Friday, September 26, 2014

Vida e obra insólitas e marcantes

Pedro J. Bondaczuk

A Literatura, entre outras atividades, principalmente intelectuais, apresenta algumas situações no mínimo pitorescas em relação aos seus agentes, ou seja, aos escritores. Diversos deles têm vidas muito mais interessantes para os leitores do que as obras que legaram à posteridade. Ou seja, são personagens mais complexos e duradouros do que os frutos de sua imaginação, os que criam (caso sejam ficcionistas), para viverem os enredos que imaginam. Propiciam biografias notáveis (caso alguém as escreva), pelos episódios cômicos ou trágicos ou tragicômicos (o que é mais comum) que protagonizaram. Se ninguém os biografou, está aí uma oportunidade rara para quem domine esse gênero e escreva, pelo menos, relativamente bem. É sucesso na certa.

Há, também, outro grupo de escritores cujas vidas e cujas obras rivalizam em interesse. É o caso da inglesa Virgínia Woolf, hoje um tanto esquecida, mas de quem não consigo me esquecer. Sua biografia é uma novela com todos os ingredientes para manter o público polarizado, à espera do próximo capítulo e principalmente do desfecho. Para uns, foi simplesmente uma “louca” – aliás, ela admitiu sua loucura, na carta de despedida que deixou ao marido antes de cometer suicídio – enquanto que para outros foi um “gênio”, quer literário, quer empresarial, já que era proprietária de uma editora, junto com o marido. Vá se saber! Afinal, é sumamente tênue a linha divisória entre a genialidade e a loucura. Em ambos os casos, as pessoas são rigorosamente anormais. Na primeira situação, ostentam capacidade de raciocínio muito superior à das pessoas comuns. Já no segundo...

Até hoje, não sei como classificar essa figura insólita. Quer em sua vida, quer nos livros que escreveu e publicou, há manifestações tanto de genialidade, quanto de absoluta ausência de lucidez. Uma coisa não se pode negar. Virgínia Woolf manifestou, desde menininha, claros sinais de instabilidade emocional e psicológica. Por exemplo, manteve relacionamentos homossexuais, sem, contudo, haver envolvimento de sexo. Como? Foi apaixonadíssima por duas mulheres diferentes, posto que sua paixão fosse, “apenas”, platônica. Isso é normal? Óbvio que não. Aliás, detestava sexo. Foi  mulher frígida, embora casada com o também escritor e editor Leonard Woolf a quem amava mais do que a qualquer outra pessoa, como confessou em sua dramática carta de despedida. Alguns biógrafos chegam a insinuar que o casal jamais manteve relações sexuais. Prefiro acreditar na versão do pacientíssimo marido, autor de excelente autobiografia, de que fazia sexo, sim, com a mulher, mas jamais a levou ao prazer carnal. Esta era, e manteve-se assim por toda a vida, irrevogavelmente frígida.

A biografia mais completa dessa escritora e empresária inglesa, nascida em Londres, em 25 de janeiro de 1882, batizada como Adelina Virgínia Stephen, foi escrita por seu sobrinho Quentin Bell, filho de sua irmã Vanessa e do escritor Clive Bell (tido e havido como uma espécie de Don Juan inglês, um incorrigível “rabo de saia”). O livro, intitulado “Virgínia Woolf: uma biografia (1882-1941)”, foi lançado no Brasil pela Editora Guanabara, com tradução de Lya Luft. Para os leitores (digamos) mais preguiçosos, esse volume avantajado, de 613 páginas, provavelmente os desanimará da leitura, dada sua extensão. Quem desanimar, porém, perderá uma das narrativas mais deliciosas e bem escritas nesse gênero de literatura.

O estilo de Bell é dos mais atrativos e a personagem enfocada nem é preciso enfatizar:  é original, fascinante e interessantíssima. Ademais, o livro está repleto de belíssimas fotografias, como lembra o jornalista e historiador Euler França Belém, em seu extenso e meticuloso texto a respeito da escritora inglesa, publicado na Revista Bula (WWW.revistabula.com), que recomendo aos meus leitores. Virgínia teve a quem puxar. Afinal, tanto o pai, quanto os tios paternos eram todos escritores, alguns de muito sucesso editorial. Cresceu, pois, em um ambiente literário propício, já que em sua casa do que mais se falava era de livros e de textos literários inéditos.

A menina, no entanto, não manifestou nenhuma precocidade, muito pelo contrário. Por exemplo, aprendeu a falar somente aos três anos de idade. Todavia, daí por diante, mais do que compensou esse retardo no desenvolvimento. Aos seis anos, por exemplo, não só falava muito bem, com plena desenvoltura, como contava, com competência anormal para a idade e com graça, histórias, muitas das quais inventadas por ela.

Bell, em sua biografia, relata um episódio que certamente foi a causa dos problemas futuros da prima em relação ao sexo, tornando-a frígida e com asco e horror de quaisquer experiências sexuais. Revela que, por volta dos onze anos de idade, Virgínia foi molestada (na verdade, bolinada) por seu meio irmão George, filho do primeiro casamento do seu pai. A menina nunca mais esqueceu essa experiência, que determinou seu comportamento na vida e até na Literatura.


Certamente, voltarei a tratar dessa personagem, fascinante, cujas atitudes e idéias e, principalmente, cujos livros causam assombro até hoje, nos que tomam conhecimento do que ela viveu, fez, pensou e escreveu e que se admiram da forma e das razões porque deu cabo da vida, numa época de plena produtividade. Ela deu a entender, em sua carta de despedida, que fez o que fez para fugir da loucura. Matando-se, porém, não cometeu loucura maior?

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