Pedro
J. Bondaczuk
O
Prêmio Nobel de Literatura, de uns anos para cá, vem se
caracterizando por projetar no cenário literário mundial escritores
virtualmente desconhecidos fora de seus países de origem e cujas
obras são acessíveis quase que exclusivamente por fechadíssimos
círculos acadêmicos. Todavia, embora os responsáveis pela
atribuição dessa premiação tenham cometido muitas injustiças, ao
não premiar autores notoriamente merecedores, não podem ser acusado
de omitir “todos” os grandes nomes do mundo literário,
consagrados pelo público e pela crítica.
O
Prêmio Nobel de Literatura de 1936, por exemplo, foi atribuído a um
dramaturgo genial, ainda hoje considerado o “pai da dramaturgia
norte-americana”, homem cuja vida chegou a ser até mais trágica
do que as peças que escrevia. Esse autor tinha tamanho talento para
escrever tragédias, que chegou a exigir que uma de suas obras mais
célebres fossem publicadas, apenas, 25 anos após sua morte.
Refiro-me a Eugene
O’Neil, sem favor algum, um dos maiores escritores de peças
teatrais de todos os tempos.
Vários
escritores, atualmente tidos como mitos literários, ganharam
projeção internacional somente depois de serem premiados com o
Nobel. Posso mencionar, assim de memória, pelo menos duas dezenas
deles, como Ernest Hemmingway (1954), Anatole France (1921), Albert
Camus (1957), John Steinbeck (1962), Gabriel Garcia Marquez, Pablo
Neruda, Rudyard Kipling, William Faulkner, Bernard Shaw, Gabriela
Mistral, Henri Sienkiewicz, Sinclair Lewis, André Gide, François
Mauriac e vai por aí afora.
Outros
grandes mestres das letras, óbvio, poderiam ser incluídos nesta já
extensa relação. São todos vastamente conhecidos pelo público e
imortalizados por obras que atravessaram gerações, mantiveram a
atualidade e seguem encantando leitores mundo afora. Seus méritos,
ninguém se atreve a discutir. São consensuais.
Em
contrapartida, inúmeros escritores, virtualmente saídos do
anonimato para os holofotes da fama, mas que, mesmo após a súbita,
porém fugaz notoriedade, caíram no esquecimento, também foram
premiados com o Nobel. São os casos, por exemplo, de Giosué
Carducci (1906), Ivo Andrii (1961), Karl Gjellerup (1917), Odysseus
Alepoudelis (1979), Rudolf Eucken (1908), Franz Silampaa (1939),
Haldor Laxness (1955) e Grazia Deledda (1926), entre tantos outros.
O
leitor se lembra de qualquer livro desses escritores? Ou de pelo
menos haver ouvido algum dia seus nomes? Dificilmente. A resposta
mais provável às duas perguntas é: não. E isso não é demérito
algum. Não desmerece suas obras, que provavelmente são excelentes,
ao ponto de impressionarem aos membros da comissão responsável pela
atribuição do Prêmio Nobel de Literatura.
Muitos
editores, que têm a tarefa de difundir o que há de mais sofisticado
e valioso em termos de produção literária, também jamais ouviram
falar dos autores que mencionei ou sequer sabem que eles existiram.
Provavelmente, foram mal divulgados. Pouco se falou deles e de seus
respectivos livros na época da premiação. Não me perguntem a
razão, pois, na verdade, não sei.
O
mesmo já não se pode dizer de Eugene O’Neil, nome que, à simples
menção, lembra “tragédia”, à qual está associado. Menino
criado em colégios internos, com mãe viciada em morfina, um irmão
alcoólatra e ele próprio, mais tarde, dado ao vício de beber,
teve vida aventurosa e atormentada. Em muitos aspectos chega a
lembrar Edgar Allan Poe, embora existam muito mais diferenças do que
semelhanças entre ambos.
Ambos
se diferenciam, por exemplo, quanto às ligações afetivas. Enquanto
o trágico poeta de Boston nutriu doentia fixação pela frágil e
macilenta Virgínia Clemm, que conheceu quando a menina tinha apenas
13 anos de idade e que amou extremadamente até que ela morresse, o
dramaturgo novaiorquino teve três casamentos, dois dos quais
extremamente infelizes e de curta duração. Enquanto Poe mergulhou,
sem retorno, no alcoolismo e degradou-se em consequência dele,
O’Neill teve forças para reagir ao vício e, após submeter-se a
sessões psicanalíticas, tornou-se rigoroso abstêmio.
Enquanto
o escritor bostoniano, em sua obra, descambou para o tétrico, o
misterioso e o aterrorizante (de maneira insuperável e magistral,
reconheça-se), o dramaturgo mergulhou na alma do cidadão comum e
foi, provavelmente, o maior crítico da modernidade, com seu
artificialismo e sua opressão. Opôs, ao realismo, que execrava, um
novo tipo de misticismo, coletivo, de multidões, nunca escondendo,
porém, um renitente pessimismo que, aliás, dominou por muitos anos
todo o teatro norte-americano.
Provavelmente,
a obra de Eugene O’Neill tem tamanha aceitação por ser toda ela
elaborada com base em experiências pessoais. Tem, por isso, aquele
caráter de autenticidade, de sinceridade, de verossimilhança
indispensáveis às obras-primas. O dramaturgo culminou sua produção
com a elaboração dessa preciosidade dramática que é “Longa
jornada noite adentro”, peça que vetou por 25 anos após sua
morte, escrita em 1941. Justificou o veto afirmando que um dos
personagens ainda estava vivo. Somente omitiu o fato que este era ele
próprio.
A
família, no entanto, não respeitou sua determinação. Passados
apenas três anos da morte de Eugene O’Neill, a magnífica peça
foi publicada e, posteriormente, levada ao palco em Nova York,
chegando, pouco tempo depois, ao Brasil, em 1958. Voltarei, com
certeza, a tratar desse escritor. Sempre volto quando se trata de
gênios em suas respectivas atividades.
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