Sucessão de crises
Pedro J. Bondaczuk
O governo brasileiro, mais uma
vez, recorreu, na semana passada, a medidas desesperadas (e para
muitos economistas, inócuas), para tentar conter a fuga do capital
especulativo internacional (insaciável em sua ânsia de lucros), do
País. De novo, os juros foram às alturas (quase 50% ao ano),
prejudicando a população, em especial as pessoas que têm dívidas
a taxas variáveis. Essa elevação ocorreu no mesmo dia em que o
presidente Fernando Henrique Cardoso havia garantido, em entrevista
no Palácio do Planalto, que não iria sacrificar o Brasil apenas
para satisfazer a ganância dos especuladores. Acabou cedendo! Por
qual razão? Não soube explicar.
O objetivo da elevação de
juros foi nada louvável (embora tecnicamente possa ser correto):
tornar atrativos aos especuladores externos, "sem rosto", o
mercado brasileiro, garantindo-lhes lucros que em lugar algum
conseguiriam obter. Trata-se de tentativa de impedir que as reservas
nacionais de dólares --- que andavam por volta dos US$ 72 bilhões
em meados de agosto --- caiam a níveis ainda mais baixos do que os
atuais US$ 53 bilhões, o que tornaria inevitável uma severa
desvalorização do real, com consequências ainda mais funestas.
Há tempos que esta nova crise
era esperada. Economistas de diversas tendências vinham alertando
sobre a sua iminência. Insistiam, sobretudo, que o déficit público
era intolerável e precisava ser reduzido, senão zerado, o mais
rápido possível. Mas como pedir a um governo (cujo presidente se
empenha com afinco para se reeleger), em um ano de eleições,
austeridade nos gastos? A cada abalo no mercado financeiro mundial,
por menor que fosse, o Brasil era apontado como a "próxima bola
da vez".
As crises foram se sucedendo
--- México, Malásia, Indonésia, Coreia do Sul, Japão, Rússia,
etc. --- e, à medida em que aconteciam, cresciam os rumores de
iminente ataque especulativo ao real. Medidas que poderiam (e
deveriam) consolidar o plano real, por razões políticas
(mesquinhas), foram proteladas. Reformas constitucionais
indispensáveis, como a administrativa e a previdenciária, entre
outras (sem falar na fiscal), marcam passo no Congresso. Enquanto
isso, o déficit público cresce, já beirando 8% do Produto Interno
Bruto (PIB), deixando à mostra as fragilidades do atual modelo.
De crise em crise, a população
vive permanente sobressalto. E não há a mínima perspectiva, pelo
menos de médio prazo, que anime o mais otimista dos otimistas a
esperar um período mais tranquilo, de estabilidade e crescimento, em
que possa se dedicar às suas atividades, sem esperar, com o "coração
na boca", iminentes desastres. O que para os especuladores é um
"jogo", para a maioria das pessoas significa a
sobrevivência.
Os índices de desemprego, os
maiores da história recente do País, tendem a evoluir, agravando a
crise social. A nova elevação de juros, se potencialmente pode
conter a sangria das vitais reservas de dólares (o que é apenas
possibilidade, sem garantia), tende a suprimir empregos, a elevar as
taxas de inadimplência no comércio e a provocar novas demissões,
aumentando a carga de sofrimentos da já sofrida população.
Negócios aparentemente sólidos, correm o risco de falir. Projetos
de expansão industrial são de novo arquivados. A crise, que parece
não ter fim, promete novos dramas sociais, em um país que já é
uma das sociedades mais injustas do mundo.
Até quando o brasileiro que
trabalha, que estuda, que confia no futuro e que se prepara com
afinco e esperança para ele, ficará à mercê dos caprichos e da
ganância desse capital sem pátria, predatório, que nada produz e
não se satisfaz com lucros razoáveis, querendo sempre mais? Até
quando deperderá dele? O temor, no País (quase premonição), é
que o pior ainda estaria por vir. É o de que o governo esteja apenas
empurrando a verdadeira solução (ou o que ele entende que seja)
"com a barriga", para depois das eleições, temeroso de
que medidas mais duras possam comprometer a reeleição de Fernando
Henrique Cardoso (virtualmente garantida, conforme as pesquisas de
opinião, no primeiro turno). Poucas vezes a incerteza dominou com
tanta intensidade a sociedade brasileira, em especial a imensa massa
(em torno de 140 milhões) credora da enorme (e talvez impagável)
dívida social do País.
(Editorial publicado na Folha
do Taquaral na segunda quinzena de setembro de 1998)
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