O poder das palavras
Pedro J. Bondaczuk
As palavras têm, na vida do único animal da natureza com capacidade
de utilizá-las para expressar vontades, pensamentos e sentimentos
(obviamente, o homem) função que vai muito além do seu uso
cotidiano. Foi através delas, por exemplo, que a história das
primitivas civilizações permaneceu viva na memória dos povos, por
inúmeras gerações, até a invenção da escrita, quando, então,
se passou a fazer seu registro de forma mais cômoda e racional. Elas
sempre foram, são e certamente serão os únicos instrumentos de
transmissão e preservação das grandes verdades (mas, infelizmente,
também, das grandes mentiras).
Ao longo do tempo, as palavras tanto foram utilizadas para educar,
construir, ensinar e orientar, quanto para enganar, difamar, mentir e
coagir pessoas e até povos inteiros. O problema, portanto, não está
propriamente nelas, mas em quais, como e por quem são utilizadas.
O homem raramente se dá conta da sua fragilidade. Julga-se poderoso,
invulnerável e indestrutível. Raramente atenta para o fato de que,
na realidade, é um dos animais mais fracos da natureza. É efêmero,
transitório e perecível.
O padre Pedro Gomes de Camargo disse, na missa de corpo presente,
diante do caixão do regente Diogo Antonio Feijó, rezada em 15 de
novembro de 1834, na Igreja do Convento de Nossa Senhora do Monte do
Carmo, em São Paulo, em memorável homilia, o seguinte a esse
propósito: “O que é o homem?! Um meio ente, um ser estropiado
posto entre o nada e o túmulo. Desabrocha como a débil flor ao
orvalho matutino, mas apenas o astro do dia dardeja seus raios,
murcha, definha e seca. É a sombra fugitiva que não permanece no
mesmo estado. É a água que corre sobre a terra para não mais
voltar”. Sábias, posto que duras, palavras!
Mais adiante, o brilhante orador sacro (infelizmente esquecido pela
posteridade), arremata assim sua magnífica prédica fúnebre:
“Sentença fatal! Triste destino da humanidade! A implacável morte
pisa com igual pé o majestoso palácio dos reis e a humilde cabana
do pobre. Nem as honras, as riquezas, ou os prazeres, nem o viço
valente da mocidade, nem a beleza e a delicadeza do sexo, ou a força
atlética do homem robusto, podem alongar a sua existência sobre a
terra, embotando o fio da foice, que corta seus dias. Ó orgulho
humano, como és baixo e mesquinho ao pé do sepulcro! Ó homem! Ó
cinza soberba, quais são os títulos da tua grandeza, da tua
glória?”.
Esta é uma das tantas situações em que as palavras sobrevivem a
quem as profere. Não houvesse sido escrita, esta brilhante homilia,
peça oratória das mais refinadas e inteligentes, certamente jamais
chegaria até nós. Por consequência, este obscuro escrevinhador não
teria como trazê-la à sua apreciação e reflexão, paciente
leitor.
Quem se lembra do padre Pedro Gomes de Camargo? Como foi sua vida? O
que fez, além do sacerdócio? Onde nasceu? Qual foi sua trajetória?
Onde estudou? Nada restou a seu respeito! Mas suas inspiradas e
sábias palavras, sobre a efemeridade humana, estão aí, a desafiar
o tempo e o esquecimento.
Contudo, pouco do que se diz merece (e tem) esse caráter de
permanência. Hoje, com os recursos eletrônicos, discursos sequer
precisam ser escritos para terem o respectivo registro. Podem ser
gravados, com imagem e som, e vistos e ouvidos, anos depois, quiçá
séculos, no porvir, do jeito exato como foram proferidos. Resta
saber se merecem preservação…
Afinal, palavras inflamadas têm conduzido multidões à catástrofe,
quando não, ao suicídio coletivo. Discursos bombásticos, mas de
conteúdo destrutivo, principalmente quando proferidos por líderes
carismáticos, obcecaram no passado, e ainda mobilizam no presente,
povos inteiros, levando-os, não raro, a sangrentas guerras e à
direção do abismo.
O ditador nazista, Adolf Hitler, de trágica memória para a
humanidade, tinha plena consciência do fascínio das massas por
hábeis oradores. E ele o era. Manobrava multidões ao seu
bel-prazer, apelando, invariavelmente, para o sentimento de
patriotismo das pessoas, engodo que já causou tantas desgraças no
curso da História. Era, sobretudo, hábil em manipular as ambições
secretas do povo por esta coisa vaga e ilusória que se convencionou
chamar de “poder”. No entanto, particularmente, tinha opinião
nada lisonjeira a propósito dos que se deixavam manobrar pelos seus
clichês e slogans.
Hitler costumava afirmar, aos seus colaboradores mais íntimos: “As
massas são como virgens histéricas, loucas por serem violadas”.
E, infelizmente, de fato, são mesmo. Palavras irracionais, cuja
falsidade, isoladamente, sabemos analisar e detectar, quando ouvidas
no meio de uma multidão, soam diferentes. Parecem-nos lógicas,
racionais e verdadeiras, mas não são. Destarte, conduzem-nos, à
nossa revelia, à irracionalidade.
Os grandes tiranos sempre souberam disso. Tanto que qualquer ditador,
seja de onde for, ao assumir o poder mediante golpes de Estado,
suprimem, em primeiro lugar, a elite pensante, ou seja, aqueles que,
com o que falam e escrevem, têm condições de mostrar à submissa
população que “o rei está nu”. Ocupam emissoras de rádio e
televisão, fecham jornais, encarceram jornalistas e impõem rigorosa
e implacável censura ao que se diz e se escreve.
Palavras, portanto, encerram enorme poder, muito maior do que o leigo
possa supor. Por isso, os que as utilizam para comunicar fatos,
idéias, conceitos e sentimentos têm que se conscientizar da imensa
responsabilidade que têm em relação aos seus leitores, ouvintes e
telespectadores. Pense nisso, prezado colega comunicador, antes de
dizer e/ou escrever qualquer coisa! Afinal, não é somente o peixe
que morre pela boca.
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