Os
fantasmas
Pedro
J. Bondaczuk
Você acredita em fantasmas?
Ora, ora, ora, fazer esse tipo de pergunta a leitores esclarecidos e
bem informados, que leem jornais, revistas, livros de todos os tipos,
que têm celular, computador, tabletes e toda essa parafernália
tecnológica de comunicação, e ainda mais em pleno início da
segunda década do século XXI, chega a ser sacanagem. Claro que a
resposta, certamente, será “não!”, salvo alguma honrosa exceção
. Mas será mesmo? Será que você não acredita de fato neles ou
está, apenas, tentando preservar sua reputação de realista? Você
é capaz, por exemplo, de cruzar um cemitério à meia-noite, e em
noite de lua cheia (ou, pior, tempestuosa e por isso sem lua nenhuma)
sem sentir, sequer, um ligeiro arrepio de medo? Então você é um
herói.
Ademais, há milhares e
milhares (quiçá milhões, talvez, até, mais de um bilhão) de
pessoas que creem sem pestanejar em assombrações e que ficarão
furiosas caso você tente, mesmo que disfarçadamente,
ridicularizá-las por essa crença. Há quem não somente acredite,
mas até esteja disposto a uma convivência, se possível harmoniosa,
com fantasmas. Na Inglaterra, por exemplo, determinadas residências,
ao serem vendidas, chegam a custar bem mais caro caso tenham fama de
mal-assombradas. Em muitas cidadezinhas norte-americanas do interior
dos Estados Unidos isso também acontece. Claro que dificilmente você
encontrará esse tipo de comportamento em megalópoles tipo Nova
York, Los Angeles, Chicago ou Boston. Mas... Nunca se sabe.
Diga a essas pessoas que
fantasma não existe! No mínimo elas lhe contarão infinidade de
histórias, que supostamente viveram ou testemunharam, na tentativa
de provar que você está errado. Como existem mentirosos nesse
mundo!!! E sequer me refiro a políticos que, se tivessem o
encantamento do boneco Pinocchio, famoso personagem do escritor
Colodi, teriam narizes com, no mínimo, meio metro de comprimento.
Mas... Deixa pra lá.
Acreditando ou deixando de
acreditar, o fato é que fantasmas são temas recorrentes de
excelentes livros de escritores até consagrados. Nem é preciso
citar nenhum conto ou novela, digamos, de Edgar Allan Poe, “pai”
das histórias de mistério e terror e também de caráter policial.
Querem outro autor que explorou bem o tema? Pois lá vai: Henry
James. Leiam seu clássico “A outra volta do parafuso”. Duvido
que consigam fazer a leitura indiferentes, sem um só arrepio de
medo, mesmo que não acreditem em fantasmas (ou pelo menos apregoem
aos quatro ventos essa descrença).
Mas, não são apenas os
ficcionistas que urdem histórias arrepiantes acerca das supostas (e
inexistentes, na verdade) almas penadas. Os poetas também exploram
amiúde o tema. Aliás, fazem-no mais do que escritores de ficção.
É verdade que seus “fantasmas” são metáforas daquelas
lembranças amargas, que todos temos, e que desejamos esquecer, mas
que, volta e meia, emergem, à nossa revelia, à memória (essa
“velha louca, que joga comida fora e guarda trapos velhos”) para
nos atormentar.
Quando menino, influenciado
pelos mais velhos, com suas histórias escabrosas e arrepiantes de
assombrações, contadas sempre em primeira pessoa (que tremendos
mentirosos!!), cheguei a acreditar nelas. Claro que tão logo perdi a
inocência, fiquei morrendo de vergonha por minha ingenuidade e
credulidade infantis. Mas não descartei liminarmente os inexistentes
fantasmas. Fiz deles, também, como tantos outros poetas, metáforas
de poemas e mais poemas que compus, em meio século de exercício da
arte de “poetar”. Nestes, os metafóricos, ainda acredito e sinto
que jamais deixarei de acreditar.
Mário Quintana também tratou
deles. Num dos poemas (no que reproduzo abaixo), acusou-os até mesmo
de espionagem. Irritou-se com sua intolerável intromissão em sua
vida, em seus gestos, atitudes e até pensamentos. Veja com quanta
graça e beleza referiu-se aos seus fantasmas. (Pudera! Foi um
gênio!).
O
espião
Bem
o conheço. Num espelho de bar,
numa
vitrine, ao acaso do footing,
em
qualquer vidraça por aí,
trocamos
às vezes um
súbito
e inquietante olhar.
Não,
isso não pode continuar assim.
Que
tens tu de espionar-me?
Que
me censuras, fantasma?
Que
tens a ver com os meus bares,
com
os meus cigarros,
com
os meus delírios ambulatórios,
com
tudo o que não faço na vida?
Da minha parte, também tive
minhas rusgas e embates com minhas atrevidas assombrações. Claro
que tratei delas da minha maneira um tanto canhestra de poetar, sem
nada que lembre, sequer remotamente, a graça, a beleza e a
inteligente ironia do meu conterrâneo Mário Quintana. Querem
conhecer algum poema meu tratando do tema? Pois lá vai:
Meus
fantasmas
Quando
a noite vai chegando,
lentamente,
de mansinho,
de
mansinho, de mansinho,
quase
imperceptivelmente,
meus
fantasmas aparecem,
de
mansinho, lentamente
e
se acomodam.
Tomam
posse
da
mente vazia,
da
vida solitária,
de
uma cadeira vaga,
da
biblioteca,
da
escrivaninha em desordem,
dos
blocos em branco,
da
caneta esquecida,
da
mão esquerda
e
escrevem, escrevem tolices
que
me serão imputadas.
A
noite, boitatá voraz,
pisca
seus olhos de fogo,
arrasta-se
pelo tempo
e
é consumida pela serpente
de
outro dia vazio.
E
meus fantasmas, bonachões,
partem
silenciosos, de mansinho,
levando
novos fantasmas
que
a noite, moribunda, gerou.
Um
dia, quando o Tempo
consumir
todo o meu tempo,
e
quando a infiel boitatá
devorar
os olhos meus,
com
cada novo fantasma,
que
em tanta noite nasceu,
partirá
a última sombra:
e
essa sombra... serei eu.
Agora responda-me,
sinceramente, sem nenhum medo de cair em ridículo diante dos amigos,
conhecidos e desconhecidos (que certamente mentirão descaradamente
ao responderem à também pergunta): você acredita em fantasmas? Sim
ou não? Por que?
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