Monday, September 29, 2014

Resgate como fruto do acaso

Pedro J. Bondaczuk

A primeira vez em que ouvi e li o nome de Virgínia Woolf não teve nada a ver com Literatura. Pelo menos não especificamente. Na ocasião, sequer sabia que ela foi escritora. Aliás, desconhecia, até, que tivesse “existido”. Foi há muito tempo, lá pelos idos de meados dos anos 60 do século passado (se não me engano, foi em 1968). Na ocasião, um filme, então muito badalado, estava em exibição na cidade, aqui em Campinas, protagonizado pelo casal Elizabeth Taylor e Richard Burton. Eu era na oportunidade o que se pode classificar de “cinéfilo”, posto que não tão fanático quanto alguns integrantes do meu círculo de amigos, jovens universitários antenados em tudo o que se referisse à sétima arte. Colecionava críticas, lia, avidamente, a publicação “Cahiers Du cinema” tão em voga na ocasião e não perdia nenhuma das grandes produções cinematográficas, quer de Hollywood, quer as francesas, italianas ou suecas.

O filme em questão era “Quem tem medo de Virgínia Woolf?”. Baseava-se na peça teatral, do mesmo nome, de Edward Albee, que vim a assistir anos depois. Apesar de relativamente “cinéfilo”, se é que me possa classificar assim com essa relatividade, minha preferência, em termos de dramaturgia, era, e ainda é (mais do que nunca) pelo teatro. Uma coisa me intrigou na ocasião: qual a razão do filme ter esse nome, se Virgínia Woolf não aparecia no enredo em momento algum, sequer por mera referência de algum personagem? Fiquei matutando: “Quem é essa mulher? O que ela faz? Existiu de fato ou foi um nome qualquer que veio, subitamente, à cabeça do autor da história?

Foi só então, pesquisando em arquivos e bibliotecas, que cheguei primeiro à obra, e na sequência, à biografia de Virgínia Woolf. Hoje posso afirmar, sem medo de contestações, que conheço tanto a seu respeito quando os que conviveram com ela. Exageros à parte., claro Muito tempo depois descobri que Albee fez uma brincadeira, por aproximação, com  o nome de Virgínia. Suprimiu um “o” do seu sobrenome e obteve a palavra “wolf” que em inglês significa “lobo”. Ainda assim, não entendia a razão do nome que deu à peça.

Foi em uma revista norte-americana, na “Time”, que fiquei sabendo que Albee pretendeu parodiar a célebre canção infantil “Quem tem medo do lobo mau?”. Ainda assim, o título da peça (transformada em filme) não tem nada, rigorosamente nada a ver com o enredo. E muito menos com Virgínia. Todavia, por vias transversas, o autor trouxe à baila a escritora inglesa, que andava um tanto esquecida. Despertou a curiosidade em muita gente – e em mim também, claro – ávida por saber quem era essa figura, supostamente temível, que emprestou o nome a uma peça, adaptada para um filme de cinema, ambos de tanto sucesso.

Para que o leitor tenha uma idéia do êxito dessa produção cinematográfica – dirigida por Mike Nichols, tendo, nos principais papeis Elizabeth Taylor, Richard Burton, George Segall e Sandy Dennis – basta dizer que foi indicada para onze categorias do Oscar em 1967. Ganhou cinco estatuetas: melhor atriz (Elizabeth Taylor), melhor atriz coadjuvante (Sandy Dennis), melhor fotografia preto e branco (Haskel Wexler), melhor figurino preto e branco e melhor direção de arte preto e branco. Obteve, ainda, outros prêmios importantes, como o Bafta, do Reino Unido, de 1967 e o Globo de Ouro do mesmo ano.

Premiação maior, todavia, foi a de Virgínia Woolf, trazida à baila, com tamanho estardalhaço, em um filme de tamanha bilheteria mundo afora (está entre os mais assistidos de todos os tempos). Isso sem falar na peça que lhe deu origem, encenada nos principais teatros das grandes metrópoles mundiais até os dias atuais. E isso sem precisar ter feito nada, rigorosamente nada, a não ser ter “existido”. Não precisou, no caso, ter escrito coisa alguma, ter cometido as maluquices que cometeu, ter violado os padrões morais da sua época. Em suma, não fez nada, nada, nada para ser “ressuscitada”.

Seu nome deve ter vindo à mente de Edward Albee por acaso, quando este estava à procura de um título para sua peça. Se foi ou não, ninguém sabe. O autor jamais revelou o que o levou a denominar sua produção teatral daquela maneira. A única certeza que se tem, e que é óbvia, é que ele pelo menos já ouvira pelo menos falar de Virgínia Woolf (provavelmente, até, leu algum de seus livros). Objetivamente, isso nada tem a ver com a biografia da escritora inglesa. Merece, porém, citação, por haver despertado a curiosidade do mundo sobre quem foi essa figura. Se eu me interessei em saber de quem se tratava, é provável que alguns milhares de amantes de literatura tiveram o mesmíssimo interesse. Eis aí o dedo do acaso, circunstância que tanto cito em meus textos, atuando para resgatar a memória de alguém, que não merecia e nem merece ser esquecido.


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