Negar ou não negar eis
a questão
Pedro
J. Bondaczuk
As palavras condicionam
nossa mente e nos fazem agir, automaticamente, de determinada forma, de acordo
com seu significado? Entendo que algumas – nem todas – tenham mesmo esse
efeito. Principalmente se tivermos o hábito de utilizá-las com grande freqüência,
até mesmo fora de contexto. O doutor Lair Ribeiro, por exemplo, mestre em
Neurolinguística, recomendou, em um de seus tantos (e úteis) livros, que
evitemos, particularmente, duas delas, por sua conotação obviamente negativa:
“não” e “nunca”. É certo que é impossível bani-las de vez do nosso vocabulário
ou mesmo do dicionário. Mas... sempre que possível, é melhor evitá-las.
Aliás, a propósito da
palavra “não”, o padre Antonio Vieira – sem favor algum, o maior estilista em
língua portuguesa – proferiu memorável sermão, o da “Terceira Quarta-feira da
Quaresma”, na Capela Real em Lisboa, num certo dia de março de 1670. De início,
utilizou a forma latina, “non”, mas na sequência, discorreu utilizando a nossa
maneira de negar as coisas, no português mais erudito e castiço, que dominou
como poucos. O polêmico sacerdote disse, a certa altura: “Terrível palavra é um
non. Não tem direito, nem avesso, por qualquer lado que a tomeis, sempre soa e
diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, é
sempre non”.
Mas o lado terrível
dessa palavra, como Vieira demonstrou, está no ato que ela simboliza.
Sentenciou: “O non... por qualquer parte que o tomeis, sempre é serpente,
sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança que é
último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há corretivo que o
modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que
confeiteis um não, sempre amarga, por mais que o enfeiteis, sempre é feio, por
mais que o doureis, sempre é de feno. Em nenhuma solfa o podeis pôr que não
seja malsoante, áspero, duro”. Há alguma imprecisão nas palavras de Vieira? De
jeito algum.
Fascina-me, sobretudo,
sua forma de dizer as coisas. Quanta elegância, quanta graça, quanta verdade
fazendo luzir a sabedoria das suas palavras!!! Não me canso de ler seus
sermões. Neles essa “última flor do Lácio, inculta e bela” torna-se muito mais
bonita: maravilhosa, esplêndida, gloriosa! Recomendo a leitura dos Sermões de
Vieira a todo o jovem que aspire a trilhar os caminhos ásperos e pedregosos da
literatura. Aliás, ela deveria, até, ser obrigatória, como paradigma de escrita
competente e criativa, com elegância, erudição, mas sem jamais perder a
simplicidade. Esse polêmico sacerdote (contudo emérito estilista) mostra que
nossa língua portuguesa é muito mais bela do que talvez pudéssemos supor.
Mas, prosseguindo em
sua explanação justificando por que essa palavrinha (que estou evitando de
utilizar nestas reflexões) é tão terrível, Vieira acrescentou: “Quereis saber
qual é a dureza de um não? A mais dura coisa que tem a vida é chegar a pedir,
e, depois de chegar a pedir, ouvir um não. Vede o que será? A língua hebraica,
que é a que falou Adão, e a que mais naturalmente significa e declara a
essência das coisas, chama, ao negar o que se pede, envergonhar a face”. E,
mais adiante, justifica a expressão. Diz: “E por que se chama envergonhar a
face negar o que se pede? Porque dizer não a quem pede é dar-lhe uma bofetada
com a língua, tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um não. Para a
necessidade dura, para a honra afrontosa e para o merecimento insofrível”.
Que estilo, que
erudição, que perícia no manejo do idioma, que sabedoria! O leitor que me
perdoe os arroubos de entusiasmo juvenil. Para mim, isso é inevitável sempre
que leio Vieira ou cito trechos de seus inspirados sermões. Sei que estas
manifestações fogem ao padrão da boa crítica. Dane-se! Muitos, provavelmente,
as considerarão exageradas. Mas sou mesmo assim: passional e contraditório. Se
já em condições normais de temperatura e pressão sou exagerado, esse exagero se
potencializa diante de escritores hábeis e competentes. E muito mais ao
referir-me a um dos maiores (para mim, o maior) estilistas de língua
portuguesa.
Mas esta palavrinha
pernóstica é terrível somente para quem a ouve? Vieira prova que ela tem igual,
ou maior dureza para quem a profere. Afirma, neste magnífico e memorável
sermão: “E se um não é tão duro para quem o ouve, creio eu que não é menor a
sua dureza para quem o diz, e tanto mais, quanto mais generoso for o coração e
mais soberano o ânimo que o houver de pronunciar”. Todavia, há circunstâncias
em que essa palavra tão terrível, em determinados casos, se torna necessária e
até indispensável. Quando? Quando somos convidados a praticar o mal. Quando nos
oferecem algo que nos vicie e nos desgrace. Quando tentam nos induzir a
prejudicar o próximo.
Não relutemos, nessas
circunstâncias, em enfatizar a negação. Vieira afirma em seu sermão: “Tão vil é
na mentira o sim, como honrado, na verdade, o não”.Manda o bom senso que
sejamos seletivos na escolha das palavras e, sobretudo, nas ações que estejam
por trás delas. Sempre que nos pedirem o que esteja ao nosso alcance dar e/ou
fazer, a negativa tem que ser excluída da nossa comunicação, se quisermos ser
virtuosos, poupando sofrimentos e humilhações ao próximo e dores de consciência
futuras a nós mesmos. Todavia, quando formos “convidados”, ou instados, ou
induzidos à prática do mal, ao vício, às taras e aberrações, não relutemos.
Respondamos com enfático, sonoro e definitivo NÃO!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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