Na
pátria de Camões
Pedro
J. Bondaczuk
A
falta de intercâmbio entre escritores de língua portuguesa é
“quase” absoluta e julgo isso incompreensível. Todos perdem com
essa espécie de omissão. Há literatura, e da boa, em ambos os
lados do Atlântico, não tenham dúvidas. Portugal segue produzindo
grandes escritores, em todos os gêneros literários, assim como os
países africanos de língua portuguesa. Quanto ao Brasil (nem seria
preciso enfatizar), temos uma infinidade deles, muitos dos quais
merecedores, até, de um Nobel de Literatura, que até hoje não
veio. Quem sabe se algum dia a Academia Sueca venha a olhar com mais
carinho, ou com um mínimo de atenção, para os nossos homens de
letras!
Mas,
voltando à questão do intercâmbio, é uma dificuldade enorme para
adquirirmos livros de escritores da pátria de Camões. E vice-versa,
óbvio. Por que isso acontece? Seria por falta de iniciativa? O
problema estaria na falta de interesse? Não sei. O fato é que os
portugueses desconhecem nossos bons escritores e, em contrapartida,
não conhecemos praticamente nada dos que vivem em Portugal. Há
exceções, claro, mas poucas.
Querem
ver como não estou exagerando? Quantos de vocês, caríssimos
leitores, conhecem Manuel Antonio Pina? Vou facilitar-lhes as coisas,
para dar corda à memória. Trata-se de um poeta, que também é
jornalista, e dos mais populares em terras lusitanas. Qual livro
desse autor vocês leram? Bem, vou facilitar ainda mais este
interrogatório informal. Digam qual o poema dele que vocês
conhecem? Afinal, hoje há o recurso da internet para facilitar as
coisas. A resposta a essas questões (salvo alguma honrosa exceção,
reitero) será: “nenhum”. Nem poema e muito menos livros dele
chegaram às mãos do instruído leitor brasileiro. Quanto ao não
instruído sequer é preciso citar. Manuel Antonio Pina, que nunca
foi editado no Brasil, é, pois, “ilustre” desconhecido em nosso
país. Mas não deveria ser.
Pois
bem, esse escritor conquistou a maior premiação literária de
língua portuguesa, o Prêmio Camões de 2011, que desde 1989 premia
autores que mais contribuem para a difusão da literatura na língua
de Camões. Pode-se dizer que a pátria do autor de “Os Lusíadas”
não é propriamente Portugal, ou não é só. É, também, o Brasil,
é Angola, é Moçambique e são todos os lugares em que esta “última
flor do Lácio, inculta e bela” é falada. E por que faço essa
polêmica e ousada afirmação? Faço-a com base no célebre verso de
Fernando Pessoa; “Minha pátria é a língua portuguesa”. Isso
deve valer, também, para Eça de Queiroz, Florbela Espanca, Miguel
Torga e... Camões. E a mim também.
Para
que vocês entendam a relevância do prêmio conquistado por Manoel
Antonio Pina (que é 11 meses mais novo que eu, nascido em Sabugal,
em 18 de novembro de 1943), transcrevo a relação de todos os que
foram premiados antes dele: Miguel Torga (1989), João Cabral de Melo
Neto (1990), José Craveirinha (1991), Vergílio Ferreira (1992),
Rachel de Queiroz (1993), Jorge Amado (1994), José Saramago (1995),
Eduardo Lourenço (1996), Pepetela (1997), Antonio Cândido (1998),
Sophia de Mello Breyner Andresen (1999), Autran Dourado (2000),
Eugênio de Andrade (2001), Maria Velho da Costa (2002), Rubem
Fonseca (2003), Agustina Bessa Luís (2004), Lygia Fagundes Telles
(2005), Luandino Vieira (2006), Antonio Lobo Antunes (2007), João
Ubaldo Ribeiro (2008), Américo Vieira (2009) e Ferreira Gullar
(2010). Isso até 2011. E paro por aí.
Não
vou pôr pose de sabe-tudo, o que não sou. Antes da divulgação da
notícia de que o Prêmio Camões de 2011 havia sido atribuído ao
escritor e jornalista Manuel Antonio Pina, eu não sabia
rigorosamente nada a seu respeito. Foi uma correria para pesquisar
seus textos e sua vida. Não digo que já seja um “expert” acerca
desse autor, mas o que passei a saber a seu respeito já me habilita,
posto que minimamente, a escrever sobre ele.
Fiquei
sabendo, por exemplo, que ele é popularíssimo em Portugal,
notadamente em Lisboa, por suas crônicas diárias, publicadas nos
mais importantes jornais, muitas das quais ensejaram programas de
televisão. Pina, posto que se considere, sobretudo, poeta, se
destacou na literatura infanto juvenil e escreveu, até, algumas
peças de teatro. E recentemente lançou seu primeiro romance.
O
Prêmio Camões, embora não divulgado na proporção da importância
que tem, é, sobretudo, criterioso. Basta ver a relação dos
premiados, todos escritores de amplos méritos, alguns considerados,
até, clássicos da literatura de língua portuguesa. É
cobiçadíssimo até no aspecto financeiro, afinal vale 100 mil euros
ao ganhador (o Pulitzer, que é muito mais badalado, premia os
ganhadores com somente US$ 10 mil).
Como
sempre faço ao tratar de poetas, não os deixarei na mão.
Trago-lhes uma amostra, selecionada a esmo, da arte poética de
Manuel Antonio Pina. Leiam, pois, este poema intitulado “A poesia
vai acabar”, extraído
do livro “Todas as palavras” :
“A
poesia vai acabar, os poetas
vão
ser colocados em lugares mais úteis,
por
exemplo, observadores de pássaros
(enquanto
os pássaros não acabarem).
Esta
certeza tive-a hoje ao
entrar
numa repartição pública.
Um
senhor míope atendia devagar
ao
balcão, eu perguntei:
‘Que
fez algum poeta por este senhor?’
E
a pergunta afligiu-me tanto
por
dentro e por fora da cabeça que
tive
que voltar a ler
toda
a poesia desde o princípio do mundo.
Uma
pergunta na cabeça/--- como uma coroa de espinhos –:
estão
todos a ver onde o autor quer chegar?”.
Gostaram?
Eu gostei. Pelo menos o autor foge do bla-bla-blá enjoado de muitos
poetas, evita lugares-comuns e questiona o próprio objeto da sua
arte, prevendo até mesmo que vá acabar. E não está, porventura,
acabando, por muita gente a considerar inútil e sem serventia? Claro
que sim! A menos que nós, amantes do gênero, a salvemos.
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