Vidas
iguais
"As pessoas acreditam que suas vidas são
diferentes das demais". A afirmação é do político socialista britânico,
Harold Laski. É evidente e até redundante que nem todos vivem de maneira
absolutamente igual. A realidade de cada um depende de uma extensa série de
fatores: da classe social a que cada um pertence, da família de onde procede,
da educação que recebeu, do país em que vive, etc.
Todavia, nem por isso se pode afirmar que haja no
mundo alguém com trajetória absolutamente original. Todos compartilhamos
sonhos, alegrias, decepções, esperanças, frustrações, etc. etc. etc., com
indivíduos que têm vidas bastante semelhantes à nossa. É certo que semelhança
não significa igualdade.
Mas nem mesmo o aspecto físico garante absoluta
originalidade a quem quer que seja. São inúmeros os casos de sósias, sem que
qualquer espécie de parentesco os vincule. Isto sem falar de irmãos gêmeos univitelinos,
rigorosamente parecidos fisicamente, nos mínimos detalhes. Mas as pessoas
gostam de parecer diferentes, únicas e originais. Por que lhes tirar esse
gosto? Afinal, não passa de um pequeno, pífio, irrisório consolo à sua
efemeridade. À nossa, melhor diríamos.
Custamos a nos conformar com a nossa mortalidade.
Sentimo-nos, em nosso íntimo, como se fôssemos eternos, perenes,
indestrutíveis. Alguns, a muito custo, conscientizam-se (em geral na velhice)
que não o são. Outros nunca adquirem essa consciência.
A ilusão é um patrimônio comum das pessoas. Mesmo
que não admitamos e que não ajamos socialmente nesse sentido, secretamente nos
sentimos como "o centro do universo". Há quem se abstraia da
realidade e transporte isso para os relacionamentos do dia a dia. Sem que se
apercebam, caem em ridículo. Tornam-se alvos de chacotas, quando não até de
casos de internamento em manicômios, tachados como "paranóicos
megalomaníacos".
O escritor (e o ator) conhecem bem essa sensação de
alienação da realidade, em diversos graus. Ambos assumem --- o primeiro na hora
em que escreve seus contos, novelas, romances e peças e o segundo quando
representa no palco ou para as câmeras --- inúmeras personalidades, de
conformidade com as exigências dos enredos.
Vivemos nos iludindo, tanto nas pequenas coisas,
quanto nas essenciais. Esse é o ópio da humanidade, que torna a vida
suportável. O homem não resistiria a um único segundo da realidade pura. Ela é
como olhar de frente para o Sol. É a ilusão que nos dá motivação para fazermos
o que é necessário (e até o desnecessário).
Sei que a esta altura os que se consideram
"donos da verdade" devem estar resmungando, com ares de sabe-tudo, ao
ler estas considerações: "Esse cara é uma besta! Só escreve
bobagem!". Isto se não disser impropérios piores. Cansei de receber cartas
anônimas e telefonemas idem desses chatos, com preguiça de pensar, e que
resolvem buscar seus "quinze minutos" de fama aborrecendo figuras
públicas (importantes ou não).
Junqueira Freire tem um poema extraordinário sobre
essa questão da ilusão. O poeta diz, na última estrofe: "Iludimo-nos
todos! Concebemos/um paraíso eterno:/e quando nele sôfregos tocamos,/achamos um
inferno". Estes mundos artificiais criados pela nossa fantasia tanto podem
consistir em fortuna, prestígio ou poder, quanto em coisas mais íntimas e
sutis, como um cargo, uma honraria ou até mesmo um casamento.
Quem já não ouviu por aí (ou também não achou isso
em algum período da sua vida) a afirmação: "não posso viver sem
fulana?" Acontece que pode. Todos podem viver sem todos. Às vezes, essa
mesma pessoa, depois de cinco, dez ou vinte anos de desgaste conjugal (quando
não de meros dias), percebe a besteira que fez. Se for sensata, vai buscar
simplesmente a separação, sem maiores conflitos. Se for de índole violenta...Os
jornais estampam todos os dias tragédias ocorridas em lares destruídos.
A situação que estivermos vivendo (boa ou ruim),
certamente será igual à de centenas, de milhares ou até de milhões de outras
pessoas, com realidades semelhantes à nossa, ao redor do mundo. Até o mais
miserável dos mendigos terá a concorrer com ele outro tão indigente ou mais do
que ele em alguma parte do Planeta.
O mesmo vale em relação aos triliardários. Ou aos
que têm paixão brotando por todos os poros. Ou aos que se fazem de indiferentes
a tudo o que os cerca. E assim por diante. Por mais que isso nos fira o ego, a
verdade é que temos vidas (e muitas vezes mortes) iguais às de uma infinidade
de pessoas. Há circunstâncias em que isso pode até servir de consolo...
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