Dependência do trivial
Pedro J. Bondaczuk
As decisões mais importantes que afetam a nossa vida e determinam,
até, nossa sobrevivência ou extinção, são tomadas por outros, à
nossa revelia, e nunca por nós mesmos. Nossa prosperidade ou ruína;
alegria ou tristeza; saúde ou doença; vida ou morte, estão em mãos
alheias e nada, ou muito pouco, podemos fazer para nos prevenir dos
tão frequentes e contumazes erros de quem decide. Ou, pior, do
aspecto aleatório dos fatos.
Leis iníquas, por exemplo, em cuja elaboração não temos a mínima
participação, modificam, não raro para muito pior, os nossos
destinos. Uma decisão tomada por um ser humano rigorosamente igual a
nós, mas que detém as rédeas do poder, em suntuosos gabinetes, com
ar-condicionado e todos os luxos que sua posição lhe confere, pode
determinar a ascensão ou extinção do país em que vivemos, a vida
ou a morte dos nossos parentes (pais, filhos, esposa, netos), amigos
e conhecidos, em guerras com as quais não temos nada a ver, que não
concordamos que sejam travadas, mas que não temos a menor condição
de evitar e que teremos de lutar ou arcar com as consequências.
Dependemos, pois, da sanidade ou insanidade, do bom-senso ou da
loucura, da competência ou incompetência dos que nos governam. E,
pior, dos caprichos da natureza. Morris West ilustra muito bem essa
situação, no romance “O Embaixador”, com estas palavras postas
na boca de um dos seus personagens: ““Coquetéis, conferências,
entrevistas e resmas e mais resmas de papel! Uma das ironias da
diplomacia está em que a ascensão e queda das nações, a vida e a
morte de milhares de pessoas, dependam de coisas tão sem
importância”.
E isso ocorre tanto nas chamadas “democracias”, quanto, e
principalmente, nas mais ferozes, brutais e sanguinárias ditaduras.
Se não podemos nos defender dos erros e bobagens dos que nos
governam, que em geral encaram a função com empáfia e estúpida
vaidade e não se dão conta da responsabilidade que têm, menos
possibilidade de reação ainda temos em relação às catástrofes
ditadas pela natureza, que são aleatórias e até triviais. A rigor,
não temos nenhuma.
Acabei de reler a matéria “O deserto vai virar mar”, de Luciana
Sgarbi, publicada na seção Meio Ambiente da edição nº 2014 (de
11 de junho de 2008) da revista “IstoÉ”, e um trecho chamou-me,
em especial, a atenção. É o que se refere ao tsunami ocorrido na
Ásia, em 26 de dezembro de 2004, que causou a morte de mais de meio
milhão de pessoas.
O cataclismo foi tão severo, que tirou a Terra seis centímetros do
seu eixo. “É muito pouco”, dirão alguns, “para gerar qualquer
efeito sensível no Planeta”. Será?! Minha intuição diz que não.
Claro, as mudanças – ainda não dá para arriscar afirmação se
para melhor ou pior – serão sentidas em anos, quiçá décadas.
Mas que ocorrerão, disso não tenho a menor dúvida.
“Uma catástrofe, como esta, é trivial?”, perguntarão alguns,
já sugerindo a resposta negativa, pelo tom da indagação. Respondo:
é! Afinal, este foi o primeiro tsunami da história do Planeta?
Claro que não! Foi o último? Duvido! A Terra comporta-se como um
organismo vivo (e desconfio que o seja). A qualquer momento, uma
erupção vulcânica catastrófica, como a que arrasou a Ilha de
Krakatoa, em 24 de agosto de 1883, ou até pior, pode ocorrer. Ou uma
sucessão de vulcões pode entrar, simultaneamente, em atividade,
notadamente no chamado “cinturão do fogo”, e determinar, até
mesmo, a extinção da vida por aqui. Isso é trivial? Claro que é!
Acontece há milhões, quiçá há bilhões de anos.
É verdade que uma catástrofe, como o tsunami da Ásia, pode
provocar alterações benéficas na Terra. Por que não? Para a
surpresa de todos os cientistas, por exemplo, os geólogos
constataram que o Saara não só deteve o seu avanço por terras
férteis que o cercam, como experimenta um fenômeno incrível, que é
o da crescente fertilização. A continuar nesse ritmo, até o final
deste século, deixará de ser um dos mais inóspitos e maiores
desertos do Planeta, para se transformar em uma região rica em água
e, por consequência, com exuberante flora e variada fauna, como já
foi um dia.
Luciana cita, em sua matéria na revista “IstoÉ” a seguinte
declaração do cientista Stefan Kropelin, do Instituto de
Arqueologia Pré-Histórica da Universidade de Colônia, na Alemanha,
autor da pesquisa que mostra o “renascimento” do Saara: “Já é
possível perceber mudanças na vegetação”. Satélites,
inclusive, registraram o fenômeno no nascedouro e sua evolução.
Somos, portanto, muito menos livres do que geralmente supomos.
Estamos, constantemente, na dependência de decisões alheias e,
notadamente, dos caprichos da natureza que tendem a nos deixar a
mercê de acasos e circunstâncias. Concluo, da minha parte, que o
tão apregoado “livre-arbítrio”, de que seríamos dotados, não
passa de mero desejo, de simples ideal, quando não de peça de
ficção.
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