Consciência coletiva
Pedro J. Bondaczuk
O papel do escritor na sociedade é pouco compreendido, inclusive
pela imensa maioria (se não a totalidade) dos que se dedicam a essa
nobre tarefa. Dado seu incomparável talento para descrever ideias,
fatos, sensações e emoções, quando não gerá-los, ele é uma
espécie de consciência coletiva do bicho homem.
É, pois, como aquele personagem do italiano Carlo Colodi, o Grilo
Falante. É isso mesmo. A comparação procede. O tal bichinho, na
famosa história infantil, fazia as vezes de consciência do boneco
de madeira Pinocchio, que tinha como grande aspiração se tornar
humano (coitado, se soubesse!).
Por isso que o escritor, ao mesmo tempo em que fascina, incomoda os
poderosos de plantão. Através dos seus livros, detecta e revela as
esperanças, sonhos e ilusões da humanidade. Mas também traz a lume
seus medos, perigos, dores (físicas e emocionais) etc.
Ninguém, pois, é mais habilitado a ser o arauto das reivindicações
sociais dos povos. Todavia, num aspecto, nós, escritores estamos
falhando, e feio: no papel de conclamar as populações a
pressionarem os líderes políticos, as pessoas que detêm poder de
mando, para salvarem o Planeta. Mesmo que os “idiotas da
objetividade” e os profundamente alienados não percebam, ele está
agonizando.
Em um espaço de apenas 46 dias, o mundo presenciou, horrorizado,
dois terremotos de grandes proporções e muita intensidade, e em
áreas diferentes, banhadas pelos dois principais oceanos da Terra.
Em 12 de janeiro de 2010, o Haiti, país mais pobre das Américas,
viu sua miséria se multiplicar exponencialmente, além de lamentar a
perda de 300 mil vidas. Em 27 de fevereiro do mesmo ano, foi a vez do
Chile conhecer o horror da rebelião da natureza.
Os especialistas na matéria asseguram que os dois eventos não têm
relação entre si. Que são catástrofes isoladas, bla-bla-blá,
bla-bla-blá. Mas será que não têm? Eles têm a mínima condição
de provar isso? A probabilidade é de quase 100% deles estarem
errados.
Raciocinemos. É nítido, notório e, sobretudo sensível, que o
Planeta está esquentando. A cada dia que passa Os que acham que não
(sempre há algum idiota que aposta contra as evidências),
argumentam com o rigoroso inverno do Hemisfério Setentrional.
Todavia, o Polo Norte vem, literalmente, derretendo. Já está
reduzido a uns 40% da quantidade de gelo original.
A situação do Polo Sul, não é nada melhor. Não faz muito, uma
enorme geleira, com as dimensões do nosso Distrito Federal (Brasília
e suas cidades-satélites), rompeu-se e se transformou num
monstruosamente grande iceberg, que chegou a ameaçar, inclusive, a
navegação.
Com o passar dos dias, essa geleira monumental se derreteu. E para
onde foi todo esse volume de água? Para o mesmo lugar que está indo
o resultante do derretimento do Polo Norte. Ou seja, para os oceanos.
Todos sabem que a água tem peso. Esse volume sobressalente, quer no
Atlântico, quer no Pacífico, certamente está pressionando as
respectivas placas tectônicas sobre as quais ambos estão
assentados. E estas, com certeza, fazem, por sua vez, pressão sobre
as placas dos continentes. Uma hora, essa tensão acaba por ser
liberada. Como? Através de terremotos, cuja intensidade, momento e
lugar são absolutamente impossíveis de se prever.
Esse peso sobressalente de água tende, também, a despertar uma
quantidade imprevisível de vulcões adormecidos, principalmente no
chamado Cinturão de Fogo do Pacífico, que conta com 456 dessas
“chaminés” das fornalhas infernais do centro da Terra, 10% dos
quais em plena atividade. Tudo é questão de causa e consequência.
