Sunday, September 21, 2014

Dependência e auto-suficiência

Pedro J. Bondaczuk

O homem, entre praticamente todos os animais da natureza, é o mais dependente, ou o menos auto-suficiente. Leva um tempo enorme para amadurecer. Enquanto amadurece, com enorme lentidão, depende umbilicalmente da mãe para praticamente tudo. Sem ela, não conseguiria sobreviver. Morreria à míngua em questão de escassos dias. Por exemplo, uma criança com três anos de idade ainda não conta com nenhuma auto-suficiência para nada. É absolutamente dependente para tudo: para se alimentar, se locomover, se higienizar etc.etc.etc.. Enquanto isso, no mesmo período, alguns animais (quase todos) são, digamos, “adolescentes” e muitos já aprenderam a caçar. Estão aptos, portanto, a prover o alimento de que necessitam. Vários até já estão habilitados para se acasalar, e se acasalam.

É certo que este lento amadurecimento faz do homem o “rei da natureza”. É o único ser vivente dotado de inteligência, capaz de compreender quem é, onde está e todo o mecanismo da vida. Não raro, sabe, até, como interferir nele, curando e, portanto salvando, pessoas doentes. Por causa disso, se torna auto-suficiente, ou sequer menos dependente? Em alguns aspectos, sim. Mas na maioria deles, não. Para desenvolver as aptidões inatas, por exemplo, o homem depende de quem o ensine.

Tem que aprender a falar, a andar, a se alimentar, a se comunicar, a se relacionar com os outros etc. Depois, a ler, a reter na memória os conhecimentos fundamentais que passaram de geração a geração até chegarem a ele, a aprender os saberes específicos para a atividade que pretende exercer, e vai por aí afora. Para tanto, depende de professores, nos mais diversos níveis do aprendizado. Creio ser desnecessário lembrar as principais dependências que temos, do nascimento até a morte. E mesmo depois de morrermos, continuamos dependendo. Como? Dependemos de alguém que sepulte nossos restos mortais com um mínimo de dignidade, do que nenhum outro animal depende.

Portanto, é uma falácia, uma monumental tolice esta afirmação – que já ouvi “n” vezes – normalmente de adolescentes, quando não de adultos infantilizados: “eu não preciso de ninguém”. Precisa sim, e muito, e o tempo todo. Muitos de nós (se não todos) em algum momento de nossas vidas, em um assomo de rebeldia diante de adultos aos quais devamos obediência, provavelmente já dissemos isso. Tolice ditada pela imaturidade, claro. Devemos, sim, buscar ser o mais auto-suficiente possível, mas não por arrogância, ou birra, ou coisa parecida, mas por razões práticas. Para reduzir ao mínimo nosso grau de dependência de terceiros. Jamais o eliminaremos, todavia, por completo. É pura questão de lógica, que prescinde de comentários específicos.      

Queiram ou não os empedernidos egoístas, portanto, todos nós somos obrigados a cooperar uns com os outros se quisermos manter este arremedo de civilização e, sobretudo, para assegurar nossa sobrevivência. Cada qual desempenha (ou deveria desempenhar, para não se tornar um peso morto para ninguém) um papel, de acordo com suas aptidões, conhecimentos e circunstâncias: o professor, o médico, o pedreiro, o engenheiro, o jornalista, o lixeiro, o padeiro etc. etc.etc. Imaginem se não fosse assim! Seria o caos. Imperaria a lei das selvas.

A despeito de todas as imperfeições, desmandos e aberrações, bem ou mal, é esse espírito cooperativo (raramente espontâneo) que mantém coesas as sociedades e lhes confere um toque mínimo de organização. É certo que essa cooperação poderia, e deveria ser mais ampla, se não absoluta. Poderia, e deveria  envolver não somente todas as pessoas, mas todos os povos. O homem, a despeito do seu imenso potencial de inteligência, porém, ainda não chegou a esse estágio em seu contínuo, posto que lento processo de evolução. Tem (ou melhor, “temos”, pois não sou nenhuma exemplar exceção) enorme dificuldade de assimilar as realidades mais simples e óbvias. Por isso, complicamos, desnecessariamente, nossas vidas, quando poderíamos torná-las muito mais fáceis, agradáveis e simples.

O poeta Gibran Kahlil Gibran identifica um tipo de auto-suficiência, potencialmente ao nosso alcance, ao qual nada no mundo se compararia: o amor. Até nele, porém, há dependências a serem consideradas. Antes e acima de tudo, é indispensável senti-lo. Mas dessa exata forma e na intensidade máxima. O poeta nos ensina: “O amor nada dá senão de si próprio e nada recebe senão de si próprio. O amor não se possui e não se deixa possuir, pois o amor basta-se a si mesmo”.

Não se conquista, portanto, a pessoa amada, com promessas, com oferendas ou com dádivas, tenham a natureza ou o valor que tiverem. A desejável e sonhada reciprocidade não se  força, não se induz, não se impõe. É espontânea, misteriosa e sutil e se conquista, embora ninguém saiba, de fato, como. O amor não se compra e nem se vende. Não é uma propriedade, uma obrigação ou um ato. É um sentimento! Extrapola toda a lógica humana. Surge sem motivo aparente e desaparece, sem que se possa evitar. É auto-suficiente e caprichoso e tem suas próprias leis, que independem da nossa vã filosofia. Pena que poucos, pouquíssimos de nós tenhamos esse nível de compreensão. Daí tantos equívocos, tantos sofrimentos e tantos desenganos em nome de um amor que na maioria das vezes não existe, que é confundido com mero desejo sexual, posse ou uso de uma pessoa por outra.


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