Num
piscar de olhos
Pedro
J. Bondaczuk
O
haicai (ou haiku ou, ainda, haikai) é, certamente, o tipo de poesia
mais sintético que existe. Pelo menos o é entre todas as outras
formas de compor que conheço. Em apenas 17 sílabas, distribuídas
em três versos de 5, 7 e 5, respectivamente, expressa uma idéia
completa que muitas vezes o poeta que recorresse a outra maneira de
poetar precisaria de extenso poema, com centenas de versos,
utilizando páginas e mais páginas e, até, quem sabe, todo um livro
para expressar. Sou fascinado por esse sintetismo, que exige do autor
imensa autodisciplina. È a poesia feita (e sobretudo lida) “num
piscar de olhos”.
O
haicai originou-se no Japão. Sua característica, como já deu para
adivinhar, é a valorização da concisão e da objetividade. Deriva
do “tanka” ou “waka”, da aristocracia e dos cortesãos
japoneses, que o idealizaram como uma espécie de jogo de
inteligência, argúcia e observação. Nada nele é supérfluo.
Nessa forma de fazer poesia não há espaço para preciosismos
verbais. Cada palavra tem seu peso no efeito final do poema.
Em
japonês, haiku (plural de haicai) são, geralmente, impressos em uma
única linha vertical. Outrossim, não raro, vêm acompanhados de uma
pintura (chamada “haiga”), alusiva ao tema desenvolvido. Já em
português, consagrou-se a fórmula de se utilizar três linhas
paralelas. E nada impede que os poemas sejam, também, ilustrados,
embora a maioria não o seja.
Os
três versos que compõem o haicai têm, para muitos, uma simbologia,
digamos “filosófica”. Sua forma de apresentação refletiria as
três principais fases da nossa vida. É mais ou menos a versão
oriental do enigma com que a Esfinge, que ficava às portas da cidade
egípcia de Tebas, desafiava as pessoas a decifrarem. Assim, os dois
versos ímpares de um haicai têm o mesmo tamanho, para simbolizar a
similaridade entre infância e velhice. Há uma sabedoria natural
nisso. Afinal, estas são fases em que todos nós somos mais frágeis,
e suscetíveis, portanto, de maiores atenções e cuidados. São as
quatro pernas da manhã e as três da noite do enigma da Esfinge.
Já
o verso do meio, maior do que os outros dois, ou seja, de sete
sílabas, simboliza a maturidade. É o período da vida de maior
vigor, de mais força física (embora nem sempre também
intelectual), caracterizado pela ação na consecução da obra a que
nos propusermos legar para a posteridade.
No
Japão, os poetas que se especializam nesse tipo de poesia são
conhecidos como “haijins”. O principal deles, figura até mesmo
lendária por sua inspiração, é Matsuô Bashô (que viveu entre os
anos de 1644 e 1694). Esse notável haicaidista fez do haicai mais do
que produção literária. Tratou-o como prática espiritual.
Há
outra corrente que interpreta a estrutura desse tipo de poema com uma
simbologia diferente da que citei. Veem nela uma representação das
mudanças ocorridas na natureza sob o influxo de alguma força
natural ou de um ato humano. Para estes, as cinco primeiras sílabas
de um haicai destinam-se a “desenhar” um cenário, quase que
visualmente, determinando as circunstâncias em que ele se apresenta:
se é noite ou dia, inverno ou verão etc. O segundo verso, por sua
vez, seria o movimento que animaria a cena, o dinamismo, a vida,
representada por algum de seus agentes. Finalmente o último teria
por objetivo mostrar um resultado, via de regra inesperado, portanto
surpreendente, ditado pelo contato com os elementos anteriores.
Aliás
nossa vida segue, mais ou menos, esse roteiro. Sua origem, óbvio,
depende de circunstâncias alheias à nossa vontade. Não somos nós
que decidimos se iremos ou não nascer. Somos lançados no mundo à
nossa revelia, para o bem ou para o mal. A maturidade, por seu turno,
tem, pelo menos potencialmente, muito de vontade e consciência. Se
agirmos e pensarmos de determinada forma poderemos ser bem sucedidos
ou fracassados nos objetivos a que nos propusermos a atingir.
Finalmente, o “entardecer”, a velhice, é o resultado do que
fizemos ou deixamos de fazer, sem esquecer do detalhe “do que
outros nos fizeram”.
O
haicai, todavia, tem uma regra básica, diria “áurea”: a de
jamais abordar temas que descrevam ou mesmo sugiram destruição da
vida, em qualquer de suas formas. Estão vedados, portanto,
cataclismos naturais, como terremotos, tsunamis, furacões, erupções
vulcânicas etc., bem como tragédias provocadas pelo homem, como as
guerras. Os sentimentos destrutivos por extensão – tais como ódio,
vingança, ciúmes e outras paixões irracionais similares – também
são vedados. O haicai é, sobretudo, a exaltação da vida.
A
temática dos haicaidistas centraliza-se em três assuntos básicos:
numa cena da natureza, numa metáfora positiva ou num estado
emocional de alegria ou êxtase. Reproduzo, abaixo, a título de
ilustração, seis haicais, sendo três do poeta Roberto Evangelista
e três de Luís Bacellar, respectivamente, extraídos do excelente
livro “Crisântemo de cem pétalas”.
Borboleta
amarela
flores
de ameixeira
fada
aventureira.
@@@
Noite.
Vagalumes
dançam
na lanterna de
pedra
do parque
@@@
Entre
a minha e a tua
janela
florescem
tuas
samambaias.
@@@
A
água rola
seixos
e arredonda a terra
seixos
rolantes
@@@
Árvore
sem nome
e
sem frutos, ah,
delícia
de sombra!
@@@
O
voo poente
das
andorinhas enverga
o
horizonte.
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