Tuesday, September 09, 2014

Negar ou não negar eis a questão

Pedro J. Bondaczuk

As palavras condicionam nossa mente e nos fazem agir, automaticamente, de determinada forma, de acordo com seu significado? Entendo que algumas – nem todas – tenham mesmo esse efeito. Principalmente se tivermos o hábito de utilizá-las com grande freqüência, até mesmo fora de contexto. O doutor Lair Ribeiro, por exemplo, mestre em Neurolinguística, recomendou, em um de seus tantos (e úteis) livros, que evitemos, particularmente, duas delas, por sua conotação obviamente negativa: “não” e “nunca”. É certo que é impossível bani-las de vez do nosso vocabulário ou mesmo do dicionário. Mas... sempre que possível, é melhor evitá-las.

Aliás, a propósito da palavra “não”, o padre Antonio Vieira – sem favor algum, o maior estilista em língua portuguesa – proferiu memorável sermão, o da “Terceira Quarta-feira da Quaresma”, na Capela Real em Lisboa, num certo dia de março de 1670. De início, utilizou a forma latina, “non”, mas na sequência, discorreu utilizando a nossa maneira de negar as coisas, no português mais erudito e castiço, que dominou como poucos. O polêmico sacerdote disse, a certa altura: “Terrível palavra é um non. Não tem direito, nem avesso, por qualquer lado que a tomeis, sempre soa e diz o mesmo. Lede-o do princípio para o fim, ou do fim para o princípio, é sempre non”.

Mas o lado terrível dessa palavra, como Vieira demonstrou, está no ato que ela simboliza. Sentenciou: “O non... por qualquer parte que o tomeis, sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança que é último remédio que deixou a natureza a todos os males. Não há corretivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que confeiteis um não, sempre amarga, por mais que o enfeiteis, sempre é feio, por mais que o doureis, sempre é de feno. Em nenhuma solfa o podeis pôr que não seja malsoante, áspero, duro”. Há alguma imprecisão nas palavras de Vieira? De jeito algum.

Fascina-me, sobretudo, sua forma de dizer as coisas. Quanta elegância, quanta graça, quanta verdade fazendo luzir a sabedoria das suas palavras!!! Não me canso de ler seus sermões. Neles essa “última flor do Lácio, inculta e bela” torna-se muito mais bonita: maravilhosa, esplêndida, gloriosa! Recomendo a leitura dos Sermões de Vieira a todo o jovem que aspire a trilhar os caminhos ásperos e pedregosos da literatura. Aliás, ela deveria, até, ser obrigatória, como paradigma de escrita competente e criativa, com elegância, erudição, mas sem jamais perder a simplicidade. Esse polêmico sacerdote (contudo emérito estilista) mostra que nossa língua portuguesa é muito mais bela do que talvez pudéssemos supor.

Mas, prosseguindo em sua explanação justificando por que essa palavrinha (que estou evitando de utilizar nestas reflexões) é tão terrível, Vieira acrescentou: “Quereis saber qual é a dureza de um não? A mais dura coisa que tem a vida é chegar a pedir, e, depois de chegar a pedir, ouvir um não. Vede o que será? A língua hebraica, que é a que falou Adão, e a que mais naturalmente significa e declara a essência das coisas, chama, ao negar o que se pede, envergonhar a face”. E, mais adiante, justifica a expressão. Diz: “E por que se chama envergonhar a face negar o que se pede? Porque dizer não a quem pede é dar-lhe uma bofetada com a língua, tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um não. Para a necessidade dura, para a honra afrontosa e para o merecimento insofrível”.

Que estilo, que erudição, que perícia no manejo do idioma, que sabedoria! O leitor que me perdoe os arroubos de entusiasmo juvenil. Para mim, isso é inevitável sempre que leio Vieira ou cito trechos de seus inspirados sermões. Sei que estas manifestações fogem ao padrão da boa crítica. Dane-se! Muitos, provavelmente, as considerarão exageradas. Mas sou mesmo assim: passional e contraditório. Se já em condições normais de temperatura e pressão sou exagerado, esse exagero se potencializa diante de escritores hábeis e competentes. E muito mais ao referir-me a um dos maiores (para mim, o maior) estilistas de língua portuguesa.

Mas esta palavrinha pernóstica é terrível somente para quem a ouve? Vieira prova que ela tem igual, ou maior dureza para quem a profere. Afirma, neste magnífico e memorável sermão: “E se um não é tão duro para quem o ouve, creio eu que não é menor a sua dureza para quem o diz, e tanto mais, quanto mais generoso for o coração e mais soberano o ânimo que o houver de pronunciar”. Todavia, há circunstâncias em que essa palavra tão terrível, em determinados casos, se torna necessária e até indispensável. Quando? Quando somos convidados a praticar o mal. Quando nos oferecem algo que nos vicie e nos desgrace. Quando tentam nos induzir a prejudicar o próximo.


Não relutemos, nessas circunstâncias, em enfatizar a negação. Vieira afirma em seu sermão: “Tão vil é na mentira o sim, como honrado, na verdade, o não”.Manda o bom senso que sejamos seletivos na escolha das palavras e, sobretudo, nas ações que estejam por trás delas. Sempre que nos pedirem o que esteja ao nosso alcance dar e/ou fazer, a negativa tem que ser excluída da nossa comunicação, se quisermos ser virtuosos, poupando sofrimentos e humilhações ao próximo e dores de consciência futuras a nós mesmos. Todavia, quando formos “convidados”, ou instados, ou induzidos à prática do mal, ao vício, às taras e aberrações, não relutemos. Respondamos com enfático, sonoro e definitivo NÃO!!!

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