Monday, September 10, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Real em crise


Real em crise


Pedro J. Bondaczuk


O sétimo aniversário do lançamento do Plano Real, que tirou o País da rota da hiperinflação e contribuiu, nos dois anos iniciais, até para que se fizesse uma incipiente, porém inédita, distribuição da renda nacional, transcorreu, no domingo passado (1º de julho), sem muita coisa a comemorar.

A maioria das conquistas obtidas naqueles memoráveis primeiros tempos, que despertaram enorme euforia na população, se diluiu. E o contingente de brasileiros abaixo da linha da miséria, que havia tido ligeira redução, voltou a crescer, na onda do desemprego dos últimos três ou quatro anos, atingindo, hoje, 53 milhões de pessoas. Ou seja, o equivalente à população total da Grã-Bretanha.

Para complicar, a economia brasileira está cada vez mais dependente de capitais externos e o governo, por causa disso, se desdobra para atrair investidores (o que é louvável e digno de elogio), embora o fluxo de investimentos do Exterior em 2001 tenha sofrido considerável retração.

Ocorre que, junto com estes capitais produtivos, úteis e indispensáveis, acorrem, ao nosso mercado financeiro, especuladores profissionais. Tratam-se de raposas velhas, bastante escoladas na arte de ganhar dinheiro sem dar coisa alguma em troca, que vivem apenas disso: da agiotagem internacional, posto que disfarçada. Não têm preocupações sociais ou humanitárias ou quaisquer sentimentos. Só conseguem enxergar cifrões e mais cifrões à sua frente.

Está aí uma das principais, senão a principal das vulnerabilidades do País! Basta o mínimo sinal de crise na Ásia, na Rússia, na Indonésia ou seja lá onde for, para estes verdadeiros prestidigitadores, que sabem como ninguém jogar o jogo do capitalismo, desestabilizarem a nossa economia e lucrarem muito com isso.

Retiram daqui, em um piscar de olhos, milhares, milhões ou até bilhões de dólares, incluídos lucros astronômicos, que não conseguiriam em nenhum outro lugar do mundo, forçando o Brasil a recorrer a novos e crescentes empréstimos, internos ou externos, para conservar suas reservas, complicando suas contas e ficando, por consequência, mais vulnerável ainda.

Em meados dos anos 80, a dívida externa brasileira andava pelos US$ 90 bilhões e era considerada um escândalo. Hoje, orça a pelo menos US$ 200 bilhões e ninguém fala disso! Endividar-se tornou-se "coisa normal". Nosso governo, na tentativa de evitar essas sangrias desatadas, que acontecem invariavelmente a cada crise financeira internacional, incontinenti, eleva juros a taxas absurdas (em 1998, passaram de 48%), para atrair capitais. E atrai, sem dúvida! Quem é bobo?! Os citados especuladores trazem, pois, de volta o seu "dinheiro viajante", até farejarem um mercado mais lucrativo, um negócio melhor ou detectarem qualquer risco de prejuízo, o que para eles é o maior dos palavrões.

É preciso que o País se livre desse tipo de dependência, que aliás não tinha em passado recente. Suas reservas em moeda forte eram garantidas por superávits anuais constantes, quando não crescentes, o que se repetiu por vários anos seguidos, até 1994. O "lucro" no comércio exterior girava então por volta de US$ 12 bilhões anuais.

Desde o advento do Plano Real, no entanto, o saldo passou a ser deficitário. O País escancarou o seu ultracobiçado mercado a quem quisesse operar aqui, utilizando os preços internacionais (tentadores, diante de um real supervalorizado, já que um dólar comprava apenas R$ 0,80), como forma segura para controlar a inflação. Houve, inclusive, registros seguidos de deflação.

A desvalorização acumulada do real em sete anos, que gira em torno dos 168%, é evidente, traz sérias dificuldades para todos nós. Boa parte dos produtos essenciais que consumimos ou é importada, ou tem componentes que o são. A cada subida do dólar (por causa do "nervosismo do mercado em decorrência da crise argentina", como se propala, o que é o cúmulo!), a vida da população se complica mais e mais.

Medicamentos, eletrodomésticos, automóveis e até mesmo o "pãozinho francês nosso de cada dia" encarecem a cada elevação da moeda norte-americana (ou desvalorização da nossa, como queiram), já que 70% do trigo utilizado é proveniente de importação. Fica a dúvida na população sobre se os índices que medem a inflação (e para complicar há uma grande quantidade deles, o que confunde ainda mais a dona de casa e o cidadão leigo em economia) estão corretos ou se a vírgula dos percentuais divulgados pelos mais diversos institutos de pesquisa não deveria ser deslocada uma ou duas casas para a direita.

De qualquer forma, os preços (e não somente os atrelados ao dólar, mas especialmente as tarifas públicas) não andam, ultimamente, tão comportados. Até porque, esses aumentos não são tão parcimoniosos quanto os de salários (quando concedidos). Tomara que as autoridades encontrem a fórmula ideal para repor o País na trilha do desenvolvimento. E que o real se estabilize de vez, como moeda forte e atraente e nos dê motivos para euforia, como há cinco anos, por exemplo. Não podemos desperdiçar tamanho sacrifício por nada!

(Editorial da Folha do Taquaral de 3 de julho de 2001).

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