Tuesday, September 18, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Sucessão de crises


Sucessão de crises



Pedro J. Bondaczuk



O governo brasileiro, mais uma vez, recorreu, na semana passada, a medidas desesperadas (e para muitos economistas, inócuas), para tentar conter a fuga do capital especulativo internacional (insaciável em sua ânsia de lucros), do País. De novo, os juros foram às alturas (quase 50% ao ano), prejudicando a população, em especial as pessoas que têm dívidas a taxas variáveis. Essa elevação ocorreu no mesmo dia em que o presidente Fernando Henrique Cardoso havia garantido, em entrevista no Palácio do Planalto, que não iria sacrificar o Brasil apenas para satisfazer a ganância dos especuladores. Acabou cedendo! Por qual razão? Não soube explicar.

O objetivo da elevação de juros foi nada louvável (embora tecnicamente possa ser correto): tornar atrativos aos especuladores externos, "sem rosto", o mercado brasileiro, garantindo-lhes lucros que em lugar algum conseguiriam obter. Trata-se de tentativa de impedir que as reservas nacionais de dólares --- que andavam por volta dos US$ 72 bilhões em meados de agosto --- caiam a níveis ainda mais baixos do que os atuais US$ 53 bilhões, o que tornaria inevitável uma severa desvalorização do real, com consequências ainda mais funestas.

Há tempos que esta nova crise era esperada. Economistas de diversas tendências vinham alertando sobre a sua iminência. Insistiam, sobretudo, que o déficit público era intolerável e precisava ser reduzido, senão zerado, o mais rápido possível. Mas como pedir a um governo (cujo presidente se empenha com afinco para se reeleger), em um ano de eleições, austeridade nos gastos? A cada abalo no mercado financeiro mundial, por menor que fosse, o Brasil era apontado como a "próxima bola da vez".

As crises foram se sucedendo --- México, Malásia, Indonésia, Coreia do Sul, Japão, Rússia, etc. --- e, à medida em que aconteciam, cresciam os rumores de iminente ataque especulativo ao real. Medidas que poderiam (e deveriam) consolidar o plano real, por razões políticas (mesquinhas), foram proteladas. Reformas constitucionais indispensáveis, como a administrativa e a previdenciária, entre outras (sem falar na fiscal), marcam passo no Congresso. Enquanto isso, o déficit público cresce, já beirando 8% do Produto Interno Bruto (PIB), deixando à mostra as fragilidades do atual modelo.

De crise em crise, a população vive permanente sobressalto. E não há a mínima perspectiva, pelo menos de médio prazo, que anime o mais otimista dos otimistas a esperar um período mais tranquilo, de estabilidade e crescimento, em que possa se dedicar às suas atividades, sem esperar, com o "coração na boca", iminentes desastres. O que para os especuladores é um "jogo", para a maioria das pessoas significa a sobrevivência.

Os índices de desemprego, os maiores da história recente do País, tendem a evoluir, agravando a crise social. A nova elevação de juros, se potencialmente pode conter a sangria das vitais reservas de dólares (o que é apenas possibilidade, sem garantia), tende a suprimir empregos, a elevar as taxas de inadimplência no comércio e a provocar novas demissões, aumentando a carga de sofrimentos da já sofrida população. Negócios aparentemente sólidos, correm o risco de falir. Projetos de expansão industrial são de novo arquivados. A crise, que parece não ter fim, promete novos dramas sociais, em um país que já é uma das sociedades mais injustas do mundo.

Até quando o brasileiro que trabalha, que estuda, que confia no futuro e que se prepara com afinco e esperança para ele, ficará à mercê dos caprichos e da ganância desse capital sem pátria, predatório, que nada produz e não se satisfaz com lucros razoáveis, querendo sempre mais? Até quando deperderá dele? O temor, no País (quase premonição), é que o pior ainda estaria por vir. É o de que o governo esteja apenas empurrando a verdadeira solução (ou o que ele entende que seja) "com a barriga", para depois das eleições, temeroso de que medidas mais duras possam comprometer a reeleição de Fernando Henrique Cardoso (virtualmente garantida, conforme as pesquisas de opinião, no primeiro turno). Poucas vezes a incerteza dominou com tanta intensidade a sociedade brasileira, em especial a imensa massa (em torno de 140 milhões) credora da enorme (e talvez impagável) dívida social do País.

(Editorial publicado na Folha do Taquaral na segunda quinzena de setembro de 1998)



Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: