Saturday, September 01, 2018

DIRETO DO ARQUIVO - Indecisão sobre a poupança


Indecisão sobre a poupança



Pedro J. Bondaczuk



Segundo o presidente do Banco Central, Ibrahim Éris, o governo está preocupado com as retiradas no sistema da poupança. Em apenas dois meses de funcionamento do Plano Collor, cerca de Cr$ 200 bilhões, como se diz em linguagem popular, "criaram asas". De fato, tivesse o Congresso Nacional elevado o limite de saques acima da casa dos Cr$ 50 mil, certamente, o esvaziamento alcançaria proporções dramáticas para o sistema. Evidentemente, essa respeitável parcela serviu em parte para aquecer o meio circulante no País, a ponto das autoridades ficarem duvidando da eficácia do processo de enxugamento de liquidez adotado no mercado financeiro.

Não há dúvida alguma de que o dinheiro retirado, apenas em alguns casos isolados, passou a ser guardado em cofres ou sob o colchão. Levando em conta o fato de ter o brasileiro acentuado espírito consumista, como chegou a reconhecer certa feita o então ministro da Indústria e Comércio, Camilo Penna, passados os primeiros dias da aplicação do plano, uma vez assentada a poeira, apreciável volume desse dinheiro retirado serviu mesmo para ativar o consumo. Aproveitando também todo esse quadro circunstancial, em meio a inúmeras fórmulas criativas, o comércio andou por bem em vender os produtos oferecidos ao público através da modalidade de prestações suaves, atraindo assim uma boa faixa de poupadores.

Não bastasse essa espécie de rombo no sistema, o pior de tudo é que o governo não se mostrou interessado em criar incentivos à poupança. Aliás, o próprio Ibrahim Éris disse há pouco não existir o propósito de se alterar o rendimento das cadernetas. A impressão é que não surgirá a curto prazo qualquer mecanismo capaz de reverter o quadro que aí está, sem atrativos aos aplicadores. Assim, foi bem explícita a resposta de uma professora aposentada, ao retirar na Caixa Econômica de São Paulo as suas pequenas economias: "Não adianta deixar na poupança o dinheiro, pois ele não rende nada e ainda corremos o risco de perdê-lo".

Portanto, terá o governo, daqui para a frente, de executar um trabalho paciente e demorado, objetivando restabelecer o crédito quanto à poupança. O abalo provocado pelas implicações do Plano Collor atingiu em cheio o sistema. Consequentemente, a procura à modalidade não se dará em decorrência apenas de uma propaganda bem conduzida. Há necessidade, acima de tudo, do estabelecimento de fórmulas atraentes. Deixando de lado a natureza íntima de determinadas pessoas, de gastar muito mais do que efetivamente ganham, há que se reconhecer também a existência de apreciável contingente de cidadãos com o hábito de poupar. E tanto isso é verdade que o sistema cresceu e ganhou lugar de destaque em nosso País. De lamentar-se, pois, estejam os técnicos do Ministério da Economia indecisos quanto aos rumos futuros da poupança. Ironicamente, quem mais perde com esse comportamento, no final das contas, é mesmo o próprio governo.

(Editorial publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 18 de maio de 1990)

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