Sunday, September 21, 2014

A falácia da negociação


Pedro J. Bondaczuk


O papel do Estado moderno, numa sociedade bem organizada e verdadeiramente democrática, é o de atuar em setores específicos que, ou pela sua relevância, ou por envolverem a segurança nacional, são de sua exclusiva competência.

Um deles, certamente o mais importante, é o da educação. Constitucionalmente, inclusive, cabe ao Poder Público prover o acesso à instrução à totalidade dos cidadãos. No Brasil, no entanto, isto além de nunca ter sido feito de maneira integral, parece ser um sonho ainda muito distante para a maioria.

O ensino oficial – e não por culpa dos educadores, mal pagos e pessimamente aparelhados – é um verdadeiro desastre, em termos de aproveitamento, em boa parte do País. Não se pode apontar o caso de uma escola aqui, de outra ali, em geral instaladas em metrópoles. É indispensável que se avalie a qualidade em seu todo. E esta, convenhamos, é de ruim para sofrível.

Dessa maneira, os pais que entendem ser a educação a maior herança (e às vezes a única) que podem deixar para os filhos, não medem sacrifícios. Dispõem-se a pagar, mesmo que não tenham recursos, uma escola particular.

A sucessão de crises econômicas, todavia, que fez com que o poder de compra dos salários sofresse uma erosão de no mínimo 35% em relação a 1980, torna cada vez mais esse empenho em dotar as crianças de um ensino um pouco mais substancial mais distante. Agora, um grupo de escolas particulares do Rio Grande do Sul está propondo ao ministro da Educação, Carlos Chiarelli, que as mensalidades escolares sejam definidas pelo sistema de livre negociação entre as partes.

Mas há condições, nas circunstâncias atuais, para que isso se verifique? Que poder de barganha um pai, que tem quatro filhos estudando simultaneamente em instituições privadas, possui para evitar que se cobre dele aquilo que ele não pode pagar?

Como compatibilizar seu reajuste salarial, cada vez mais difícil, com os da prestação mensal da escola? E se num determinado mês seus ganhos forem inferiores às suas próprias necessidades básicas, como em geral, aliás, vem ocorrendo? Como fazer para arcar com mensalidades maiores?

Não é preciso ser nenhum gênio para prever qual a opção que lhe será colocada. “O valor é muito alto? Você não tem condições de pagar? A saída é simples: coloque seu filho numa escola do Estado”. Onde, pois, a tal “liberdade” de negociação? Ela existiria caso as duas partes pudessem estar em igualdade de condições. Mas podem?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 18 de julho de 1990).


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