Olho gordo
Pedro J. Bondaczuk
A
inveja é uma das emoções básicas, primitivas, do homem. Todos a
temos, em maior ou menor medida, embora raros admitam este fato. A
Bíblia coloca-a como a causa do primeiro homicídio ocorrido no
mundo, o de Caim, que matou Abel porque a oferenda do irmão era de
maior agrado a Deus do que a sua. Não percebia que o que importava
era o sentimento que a acompanhava e não no que ela consistia.
Faltava-lhe sinceridade e abundava antagonismo e exacerbado espírito
de competição.
O
povo, em sua simplicidade, criou uma expressão para esse sentimento:
"olho gordo". Na Idade Média, houve até quem parou em uma
fogueira por essa causa. Quando adquirimos uma casa nova, ou temos um
carrão zero quilômetro recém-saído de uma concessionária ou
qualquer outro bem de grande valor que seja símbolo de sucesso e de
elevado "status" social, e alguém os observa com
intensidade que entendemos ser maior do que a normal, é costume, até
instintivo, batermos três vezes na madeira.
Pensamos,
com isso, impedir que os "maus fluidos" do invejoso façam
com que percamos ou estraguemos os objetos a que atribuímos tanto
valor. Muitas vezes essa "inveja" sequer existe. Nosso afã
de ostentação é tão grande que passamos a fantasiar as coisas. E
o "olho gordo", nesses casos, está apenas em nossa cabeça.
Claro
que essa atitude não passa de superstição. Interessante é que
todos temos, mesmo que somente uma vez ou outra, inveja de alguém ou
de alguma coisa, mas não há quem o admita às claras e com
franqueza. "Invejoso, eu! Não! Jamais!", afirmam,
ofendidos, os que são acusados de mostrar esse sentimento, que
tentam a todo o custo disfarçar, mesmo quando sua atitude mostre o
contrário.
Essas
pessoas são capazes até de brigar por isso. Pura hipocrisia... (o
que também é normal). Quando não invejamos os bens de alguém, o
fazemos em relação à sua posição, a um seu talento que não
possuímos, ou ao seu êxito profissional, artístico ou social
(mesmo que passageiro ou ocasional) que tenha.
O
escritor norte-americano, Gore Vidal, foi mais franco. Em um artigo
que escreveu recentemente, admitiu: "Um amigo tem sucesso; algo
dentro de mim morre". E o que é esse sentimento, essa
mortificação, essa emoção intensa e negativa que expressou, senão
a velha e conhecida inveja?
Todavia,
quantos, como ele, teriam a coragem de confessar isso com tamanho
desassombro? Nossa tendência é a de passarmos sempre uma imagem
favorável aos que nos cercam, mesmo que saibamos, no íntimo, que é
falsa e artificial. Aliás, nem sempre a amizade que nos declaram (e
vice-versa) é genuína. Muitas vezes é mero coleguismo. Quando
submetida ao mais simples teste, se esboroa com facilidade.
O
poeta persa Omar Khayyam já aconselhava, em seus versos:
"Contenta-te
com poucos amigos.
Não
busques prolongar a simpatia que alguém te inspirou.
Antes
de apertares a mão de um homem,
considera
se ela um dia não se erguerá contra ti".
Na
maioria das vezes se ergue. E nos momentos em que mais precisamos de
apoio.
Confesso
(e não é para me mostrar bonzinho) que não tenho inveja dos bens
que os outros possuem, por mais preciosos que sejam, por não dar
valor às coisas, às quais nunca me apeguei, por convicção e por
temperamento. Meu apego é com pessoas. E invejo talentos que os
outros possuem e eu não. Como os músicos, por exemplo, que tocam
com maestria instrumentos que não sei sequer segurar, pois é algo
que jamais conseguirei fazer. Ou pintores e escultores, que "recriam"
o mundo com sua maravilhosa aptidão.
Embora
considere-me um escritor, não posso deixar de invejar determinados
textos que gostaria de ter escrito, mas que outros não ficaram só
na intenção e os escreveram.
Aliás,
Mário Quintana tem uns versos, intitulados "Três poemas que me
roubaram", que expressam bem o que quero dizer:
"Lá
pelas tantas menos um quarto eu suspirei num poema:/
Vontade
de escrever Sagesse de Verlaine…'
Mas
o que eu tenho vontade mesmo
é
de haver escrito a Pedra do Meio do Caminho
A
Balada & Canha, a Estrela da Manhã,
se
---
ó Musa infiel,
não
te houvessem possuído antes
Carlos,
Augusto e Manuel".
Esse
tipo de "inveja" é saudável e até recomendável.
Estimula, quem o possui, ao estudo e às tentativas de imitação dos
grandes mestres. Às vezes, isso dá certo. Na maioria dos casos,
termina em frustração.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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