Resgate como fruto do
acaso
Pedro
J. Bondaczuk
A primeira vez em que
ouvi e li o nome de Virgínia Woolf não teve nada a ver com Literatura. Pelo
menos não especificamente. Na ocasião, sequer sabia que ela foi escritora.
Aliás, desconhecia, até, que tivesse “existido”. Foi há muito tempo, lá pelos
idos de meados dos anos 60 do século passado (se não me engano, foi em 1968).
Na ocasião, um filme, então muito badalado, estava em exibição na cidade, aqui
em Campinas, protagonizado pelo casal Elizabeth Taylor e Richard Burton. Eu era
na oportunidade o que se pode classificar de “cinéfilo”, posto que não tão
fanático quanto alguns integrantes do meu círculo de amigos, jovens
universitários antenados em tudo o que se referisse à sétima arte. Colecionava
críticas, lia, avidamente, a publicação “Cahiers Du cinema” tão em voga na
ocasião e não perdia nenhuma das grandes produções cinematográficas, quer de
Hollywood, quer as francesas, italianas ou suecas.
O filme em questão era
“Quem tem medo de Virgínia Woolf?”. Baseava-se na peça teatral, do mesmo nome,
de Edward Albee, que vim a assistir anos depois. Apesar de relativamente
“cinéfilo”, se é que me possa classificar assim com essa relatividade, minha
preferência, em termos de dramaturgia, era, e ainda é (mais do que nunca) pelo
teatro. Uma coisa me intrigou na ocasião: qual a razão do filme ter esse nome,
se Virgínia Woolf não aparecia no enredo em momento algum, sequer por mera
referência de algum personagem? Fiquei matutando: “Quem é essa mulher? O que
ela faz? Existiu de fato ou foi um nome qualquer que veio, subitamente, à
cabeça do autor da história?
Foi só então,
pesquisando em arquivos e bibliotecas, que cheguei primeiro à obra, e na
sequência, à biografia de Virgínia Woolf. Hoje posso afirmar, sem medo de
contestações, que conheço tanto a seu respeito quando os que conviveram com
ela. Exageros à parte., claro Muito tempo depois descobri que Albee fez uma
brincadeira, por aproximação, com o nome
de Virgínia. Suprimiu um “o” do seu sobrenome e obteve a palavra “wolf” que em
inglês significa “lobo”. Ainda assim, não entendia a razão do nome que deu à
peça.
Foi em uma revista
norte-americana, na “Time”, que fiquei sabendo que Albee pretendeu parodiar a
célebre canção infantil “Quem tem medo do lobo mau?”. Ainda assim, o título da
peça (transformada em filme) não tem nada, rigorosamente nada a ver com o
enredo. E muito menos com Virgínia. Todavia, por vias transversas, o autor
trouxe à baila a escritora inglesa, que andava um tanto esquecida. Despertou a
curiosidade em muita gente – e em mim também, claro – ávida por saber quem era
essa figura, supostamente temível, que emprestou o nome a uma peça, adaptada
para um filme de cinema, ambos de tanto sucesso.
Para que o leitor tenha
uma idéia do êxito dessa produção cinematográfica – dirigida por Mike Nichols,
tendo, nos principais papeis Elizabeth Taylor, Richard Burton, George Segall e
Sandy Dennis – basta dizer que foi indicada para onze categorias do Oscar em
1967. Ganhou cinco estatuetas: melhor atriz (Elizabeth Taylor), melhor atriz
coadjuvante (Sandy Dennis), melhor fotografia preto e branco (Haskel Wexler),
melhor figurino preto e branco e melhor direção de arte preto e branco. Obteve,
ainda, outros prêmios importantes, como o Bafta, do Reino Unido, de 1967 e o
Globo de Ouro do mesmo ano.
Premiação maior,
todavia, foi a de Virgínia Woolf, trazida à baila, com tamanho estardalhaço, em
um filme de tamanha bilheteria mundo afora (está entre os mais assistidos de
todos os tempos). Isso sem falar na peça que lhe deu origem, encenada nos
principais teatros das grandes metrópoles mundiais até os dias atuais. E isso
sem precisar ter feito nada, rigorosamente nada, a não ser ter “existido”. Não
precisou, no caso, ter escrito coisa alguma, ter cometido as maluquices que
cometeu, ter violado os padrões morais da sua época. Em suma, não fez nada,
nada, nada para ser “ressuscitada”.
Seu nome deve ter vindo
à mente de Edward Albee por acaso, quando este estava à procura de um título
para sua peça. Se foi ou não, ninguém sabe. O autor jamais revelou o que o
levou a denominar sua produção teatral daquela maneira. A única certeza que se
tem, e que é óbvia, é que ele pelo menos já ouvira pelo menos falar de Virgínia
Woolf (provavelmente, até, leu algum de seus livros). Objetivamente, isso nada
tem a ver com a biografia da escritora inglesa. Merece, porém, citação, por
haver despertado a curiosidade do mundo sobre quem foi essa figura. Se eu me
interessei em saber de quem se tratava, é provável que alguns milhares de amantes
de literatura tiveram o mesmíssimo interesse. Eis aí o dedo do acaso,
circunstância que tanto cito em meus textos, atuando para resgatar a memória de
alguém, que não merecia e nem merece ser esquecido.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment