Tuesday, September 09, 2014

Justo reconhecimento a um pacifista


Pedro J. Bondaczuk


O Prêmio Nobel da Paz foi atribuído, com rara justiça, neste ano, a um pacifista negro, ferrenho opositor do apartheid na África do Sul, mas que tem, como linha de ação, princípios semelhantes aos adotados pelo Mahatma Gandhi, na Índia: bispo Desmond Tutu. Ou seja, a resistência civil.

Há 20 anos, desde quando, em 1964, o reverendo norte-americano Martin Luther King conquistou essa honraria, nenhum seguidor dessa forma de luta contra a discriminação de raças, havia conseguido essa façanha.

Dos Prêmios Nobel, o mais controvertido, sem dúvida alguma, é o da Paz. Tanto que é o único a ser atribuído por uma entidade política, o Parlamento da Noruega. Traz, inclusive no nome, uma grande contradição. E explico porque. Alfred Bernard Nobel, cujos rendimentos das aplicações de sua fortuna deixados em testamento para serem distribuídos às pessoas que se distingam em diversos campos de atuação em favor do homem, não pode ser chamado, rigorosamente, de um pacifista.

Afinal, foi ele o inventor da dinamite, que modificou os conceitos da guerra, tornando esse exercício da insensatez muito mais destrutivo do que antes da sua descoberta. Credita-se a esse sueco, também, a invenção da gelatina explosiva, com farto uso bélico até algum tempo atrás.

Raramente o Prêmio Nobel da Paz tem agradado a gregos e troianos. Muitos críticos, por exemplo, consideram uma heresia a sua concessão a Henry Kissinger e a Lê Duc Tho, em 1973, e a Anawar Sadat e Menechen Begin, em 1978, a despeito do sucesso de suas respectivas negociações, que redundaram no fim na guerra do Vietnã e na pacificação de egípcios e israelenses.

As críticas, todavia, não são tanto quanto aos prêmios concedidos, mas em relação aos omitidos. Não se concebe que um Mahatma Gandhi não tenha sido sequer lembrado, no ano de 1947. Em 1948, quando o Nobel da Paz não foi dado a ninguém, já seria tarde demais atribuí-lo a esse grande líder, pois o pai da nação indiana foi assassinado, exatamente em virtude dos princípios que sempre defendeu, logo no início desse ano, no dia 30 de janeiro. E há muitos outros esquecidos célebres, que até dispensam menção, de tão óbvios.

Se no ano passado o Parlamento norueguês já havia agido certo, premiando o valente e obstinado líder sindical polonês, Lech Walesa, no corrente fez prevalecer a coerência e reconheceu, não apenas a justiça da causa defendida pelo bispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, mas, principalmente, dos seus métodos, compatíveis, em todos os momentos, com a sua pregação. Este era o Nobel mais aguardado do ano e seu ganhador, convenhamos, não poderia ter sido melhor selecionado do que foi.       

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 17 de outubro de 1984)


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