Mistérios e absurdos
Pedro J. Bondaczuk
A fé é confundida, pela imensa maioria das pessoas, com mera
“credulidade”, confusão essa que a banaliza e a diminui. Quem a
faz, mete na cabeça uma série de crendices, algumas absurdas e
irracionais, e se apega fanaticamente a ela, como se fosse o
suprassumo da verdade. Há, até, quem seja capaz de matar para impor
sua crença, que considera absoluta e inquestionável. Esses
absurdos, queiram ou não, são, na verdade, a negação da fé. Não
é e nem pode ser sua essência.
Não é, por exemplo, o comportamento de indivíduos racionais, que
usam o que Deus lhes deu de mais precioso para tentarem chegar à
compreensão do pouquíssimo que pode ser compreendido (o que é
ínfimo por sinal) por nós, humanos: o raciocínio. Blaisé Pascal
afirmou, certa feita: “Com a fé vejo mistérios, sem a fé vejo
absurdos”.
Todas as pessoas que pensam chegam a determinadas reflexões que se
constituem em becos sem saída. Ninguém conseguiu até hoje, por
exemplo, responder de forma convincente e cabal, sem deixar espaço
para a mínima dúvida, às três questões essenciais da nossa
espécie: “O que sou? De onde venho? Para onde vou?”. E olhem que
milhões de pensadores já tentaram, em vão.
Claro que essas perguntas suscitam outras, muitas outras, e não
tarda em nos emaranharmos num amontoado de novas e novas questões,
que fazem com que tudo pareça um infinito e monumental absurdo. O
mesmo Pascal, em magnífico ensaio, intitulado “O homem e a
natureza” (cuja leitura recomendo aos que gostam de pensar por si
sós e se recusam a serem induzidos por charlatães), escreveu: “...
Considerando que no que vejo há mais aparência do que outra coisa,
procuro descobrir se Deus não deixou algum sinal próprio. O
silêncio eterno desses espaços infinitos me apavora. Quantos reinos
nos ignoram! Por que são limitados meus conhecimento, minha
estatura, a duração de minha vida a cem anos e não a mil? Que
motivos levaram a natureza a fazer-me assim, a escolher esse número
em lugar de outro qualquer, desde que na infinidade dos números não
há razões para tal preferência, nem nada que seja preferível a
nada?”.
Sim, amigos, por que? Mistérios, não é verdade? E consideramo-los
assim “apenas” porque acreditamos na existência de um Deus, tão
poderoso e sábio que criou esta infinidade de mundos, que a mente
humana jamais apreenderá quantos, de fato, são, todos adstritos a
leis lógicas, tão perfeitas, que até a mente pequenina deste tão
miserável e ínfimo ser, que é o homem, consegue apreender.
A fé, para merecer esse nome, tem que ter uma base lógica e
racional. Caso contrário, corremos o risco de descambar para a mera
“crendice”, sem pé e nem cabeça, que só nos manterá em
confusão e obscuridade. Daí exigir-se muito cuidado com a crença
irrestrita e inquestionável no que determinados “líderes
religiosos” pregam. De onde eles tiraram os dogmas que tentam impor
(e de fato impõem) aos incautos? “Ah, foi inspiração divina”,
dirão os crédulos.
Por que, pois, Deus, todo-poderoso – tanto que criou esta
infinidade de mundos com tamanha perfeição – escolheria “aquela”
determinada pessoa específica, e não outra qualquer, para lhe
revelar os mistérios da Criação? Sim, por que?
Antes que alguém erga seu dedo acusador e me chame de ateu,
esclareço: “não o sou!”. Muito pelo contrário! E nem poderia
ser! Não posso negar uma evidência tão óbvia! Procuro usar, isto
sim, o que de mais nobre e eficaz meu Criador me outorgou, ou seja, o
raciocínio. Tenho fé, sim, e muita. Mas apenas no Infinito e
Eterno, fonte de toda a sabedoria e vida, onipotente, onipresente e
onisciente. Por isso, considero tudo o que não entendo (e, a rigor,
não entendo nada), um mistério e não o tremendo absurdo que parece
ser.
Minha vida tem que ter algum sentido, mas qual? Mistério!
Considero-o assim, porém, exclusivamente porque tenho fé. Não
tivesse, as evidências (que raramente se constituem, em verdade,
mesmo que aparentem ser) me levariam a considerar minha existência
grande absurdo. Sobre isso, talvez, nunca encontre explicação,
embora deva sempre tentar, tentar e tentar enquanto tiver mais alguns
parquíssimos anos de vida. Afinal, o Criador deu-me a faculdade de
pensar para isso.
“Cogito, ergo sum! (Penso, logo existo!”). Mas de onde se
originou a vida para que eu tivesse, neste preciso tempo e não em
outro qualquer, a oportunidade de usufruí-la? A fé faz com que
considere isso um mistério. Sem ela, essa realidade não passaria de
absurdo. Afinal, para que nascemos se ao cabo de um tempo tão ínfimo
morremos e de nós restem só lembranças (quando restam) e uma ou
outra obra que eventualmente sobreviva ao tempo e ao esquecimento?
Quer absurdo maior do que este? Sem a fé, de fato o é.
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