Tuesday, September 16, 2014

Pobre cidade rica

Pedro J. Bondaczuk

A cada nova pesquisa sobre o atual quadro social brasileiro, fica mais e mais nítido o retrato de um país que ainda não encontrou seu verdadeiro caminho. Na semana passada, um trabalho divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostrou as carências de um povo sofrido que, salvo pequenos grupos, em sua maioria esmagadora, vive em autênticos e insalubres buracos, come mal, recebe salários baixíssimos quando está trabalhando, não tem condições de freqüentar a escola (pelo menos até o final do curso básico) e vê sua situação piorando a cada ano, a cada novo governo, a cada novo modelo econômico.

Esta semana, a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) revelou qual é a qualidade de vida dos habitantes da terceira maior cidade do mundo e a mais rica metrópole brasileira: São Paulo. Como no caso do IBGE, o “retrato social” em questão já está meio distorcido. Os dados referem-se a 1990. São, portanto, defasados em pelo menos dois anos e meio. Exatamente os piores dos últimos tempos.

Não abrangem o período da desastrosa passagem pelo poder de um pretenso “caçador de marajás” e “protetor dos descamisados”, que equivaleu, em estragos para o País, aos efeitos de um devastador terremoto. Ainda assim, os números são assustadores e convém que as pessoas com poder de decisão, que ainda esperam e trabalham para a construção de uma sociedade senão perfeita, pelo menos mais justa, reflitam sobre o seu significado.

A pesquisa da Seade concluiu, entre outras coisas, que na metrópole que é o carro-chefe do País, responsável por quase metade da geração de riquezas brasileiras, 11,3% das famílias (cerca de 450 mil das 3,914 milhões que moram na cidade) são completamente miseráveis. Ou seja, por volta de 1,681 milhão de seus habitantes estão, tecnicamente, pelos parâmetros internacionais, abaixo da linha de pobreza.

Contam carência simultânea de moradia, de instrução, de emprego e de renda. São os deserdados da sorte, para não dizer as vítimas da irresponsabilidade dos políticos que lutam pelo poder apenas como forma de autoglorificação e não para prestar um serviço público.

Não é de se estranhar, por isso, o aumento da criminalidade, não apenas em São Paulo, mas no restante do País, onde a situação é muito mais grave. Cada escola que se deixa de construir corresponde à necessidade de construção de um presídio no futuro. Cada criança que, por uma razão ou por outra, é forçada a ficar fora de uma sala de aula, será um problema social (ou policial) a mais dentro de cinco, dez ou 15 anos, se tanto.

De nada vale o presidente Itamar Franco apregoar aos quatro ventos que a sua prioridade é o combate à miséria. O tempo dos discursos já passou. O momento é de decisões. Ler nos jornais e assistir na televisão noticiários sobre a fome na Somália, no Sudão, em Moçambique, na Etiópia ou em outros países assolados freqüentemente pelas secas e pelas guerras é uma coisa. Outra, completamente diferente é ter esse problema, numericamente muito mais expressivo, ao nosso redor.

Se falta senso de solidariedade à nossa sociedade, tida e havida como individualista e egocêntrica, que haja, pelo menos, o de oportunismo. Que se erradique a miséria não por um sentimento de bondade – que isso seria pedir demais – mas para evitar que a violência, gerada pelo desespero, um dia destrua a todos nós.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 2 de abril de 1993).


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