Pobre
cidade rica
Pedro J. Bondaczuk
A cada nova pesquisa sobre o
atual quadro social brasileiro, fica mais e mais nítido o retrato de um país
que ainda não encontrou seu verdadeiro caminho. Na semana passada, um trabalho
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostrou as
carências de um povo sofrido que, salvo pequenos grupos, em sua maioria
esmagadora, vive em autênticos e insalubres buracos, come mal, recebe salários
baixíssimos quando está trabalhando, não tem condições de freqüentar a escola
(pelo menos até o final do curso básico) e vê sua situação piorando a cada ano,
a cada novo governo, a cada novo modelo econômico.
Esta semana, a Fundação Sistema
Estadual de Análise de Dados (Seade) revelou qual é a qualidade de vida dos habitantes
da terceira maior cidade do mundo e a mais rica metrópole brasileira: São
Paulo. Como no caso do IBGE, o “retrato social” em questão já está meio
distorcido. Os dados referem-se a 1990. São, portanto, defasados em pelo menos
dois anos e meio. Exatamente os piores dos últimos tempos.
Não abrangem o período da
desastrosa passagem pelo poder de um pretenso “caçador de marajás” e “protetor
dos descamisados”, que equivaleu, em estragos para o País, aos efeitos de um
devastador terremoto. Ainda assim, os números são assustadores e convém que as
pessoas com poder de decisão, que ainda esperam e trabalham para a construção
de uma sociedade senão perfeita, pelo menos mais justa, reflitam sobre o seu
significado.
A pesquisa da Seade concluiu,
entre outras coisas, que na metrópole que é o carro-chefe do País, responsável
por quase metade da geração de riquezas brasileiras, 11,3% das famílias (cerca
de 450 mil das 3,914 milhões que moram na cidade) são completamente miseráveis.
Ou seja, por volta de 1,681 milhão de seus habitantes estão, tecnicamente,
pelos parâmetros internacionais, abaixo da linha de pobreza.
Contam carência simultânea de
moradia, de instrução, de emprego e de renda. São os deserdados da sorte, para
não dizer as vítimas da irresponsabilidade dos políticos que lutam pelo poder
apenas como forma de autoglorificação e não para prestar um serviço público.
Não é de se estranhar, por isso,
o aumento da criminalidade, não apenas em São Paulo , mas no restante do País, onde a
situação é muito mais grave. Cada escola que se deixa de construir corresponde
à necessidade de construção de um presídio no futuro. Cada criança que, por uma
razão ou por outra, é forçada a ficar fora de uma sala de aula, será um
problema social (ou policial) a mais dentro de cinco, dez ou 15 anos, se tanto.
De nada vale o presidente Itamar
Franco apregoar aos quatro ventos que a sua prioridade é o combate à miséria. O
tempo dos discursos já passou. O momento é de decisões. Ler nos jornais e
assistir na televisão noticiários sobre a fome na Somália, no Sudão, em
Moçambique, na Etiópia ou em outros países assolados freqüentemente pelas secas
e pelas guerras é uma coisa. Outra, completamente diferente é ter esse
problema, numericamente muito mais expressivo, ao nosso redor.
Se falta senso de solidariedade à
nossa sociedade, tida e havida como individualista e egocêntrica, que haja,
pelo menos, o de oportunismo. Que se erradique a miséria não por um sentimento
de bondade – que isso seria pedir demais – mas para evitar que a violência, gerada
pelo desespero, um dia destrua a todos nós.
(Artigo publicado na página 2,
Opinião, do Correio Popular, em 2 de abril de 1993).
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