo. Como se vê, tudo “continua como antes no quartel de Abranches”.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de dezembro de 1990).


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