Injustiças
sociais são maior ameaça
Pedro J. Bondaczuk
O
fim da guerra fria, com a espetacular revolução pacífica que se verificou no
Leste europeu, particularmente a partir de 1989, despertou um clima de
exagerado otimismo, até mesmo de euforia, em certos círculos do Ocidente,
ampliado pela mídia, em especial a televisiva.
A
vitória aliada sobre o Iraque --- que se configurou apenas no campo militar,
mas não no político-estratégico --- na guerra do Golfo Pérsico aumentou ainda
mais esse sentimento, passando por cima do principal conflito mundial, que não
se restringia à mera confrontação ideológica que caracterizou as relações
internacionais a partir de 1945 e nem à contínua desavença árabe-israelense no
Oriente Médio. Trata-se do choque cultural entre dois mundos diferentes, duas
concepções de vida, dois estágios de civilização: Norte e Sul.
As
diferenças regionais, longe de serem reduzidas, ampliaram-se de forma dramática
na duríssima década de 1980 para os Estados chamados genericamente de subdesenvolvidos,
termo que estranhamente começa a cair em desuso, embora o subdesenvolvimento
--- para não falar estagnação e até regressão --- ainda seja uma perigosa
realidade.
O
ex-presidente norte-americano Jimmy Carter há 15 anos já vislumbrava
corretamente onde residia o perigo para o um terço rico da humanidade, que cada
vez se importa menos com os dois terços miseráveis.
Num
texto publicado na revista "Le Monde Diplomatique", em novembro de
1976, o então recém eleito governante da maior potência do Planeta previu:
"É muito provável que num futuro próximo o problema da paz e da guerra
estará mais relacionado com os problemas econômicos e sociais entre o Norte e o
Sul, do que com os problemas de segurança militar entre o Leste e o Oeste, que
dominaram as relações internacionais desde a Segunda Guerra Mundial".
Ressalte-se
que nessa ocasião sequer se cogitava do surgimento de um Mikhail Gorbachev no
cenário europeu e nem mesmo no soviético. Neste tempo, o criador da perestroika
recém iniciava sua vivência no terceiro ou quarto escalão da burocracia do
Partido Comunista.
As
superpotências arreganhavam os dentes uma para a outra e aceleravam a corrida
armamentista nuclear ao seu grau máximo. As manchetes dos grandes jornais do
mundo caracterizavam-se por ameaças mútuas dos Estados Unidos e da URSS,
veladas ou ostensivas, e o "guarda-chuva atômico" pesava sobre as
cabeças das pessoas como uma sinistra "espada de Damocles", presa por
um único e frágil fio de cabelo. Mas já então era evidente onde residia o
verdadeiro perigo.
Será
que o risco acabou? Será que o Terceiro e o Quarto Mundos vão se conformar em
ser, perpetuamente, o que o jornalista uruguaio, Eduardo Galeano, classifica de
"mercadorias"? Esse lúcido analista da realidade escreveu: "Da
telinha de um computador decide-se a boa ou má sorte de milhões de seres
humanos. Na era das superempresas e da supertecnologia, uns são mercadores e
outros somos mercadorias. A magia do mercado fixa o valor das coisas e das
pessoas".
A
isso podemos acrescentar a declaração do filósofo francês Michel Serres, numa
entrevista que concedeu ao suplemento "Cultura" do jornal "O
Estado de São Paulo": "As crises que sacudiram o mundo nos últimos
meses mostraram que o desaparecimento da oposição Leste-Oeste não propiciará um
mundo exatamente unido. Na verdade, essa oposição há dez anos vinha decrescendo
em intensidade, sendo paulatinamente substituído por uma outra oposição: a
Norte e Sul, entre países ricos e países pobres. É um horizonte igualmente
trágico. Essa tensão é até mais trágica que a anterior".
(Artigo
publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 13 de junho de
1991).
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