Questão
de crença
Pedro
J. Bondaczuk
A sabedoria é, também,
questão de crença. Claro que não só dela. Mas sem ela... Como
você poderá saber em profundidade algo em que não acredita
liminarmente? Pois se não crê, automaticamente não se esforçará
para aprender a respeito. E sem o aprendizado (e não me refiro ao
formal, o das escolas e universidades, mas ao ditado pela vida), você
passará a anos-luz de distância da almejada (e desejada) sabedoria.
Sobre o papel que a
consciência desempenha em nossos atos e posturas, Machado de Assis
tem uma citação no mínimo curiosa. Creio que seja verdadeira. Pelo
menos o tantinho de experiência que tenho me diz que é. O lúcido
e preclaro fundador da Academia Brasileira de Letras escreveu, em uma
de suas crônicas: “Assim é que um pobretão, crendo ser rico, não
padece miséria alguma, e um opulento crendo ser pobre, dá cabo da
vida para fugir à mendicidade. Tudo é reflexo da consciência”.
Exagero à parte, esse mesmo
tipo de crença pode, em determinadas circunstâncias, ser transposto
para o caso da sabedoria. Se você, em seu íntimo, não se sentir
sábio, ou a caminho de se tornar um, estará predisposto a de fato
nunca ser. Não a buscará e, não a buscando, lógico, jamais a
encontrará. Johann Wolfgang Von Goethe escreveu algo mais ou menos
com esse mesmo sentido: “Assim que você confiar em si próprio,
saberá como se deve viver”. Nunca saberemos se isso é verdadeiro
se jamais tentarmos.
E qual é o superlativo de
sábio? No meu entender, é gênio. Claro que é uma condição
incomum, anormal e, para Fernando Pessoa é, até mesmo, uma
“insanidade”. O poeta português entende que se trata de um
desarranjo mental similar, guardadas as proporções, ao da loucura,
posto que com pequena diferença, que ao fim e ao cabo se torna
essencial. Afirma que a genialidade “ é a insanidade tornada sã
pela diluição no abstrato, como um veneno convertido em remédio
mediante mistura”.
Curiosa essa comparação que,
no meu entender, esclarece a questão. Fernando Pessoa diz mais a
propósito: “Seu produto próprio (o da genialidade) é a novidade
abstrata – isto é, uma novidade que, no fundo, se conforma com as
leis gerais da inteligência humana e não com as leis particulares
da doença mental. A essência do gênio é a inadaptação ao
ambiente; é por isso que o gênio (a menos que seja acompanhado de
talento do espírito) é em geral incompreendido pelo seu ambiente, e
eu digo 'em geral' e não 'universalmente' porque muito depende do
ambiente. Não é a mesma coisa ser um gênio na antiga Grécia e na
moderna Europa ou no mundo moderno”.
Aliás, não é a mesma coisa
não só ser gênio em ambientes e eras tão díspares, como ser
apenas sábio. E esse “apenas” meu é mera força de expressão
para enfatizar o valor do gênio. Não diminui, pois, a importância
da sabedoria, mas exalta a da genialidade. Tanto uma, quanto a outra,
parecem escassear face certa lassidão mental que caracteriza nossa
era.
“Mas como?!”, dirá o
leitor, achando que o cronista está dizendo o maior dos disparates.
“Vivemos em plena era da comunicação total e de um máximo de
conhecimento!”, certamente lembrará. É verdade! Mas apenas em
parte. Tanto um, quanto outro, não estão universalizados. Aliás,
como sempre ocorreu ao longo da História. Ademais, as pessoas fazem
enorme confusão semântica em relação aos conceitos.
Concordo plenamente com o
escritor francês André Malraux quando acentua: "Estamos
vivendo a civilização do conhecimento, mas não da sabedoria. A
sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo". E está
havendo (excluam as exceções) esse tempero? É isso o que vemos no
dia a dia? Não, não e não! Pode até sobrar conhecimento. Mas o
juízo... é tão difícil de achar como localizar uma agulha em um
palheiro.
Agora sou eu que questiono: de
que me vale, por exemplo, conhecer nomes de borboletas, de flores ou
de pássaros, a classificação de seus grupos e famílias, saber de
seus hábitos e distinguir sua morfologia, se eu for incapaz de os
identificar quando vir um desses espécimes? E mais, que valia me
trará esse conhecimento se, em contrapartida, eu não souber sequer
como chegar ao coração do meu próprio filho, for incapaz de lhe
dar os conselhos de que ele precisar e desconhecer a forma de
conquistar sua amizade? Com as informações, serei considerado
culto, sem dúvida. Mas estarei longe, muito longe de ser sequer
esclarecido, quanto mais sábio. Com a aptidão humana da empatia,
porém, poderei não estar revelando cultura alguma, é verdade. Mas
exercitarei um pouco de sabedoria.
Não raro procuramos nos
outros o que nós mesmos deveríamos conhecer de sobejo, mas não
conhecemos: a “arte” de viver. Consultamos grandes mestres,
buscamos inspiração na vida dos notórios vencedores, recorremos,
até, a manuais de auto-ajuda, no afã de encontrar essa lição
essencial. Tudo isso pode ser útil, sem dúvida, mas desde que
contemos com um fator imprescindível: a autoconfiança.
Se não confiarmos em nós
mesmos, se temermos nos expor para não errar, toda tentativa de
aprendizado será vã. Seremos eternos fracassados, lamurientos e
covardes, desperdiçando o maior bem que temos: a vida. A principal
chave do sucesso, qualquer que seja nosso objetivo, é uma só:
confiarmos, sem dúvidas ou vacilações, em nossas forças e em
nossa capacidade.
Reitero a observação de
Johann Wolfgang von Göethe que transcrevi acima: “Assim que você
confiar em si próprio, saberá como se deve viver”. E saberá
mesmo! Simples assim! E “talvez”, então, você (e eu, claro, que
sou um tremendo trapalhão) comece a dar os primeiros passos que o
conduzam à sabedoria.
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