É isso mesmo o que está acontecendo? Não sei! Sou jornalista e
escritor, e não geólogo, sismólogo ou vulcanólogo. Porém, como
dizem os italianos, “se non é vero, é bene trovato”. As
evidências da proximidade de uma catástrofe sem precedentes (pelo
menos no período de existência do homem), são visíveis,
palpáveis, sensíveis, diria até que “cheiráveis”. E o que
fazem os detentores do poder, os que detêm o comando dos povos, para
evitar a hecatombe e começar a cuidar convenientemente do Planeta?
Nada! Absolutamente nada!
Na conferência mundial sobre o clima, em Copenhague, não foi
adotada uma única, reles e mísera providência prática para deter
a perniciosa poluição que vem aquecendo a Terra. Esses políticos,
que teoricamente contam com procurações tácitas de cada um de nós
para agirem em nosso nome (no caso, os votos que obtiveram nas
urnas), agem como se tudo estivesse às mil maravilhas. E, reitero,
em nosso nome. Diz um axioma político, alçado à condição de
dogma, que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
Na prática, isso funciona?
Esse princípio precisa ser devidamente testado. Nunca foi de fato. É
indispensável que os povos do mundo todo se mobilizem, e já, com a
máxima urgência, no sentido de cobrarem providências urgentíssimas
das autoridades. Vocês veem alguém fazendo isso? Eu não vejo.
Os 7,6 bilhões de habitantes do Planeta, em sua imensa maioria (as
exceções são pouquíssimas), não têm a menor noção dos riscos
que correm. Quem poderia (e deveria) alertá-los? Os tais dos “Grilos
Falantes”. Ou seja, nós, os comunicadores (jornalistas e
escritores) que contamos com o talento de comunicar qualquer coisa,
boa ou horrenda. E estamos fazendo isso? Não, não e não!
Está mais do que provado (e isso até os mais medíocres
antropólogos amadores sabem), que catástrofes naturais (ou
provocadas pelo homem), como as que se abateram sobre o Haiti e sobre
o Chile, significam retrocessos em termos de civilização.
Dependendo do povo atingido e da intensidade do desastre, este pode
retroagir, inclusive, à barbárie. Foi, inclusive, o que começou a
ocorrer com os haitianos, processo contido pelos militares que lá
estiveram com a tarefa de manter um mínimo de ordem. Houve uma
sucessão de saques e brigas ferozes por comida e água, com os mais
fortes subjugando os mais fracos, sem nenhum pudor.
Mesmo no Chile, país melhor preparado para enfrentar esse tipo de
tragédia, houve relativo retrocesso civilizatório, principalmente
social. Afinal, cerca de um terço das pessoas (mais de dois milhões)
perderam suas casas e outros tantos bens que tinham. Muitos tiveram
que recomeçar as vidas do zero. E por maior que seja a ajuda interna
e, principalmente, externa, vários, e vários, e vários, que
ostentavam condição social estável (ou até invejável), de classe
média ou até abastada, retroagiram à pobreza. Foi inevitável.
Nós, escritores, temos a obrigação de “sacudir” as populações
adormecidas, ou entorpecidas, ou anestesiadas, para que acordem, e se
não quisermos fazer isso por nobreza, o façamos por egoísmo.
Afinal, de que valerão nosso talento, nossa cultura, nossa
facilidade de comunicação, enfim, nossa escrita, se a humanidade
retroagir à barbárie? Se isso acontecer, não haverá indústria de
tipo algum, muito menos a gráfica.
Não haverá editoras para publicar nossos livros. E pior, não
haverá leitores, pois cada qual estará empenhado em conquistar sua
porção diária de comida (que será escassíssima, quase nenhuma) e
de água potável (muito mais escassa ainda) para sobreviver.
Ler, nessas circunstâncias, será, certamente, a última coisa que
as pessoas irão pensar em fazer. E escrever, convenhamos, não será
nenhuma prioridade para nós. Sem leitores... a existência da nossa
função será rigorosamente supérflua.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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