Monday, September 10, 2018

CRÔNICA DO DIA - Os fantasmas


Os fantasmas


Pedro J. Bondaczuk


Você acredita em fantasmas? Ora, ora, ora, fazer esse tipo de pergunta a leitores esclarecidos e bem informados, que leem jornais, revistas, livros de todos os tipos, que têm celular, computador, tabletes e toda essa parafernália tecnológica de comunicação, e ainda mais em pleno início da segunda década do século XXI, chega a ser sacanagem. Claro que a resposta, certamente, será “não!”, salvo alguma honrosa exceção . Mas será mesmo? Será que você não acredita de fato neles ou está, apenas, tentando preservar sua reputação de realista? Você é capaz, por exemplo, de cruzar um cemitério à meia-noite, e em noite de lua cheia (ou, pior, tempestuosa e por isso sem lua nenhuma) sem sentir, sequer, um ligeiro arrepio de medo? Então você é um herói.

Ademais, há milhares e milhares (quiçá milhões, talvez, até, mais de um bilhão) de pessoas que creem sem pestanejar em assombrações e que ficarão furiosas caso você tente, mesmo que disfarçadamente, ridicularizá-las por essa crença. Há quem não somente acredite, mas até esteja disposto a uma convivência, se possível harmoniosa, com fantasmas. Na Inglaterra, por exemplo, determinadas residências, ao serem vendidas, chegam a custar bem mais caro caso tenham fama de mal-assombradas. Em muitas cidadezinhas norte-americanas do interior dos Estados Unidos isso também acontece. Claro que dificilmente você encontrará esse tipo de comportamento em megalópoles tipo Nova York, Los Angeles, Chicago ou Boston. Mas... Nunca se sabe.

Diga a essas pessoas que fantasma não existe! No mínimo elas lhe contarão infinidade de histórias, que supostamente viveram ou testemunharam, na tentativa de provar que você está errado. Como existem mentirosos nesse mundo!!! E sequer me refiro a políticos que, se tivessem o encantamento do boneco Pinocchio, famoso personagem do escritor Colodi, teriam narizes com, no mínimo, meio metro de comprimento. Mas... Deixa pra lá.

Acreditando ou deixando de acreditar, o fato é que fantasmas são temas recorrentes de excelentes livros de escritores até consagrados. Nem é preciso citar nenhum conto ou novela, digamos, de Edgar Allan Poe, “pai” das histórias de mistério e terror e também de caráter policial. Querem outro autor que explorou bem o tema? Pois lá vai: Henry James. Leiam seu clássico “A outra volta do parafuso”. Duvido que consigam fazer a leitura indiferentes, sem um só arrepio de medo, mesmo que não acreditem em fantasmas (ou pelo menos apregoem aos quatro ventos essa descrença).

Mas, não são apenas os ficcionistas que urdem histórias arrepiantes acerca das supostas (e inexistentes, na verdade) almas penadas. Os poetas também exploram amiúde o tema. Aliás, fazem-no mais do que escritores de ficção. É verdade que seus “fantasmas” são metáforas daquelas lembranças amargas, que todos temos, e que desejamos esquecer, mas que, volta e meia, emergem, à nossa revelia, à memória (essa “velha louca, que joga comida fora e guarda trapos velhos”) para nos atormentar.

Quando menino, influenciado pelos mais velhos, com suas histórias escabrosas e arrepiantes de assombrações, contadas sempre em primeira pessoa (que tremendos mentirosos!!), cheguei a acreditar nelas. Claro que tão logo perdi a inocência, fiquei morrendo de vergonha por minha ingenuidade e credulidade infantis. Mas não descartei liminarmente os inexistentes fantasmas. Fiz deles, também, como tantos outros poetas, metáforas de poemas e mais poemas que compus, em meio século de exercício da arte de “poetar”. Nestes, os metafóricos, ainda acredito e sinto que jamais deixarei de acreditar.

Mário Quintana também tratou deles. Num dos poemas (no que reproduzo abaixo), acusou-os até mesmo de espionagem. Irritou-se com sua intolerável intromissão em sua vida, em seus gestos, atitudes e até pensamentos. Veja com quanta graça e beleza referiu-se aos seus fantasmas. (Pudera! Foi um gênio!).


O espião

Bem o conheço. Num espelho de bar,
numa vitrine, ao acaso do footing,
em qualquer vidraça por aí,
trocamos às vezes um
súbito e inquietante olhar.
Não, isso não pode continuar assim.
Que tens tu de espionar-me?
Que me censuras, fantasma?
Que tens a ver com os meus bares,
com os meus cigarros,
com os meus delírios ambulatórios,
com tudo o que não faço na vida?

Da minha parte, também tive minhas rusgas e embates com minhas atrevidas assombrações. Claro que tratei delas da minha maneira um tanto canhestra de poetar, sem nada que lembre, sequer remotamente, a graça, a beleza e a inteligente ironia do meu conterrâneo Mário Quintana. Querem conhecer algum poema meu tratando do tema? Pois lá vai:

Meus fantasmas

Quando a noite vai chegando,
lentamente, de mansinho,
de mansinho, de mansinho,
quase imperceptivelmente,
meus fantasmas aparecem,
de mansinho, lentamente
e se acomodam.

Tomam posse
da mente vazia,
da vida solitária,
de uma cadeira vaga,
da biblioteca,
da escrivaninha em desordem,
dos blocos em branco,
da caneta esquecida,
da mão esquerda
e escrevem, escrevem tolices
que me serão imputadas.

A noite, boitatá voraz,
pisca seus olhos de fogo,
arrasta-se pelo tempo
e é consumida pela serpente
de outro dia vazio.

E meus fantasmas, bonachões,
partem silenciosos, de mansinho,
levando novos fantasmas
que a noite, moribunda, gerou.

Um dia, quando o Tempo
consumir todo o meu tempo,
e quando a infiel boitatá
devorar os olhos meus,
com cada novo fantasma,
que em tanta noite nasceu,
partirá a última sombra:
e essa sombra... serei eu.

Agora responda-me, sinceramente, sem nenhum medo de cair em ridículo diante dos amigos, conhecidos e desconhecidos (que certamente mentirão descaradamente ao responderem à também pergunta): você acredita em fantasmas? Sim ou não? Por que?


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