A cidade e sua gente
Pedro J. Bondaczuk
O poeta chileno Pablo Neruda,
em seu livro "Confesso que vivi", escreve: "Não posso
viver senão em minha própria terra. Não posso viver sem pôr os
pés, as mãos e o ouvido nela, sem sentir a circulação de suas
águas e de suas sombras, sem sentir como minhas raízes buscam em
seu barro pegajoso as substâncias maternas". Meus sentimentos
são semelhantes, mas não em relação à minha Horizontina natal,
que deixei quando criança.
Essa emoção (e mais do que
isso, essa necessidade vital pela integração em uma comunidade onde
me sinta parte dela) existe em relação a Campinas. É a minha
cidade de adoção. É onde vivi a maioria dos bons e dos maus
momentos da minha vida. É onde constitui família, sonhei os mais
dourados sonhos, batalhei, amei, odiei, tive amigos, inimigos,
aliados, adversários e construi uma imagem, positiva para uns,
negativa para outros, mas única.
Os indivíduos sentem-se bem
em algum lugar apenas quando conseguem estabelecer completa interação
com seus moradores. Pois como concluiu em tom indagatório William
Shakespeare, através de um de seus personagens: "O que é a
cidade senão as pessoas?" Tire-se os indivíduos e vai sobrar o
quê? Restarão ruas desertas, prédios vazios de concreto e vidro,
mansões, casas modestas, barracos...coisas inanimadas. Objetos sem
vida e sem alma.
Não é, evidentemente, a isso
que nos apegamos. Não é isso o que torna determinada cidade a nossa
eleita, o palco da nossa vida, o abrigo dos nossos sonhos, o cenário
das nossas ilusões e desilusões. Apegamo-nos, na verdade, é aos
seus habitantes. Tanto aos do passado, que conhecemos somente pela
tradição escrita ou verbal, quanto aos do presente e quiçá do
futuro refletido nas crianças de hoje, líderes da comunidade de
amanhã.
Esta Campinas tem sua força
no cérebro, no coração, na sensibilidade, no talento e no braço
da sua gente. Nos cientistas e catedráticos que tornam suas
universidades modelos nacionais e que ostentam projeção
internacional. Em seus laboratórios de alta tecnologia, onde são
cultivadas as sementes do futuro. Em suas escolas, preparando as
novas gerações para assumirem as responsabilidades por suas
próprias vidas e da comunidade. Em seus centros culturais, onde são
acumuladas e preservadas as criações espontâneas do espírito. Em
suas academias de letras, de dança, de esportes, onde se cultivam as
artes e a saúde. Em seus hospitais, conhecidos além fronteira por
sua excelência. Em seus órgãos de comunicação, transmitindo
informações e testemunhando a história dos povos no exato momento
em que esta acontece.
A força de Campinas está em
seu povo. Foi por ele que fiz desta cidade a minha terra de adoção
(ou foi ela que me adotou?). O cronista Mário da Silva Brito
escreveu, em uma crônica de 1961, publicada no Suplemento Literário
do jornal "O Estado de São Paulo": "Nunca fui eu só,
ou só eu. Mas todos os outros. Os antepassados, os que me rodeiam,
os que pertencem ao meu tempo. Os que amo e até os desconhecidos.
Estou feito de pedaços. Sou uma soma de múltiplas parcelas humanas.
Consigo somar até quantidades heterogêneas".
Todos somos assim. Nosso
próximo tende a nos enriquecer, a ampliar nossos horizontes e a
estimular em nós o espírito de competição, sem o qual ninguém se
sente motivado para qualquer realização (mesmo quando se opõe a
nós). Em algumas cidades, não conseguimos uma perfeita interação
com seus habitantes. Às vezes sequer existe alguma. As razões são
várias. Essa falta de entendimento ocorre ou por sermos rejeitados
por eles, ou por que os rejeitamos, ou por incompatibilidade de
temperamentos, de formação, de educação, etc.
Não foi o que ocorreu comigo
em relação a Campinas. Cinquenta e oito dos meus setenta e cinco
anos de vida transcorreram aqui. A maior parte das lembranças que
vão acompanhar meus últimos dias sobre a Terra é originária
daqui. Sou fruto cultural desta cidade. Aqui obtive a minha formação,
desde os tempos dos colégios Adventista, Cesário Motta e Ateneu
Paulista, à universidade. Meus amigos mais caros residem em Campinas
ou estão sepultados aqui. Meus adversários mais temíveis também
são daqui. Minha vida, portanto, está ligada para sempre à cidade,
berço dos meus quatro filhos e dos meus três netos.
E a menos que o acaso, sempre
caprichoso, apronte das suas, será aqui que irei estabelecer minha
derradeira e definitiva interação: meus restos mortais haverão de
repousar nesta terra generosa, misturando-se com ela, enquanto a
essência do que fui e do que quis ser tentará permanecer para
sempre viva na memória dos habitantes desta metrópole que tanto
amei e amo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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