Monday, September 03, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Coerência


Coerência


Pedro J. Bondaczuk


A ministra Zélia Cardoso de Mello nada mais fez do que anunciar o óbvio, ao prefixar o índice de determinados preços para o corrente mês de maio. De fato, depois daquela decisão tomada em reuniões efetuadas em São Paulo, fixando a inflação de abril na marca zero, não teria mesmo o menor sentido determinasse o governo aumento generalizado de preços, isto de maneira declarada. Cairia ele em contradição flagrante, chamando contra si toda a sorte de descontentamento popular. A decisão foi, pois, coerente.

O certo é que procurou assim a área econômica manter o resguardo de algumas aparências quanto à política de contenção dos preços. Ao contrário da filosofia existente durante a vigência do Plano Cruzado, quando houve um congelamento dos preços para valer, ao ponto de se formar também um grande contingente de "fiscais do Sarney", com o propósito de zelar pelo cumprimento das tabelas elaboradas, agora, neste Plano Collor, deixou de existir a figura do congelamento. Os preços de uma série de produtos considerados como essenciais obedecem a novas normas, ou melhor dizendo, são fixados apenas os seus valores máximos. Dessa forma, no tocante à chamada cesta básica, alguns itens passaram a ter preços um tanto elevados, afastando qualquer perspectiva dentro do comércio para a respectiva redução das margens de lucros. Aliás, a equipe reunida há pouco em São Paulo discutiu os aspectos relacionados a esse comportamento, não causando surpresa amanhã ou depois a constatação de baixa em alguns produtos.

A bem da verdade, no entanto, esse anúncio de prefixação zero será observado pela população com as ressalvas de mister. Apesar de todas as investidas do atual governo, evidentemente com o propósito de beneficiar o grande público consumidor, os preços continuam a subir, alguns em doses homeopáticas, porém outros, com maior desenvoltura. Não existe mais aquela fúria altista, de triste memória, constatada nos últimos meses do governo de José Sarney, quando o então ministro Mailson da Nóbrega anunciou por todos os cantos do País estar a inflação sob controle. Atualmente, os preços não sobem da noite para o dia, mas aquela mentalidade do aumento constante permanece realmente viva. Por sinal, a recente visita de inspeção do próprio presidente da República a um supermercado de Brasília, no fundo, serviu de alerta contra esse modo de pensar.

Não resta a menor dúvida de que o sucesso do Plano Collor está vinculado em grande parte a uma estabilidade duradoura quanto à política dos preços. Sabem os técnicos da área econômica perfeitamente disso, daí o justificado temor de abertura precipitada das chamadas "torneiras" para irrigação de tantos setores de nossa economia. Se não houver mesmo um controle rigoroso, certamente, o plano lançado com tanto entusiasmo, pode ficar seriamente comprometido no tocante à sua sustentação prática. E nesta altura dos acontecimentos ninguém deseja possa isso acontecer de hora para outra, pois, no caso em apreço, todos sairão perdendo.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 4 de maio de 1990)



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