Wednesday, September 24, 2014

Conflito sem fim

Pedro J. Bondaczuk

Os instintos humanos, os referentes especificamente à vida, são dois e ambos são antagônicos. Um sempre tenta sobrepujar o outro, desde o surgimento da espécie. Do resultado final desse conflito sem fim dependerá a sobrevivência ou a extinção do Homo Sapiens. Esses instintos foram batizados, respectivamente, de “erótico” e de “tânico”, em alusão aos personagens da mitologia grega, Eros (uma espécie de deus do amor) e Thanatos (agente de destruição). Ambos estão presentes em toda a nossa vida, em cada ato que praticamos e, portanto, em nossas obras. Enquanto algumas delas são construtivas, visando a sobrevivência, como a garantia das fontes de alimento e água, a prevenção e a cura de doenças, a segurança contra qualquer tipo de ameaça à integridade física e a manutenção de condições ambientais adequadas à saúde, entre tantas, outras objetivam, somente, destruir semelhantes, não importa por qual razão (não raro, sem nenhuma).


Eros e Thanatos permanecem o tempo todo em conflito dentro do ser humano, ora com vitória de um, ora de outro. As duas grandes guerras mundiais que, juntas, causaram a extinção, de forma violenta, de pelo menos 50 milhões de indivíduos, por exemplo, representaram vitória do instinto tânico. A violência  urbana crescente, que redundou, apenas em 2012, conforme relatório da ONU, em quase meio milhão de assassinatos, foi outra. Os inúmeros conflitos armados regionais, cada vez mais sangrentos (e eles já foram por volta de mais de 500 desde 1945), são mais uma derrota de Eros.

A sobrevivência humana, quer no âmbito individual, quer no coletivo, sofre, portanto, constantemente, ameaças de toda a sorte. Entre estas, estão as várias epidemias, poderosas aliadas de Thanatos. A peste negra, por exemplo, que dizimou, no século XIII (se não me falha a memória) praticamente dois terços da população mundial de então, foi uma das mais dramáticas e terríveis ameaças. Por pouco, por muito pouco não eliminou nossa espécie do Planeta. Por enquanto, porém, Eros consegue prevalecer. A despeito das mortes citadas, em decorrência da violência e das várias doenças, a população mundial não pára de crescer. É certo que os pessimistas vêem, nesse crescimento, mais uma e insidiosa armadilha de Thanatos. Estes não cogitam de soluções para acomodar tantos seres humanos e pensam somente em expedientes mortais.

Quando a missão Apolo desceu homens na Lua, que exploraram parte de nosso satélite, na década de 70, foram despertadas esperanças grandiosas na humanidade, de dias gloriosos para a espécie. Parecia se desenhar decisiva vitória de Eros. No entanto, a corrida armamentista passou a falar mais alto. E as verbas destinadas (ou que deveriam ter este destino) à exploração espacial, acabaram sendo desviadas para a pesquisa e construção de engenhos destrutivos cada vez mais letais e devastadores. Dessa vez, portanto, o instinto “tânico” ganhou mais uma batalha sobre o “erótico”. Outras, vencidas por ele, têm sido a insensata destruição da natureza, o egoísmo crescente que condena milhões de indivíduos à miséria, à fome, ao desespero e um hedonismo estúpido, na base do “aqui e agora”, que tira das pessoas a visão de grandeza, o sonho da aventura, a coragem de aceitar desafios.

Apesar de todas estas coisas, no entanto, Eros prevalece. A população mundial já passa dos 7 bilhões. Na China, todos os programas de controle da natalidade falharam e o país, que contava chegar ao ano 2000 com 1,1 bilhão de habitantes, atingiu (estatisticamente) a incrível cifra de 1,37 bilhão. Para muitos, o explosivo aumento populacional é sinônimo de miséria, de dificuldades, de aperto, de esgotamento dos recursos do Planeta e de farta poluição. No terreno prático, com as coisas postas como estão atualmente, quando ninguém quer dividir nada com ninguém, às vezes nem com os filhos, é isto realmente o que nos espera. Mas se o homem usar seu imenso potencial de inteligência de forma ousada; se permitir que o instinto erótico fale mais alto e se conseguir sufocar o tânico; se der rédeas à imaginação e se dispuser a concretizar seu sonho, poderá operar maravilhas e acomodar bilhões de novos passageiros na espaçonave Terra..

A palavra “viver” traz, implícita, dezenas de outros verbos vinculados, como amar, sofrer, sorrir, chorar, lutar, vencer e tantos e tantos outros. E morrer? Quais verbos se lhe associam? Apodrecer? Se decompor? Desaparecer? Sei lá! Há, todavia, não sei por que cargas d’água (é outra coisa que jamais consegui entender) pessoas que virtualmente não vivem, mas se limitam a “existir”, o que é bem diferente. Fogem dos sentimentos, economizam ações, ignoram a solidariedade, repudiam a cooperação e se julgam merecedoras apenas de vantagens e de proteção, sem que façam nada para justificar esse suposto merecimento. Estas, mesmo que não saibam, estão perdendo a batalha para Thanatos. Aliás, são suas aliadas, mesmo que à revelia.

Se o amor não for manifestado com todos os sentidos, sem condicionamentos e nem restrições, por quem assegura nos amar (e por nós, em relação a essa pessoa), mas apenas com simples palavras, e ás vezes nem isso, será, certamente, outra artimanha do instinto de destruição, no intento de nos enredar e nos destruir. Será, de fato, o sentimento oposto ao que pareça ser, ou seja, o ódio. Será Thanatos, camuflado de Eros. Quem vencerá este conflito, que determinará o destino da nossa espécie? Encontraremos formas de perpetuar a vida, multiplicando-a, sem que essa multiplicação signifique riscos para todos? Ou nos destruiremos todos, algum dia, engalfinhados selvagemente na disputa de alimentos, água, espaço e ar? Como saber?


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