Coerência
Pedro J. Bondaczuk
A ministra Zélia Cardoso de
Mello nada mais fez do que anunciar o óbvio, ao prefixar o índice
de determinados preços para o corrente mês de maio. De fato, depois
daquela decisão tomada em reuniões efetuadas em São Paulo, fixando
a inflação de abril na marca zero, não teria mesmo o menor sentido
determinasse o governo aumento generalizado de preços, isto de
maneira declarada. Cairia ele em contradição flagrante, chamando
contra si toda a sorte de descontentamento popular. A decisão foi,
pois, coerente.
O certo é que procurou assim
a área econômica manter o resguardo de algumas aparências quanto à
política de contenção dos preços. Ao contrário da filosofia
existente durante a vigência do Plano Cruzado, quando houve um
congelamento dos preços para valer, ao ponto de se formar também um
grande contingente de "fiscais do Sarney", com o propósito
de zelar pelo cumprimento das tabelas elaboradas, agora, neste Plano
Collor, deixou de existir a figura do congelamento. Os preços de uma
série de produtos considerados como essenciais obedecem a novas
normas, ou melhor dizendo, são fixados apenas os seus valores
máximos. Dessa forma, no tocante à chamada cesta básica, alguns
itens passaram a ter preços um tanto elevados, afastando qualquer
perspectiva dentro do comércio para a respectiva redução das
margens de lucros. Aliás, a equipe reunida há pouco em São Paulo
discutiu os aspectos relacionados a esse comportamento, não causando
surpresa amanhã ou depois a constatação de baixa em alguns
produtos.
A bem da verdade, no entanto,
esse anúncio de prefixação zero será observado pela população
com as ressalvas de mister. Apesar de todas as investidas do atual
governo, evidentemente com o propósito de beneficiar o grande
público consumidor, os preços continuam a subir, alguns em doses
homeopáticas, porém outros, com maior desenvoltura. Não existe
mais aquela fúria altista, de triste memória, constatada nos
últimos meses do governo de José Sarney, quando o então ministro
Mailson da Nóbrega anunciou por todos os cantos do País estar a
inflação sob controle. Atualmente, os preços não sobem da noite
para o dia, mas aquela mentalidade do aumento constante permanece
realmente viva. Por sinal, a recente visita de inspeção do próprio
presidente da República a um supermercado de Brasília, no fundo,
serviu de alerta contra esse modo de pensar.
Não resta a menor dúvida de
que o sucesso do Plano Collor está vinculado em grande parte a uma
estabilidade duradoura quanto à política dos preços. Sabem os
técnicos da área econômica perfeitamente disso, daí o justificado
temor de abertura precipitada das chamadas "torneiras" para
irrigação de tantos setores de nossa economia. Se não houver mesmo
um controle rigoroso, certamente, o plano lançado com tanto
entusiasmo, pode ficar seriamente comprometido no tocante à sua
sustentação prática. E nesta altura dos acontecimentos ninguém
deseja possa isso acontecer de hora para outra, pois, no caso em
apreço, todos sairão perdendo.
(Editorial publicado na página
2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de maio de 1990)
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