Indivisibilidade do
tempo e da vida
Pedro
J. Bondaczuk
“O tempo é
indivisível”. Quem fez essa afirmação não foi nenhum cientista (um Albert
Einstein, por exemplo, que lidou com esse conceito em sua Teoria da
Relatividade) e nem um filósofo, contemporâneo ou dos primórdios da Filosofia.
Foi um poeta. Foi Mário Quintana, em seu “Pequeno poema didático”, publicado no
livro “Apontamentos de História Sobrenatural”, datado de 1976. E ele estava
errado? Entendo que não.
O tempo é uma
abstração. Sua divisão, entre passado, presente e futuro, é meramente
simbólica. Foi feita – embora não se saiba por quem – para melhor entendimento
de sua passagem. A mesma coisa se pode dizer sobre anos, meses, semanas, dias,
horas, minutos e segundos. São, todas, meras convenções humanas, que servem
para que os homens organizem suas atividades. Até não faz muito, não eram
sequer padronizadas. Daí existirem tantos calendários, a maioria dos quais,
hoje, em nosso mundo globalizado, não passe de mera curiosidade.
Conceitualmente, porém, Quintana está certíssimo. O tempo é, mesmo,
indivisível.
Essa indivisibilidade é
mais ampla. Envolve nossa vida. Costumamos dividi-la, e nem mesmo sei por que,
em etapas de desenvolvimento: infância, juventude, maturidade e velhice.
Todavia, ela constitui uma unidade, posto que com começo, meio e fim. Sua
duração varia, de acordo com as circunstâncias de cada um. Para uns, dura só
dias, quando não horas. Para outros (raros) pode ultrapassar um século.
Quintana considera a vida, também, indivisível, no que concordo. Por que? Não
sei explicar a razão dessa concordância. Ela prende-se, sobretudo, à intuição.
Intuo essa indivisibilidade.
Do que não tenho
nenhuma certeza – creio que ninguém a tenha –, embora também intua, é quanto à
“finalidade” da vida. Existe alguma? Qual? Claro que tenho um conjunto de
crenças que me foram, inicialmente, incutidos pelos que me educaram. Na
sequência, mediante o raciocínio e a análise, consolidei algumas e contestei
outras tantas, fundamentando ou não essas convicções. Aliás, isso ocorre não
somente comigo, mas com milhões, quiçá bilhões de pessoas, mundo e tempo afora.
Carecemos de certezas e somos inundados por milhões de dúvidas, que nossos
ancestrais não conseguiram dirimir e que é provável que nós também não
consigamos.
O mundo divide-se entre
os que crêem na beleza e na transcendência da vida, e que ela extrapola o que
meramente se vê e se toca, e os que acreditam, apenas, no que é material e
palpável. Está dividido, portanto, entre os que têm fé e os céticos. Estes dois
grandes grupos têm, claro, infinitas variações, mas somente na intensidade, e
não em eventual variedade de crenças. Há quem acredite, por exemplo, que a vida
tem objetivo mais nobre do que simplesmente o de existir por existir. Acreditam
na sobrevivência de uma parte imaterial que temos, que chamam de alma, que
sobreviveria independente do corpo, dessa nossa forma animal de carne, osso,
sangue, vísceras etc.
Mesmo essa crença,
todavia, não é uniforme. Uns crêem que o “espírito” sobrevivente passe por um
“julgamento” dos atos praticados enquanto animou esse nosso perecível corpo. Os
que foram virtuosos, solidários, construtivos, em suma, bons, gozariam de
eternas delícias em um paraíso alhures. Já os maus... expiariam suas faltas,
antes de serem, finalmente, destruídos. Outros crêem em reencarnação. Ou seja,
que as almas recalcitrantes e más voltariam em forma material, posto que em
outro corpo, com novas oportunidades de se redimirem. Há, até, quem creia que
esse retorno ocorreria no organismo de outro ser vivente que não o homem,
animal ou mesmo inseto. Não quero, aqui, estabelecer juízo de valor. O fato de
não acreditar nessas coisas não quer dizer que me sinta dono da verdade. E, se
me sentisse (o que não é o caso), guardaria esse sentimento só para mim. As
crenças são muito pessoais, particulares.
Albert Einstein, no
livro “Como vejo a vida”, escreveu: “Existem apenas duas maneiras de ver a
vida. Uma é pensar que não existem milagres e a outra é que tudo é um milagre”.
Por tudo o que escreveu e falou, o pai da “Teoria da Relatividade” via a vida
da segunda maneira. Ou seja, que desde um mísero grão de areia, à maior das
galáxias do universo, tudo, sem nenhuma exceção, é um fantástico e
inquestionável milagre. Esta é a forma como, também, encaro a vida! Daí
atribuir-lhe tamanho valor. Sei que já escrevi sobre isso, e com essas mesmas
palavras, mas creio que aqui caiba a reiteração.
Para não deixá-lo,
paciente leitor, no ar, partilho o poema de Mário Quintana que citei (e que
suscitou essas reflexões), que merece, não apenas, ser lido com atenção, mas
ser analisado pelo tanto de verdade que contém:
Pequeno poema didático
“O
tempo é indivisível. Dize,
qual
o sentido do calendário?
Tombam
as folhas e fica a árvore,
contra
o vento incerto e vário.
A
vida é indivisível. Mesmo
a
que se julga mais dispersa
e
pertence a um eterno diálogo
a
mais inconseqüente conversa.
Todos
os poemas são um mesmo poema,
todos
os porres são o mesmo porre,
não
é de uma vez que se morre...
Todas
as horas são horas extremas...
E
todos os encontros são adeuses”
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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