Saturday, September 27, 2014

Decisão sobretudo coerente


 Pedro J. Bondaczuk


A decisão do Irã, de aceitar, incondicionalmente, a Resolução 598 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que pede o imediato cessar-fogo em sua guerra com o Iraque, pode ter sido surpreendente (como de fato foi), mas não fugiu a uma certa linha de coerência sempre demonstrada por Teerã.

Enquanto a República Islâmica achava que podia vencer o conflito pelas armas, se manteve irredutível em suas posições. Afinal, o governo de qualquer país, cujas tropas estivessem ocupando parcelas consideráveis de território inimigo, agiria assim.

No entanto, uma sucessão de reveses militares, ocorridos desde abril passado, com a expulsão persa da Península de Faw e, mais recentemente, de áreas ao redor de Basra e da zona montanhosa habitada pelos curdos, mostrou-lhes que, militarmente, o máximo que suas Forças Armadas poderiam fazer era conservar esta espécie de “gangorra”, que vem caracterizando a conflagração desde o seu início.

Ou seja, Iraque e Irã vêm sucedendo-se na ocupação, e posterior expulsão, de terras adversárias. O número de mortos cresce assustadoramente, as despesas com novos armamentos tornam-se cada vez mais proibitivas, esvaziando os respectivos tesouros, e as economias dos dois ameaçam entrar em colapso.

A impressão que dá ao crítico é a de que a decisão iraniana partiu do seu presidente, Ali Khamenei, que a despeito da retórica belicista que também empregou com freqüência em seus pronunciamentos públicos (em especial contra os norte-americanos, como por exemplo em seu discurso nas Nações Unidas, no ano passado), deu várias indicações de se tratar de um moderado.

Aliás, após a derrubada do Airbus A-300 da Iran Air, no início deste mês, num comentário feito neste mesmo espaço, destacamos que o grande problema iraniano sempre foi aquilo que os seus líderes “disseram” e nem tanto o que “fizeram”.

O momento para a aceitação de um cessar-fogo não poderia ser mais oportuno. Tudo leva a crer que o chefe espiritual da nação, o aiatolá Ruhollah Khomeini, esteja, de fato, morrendo. Por incrível que possa parecer (aos mal-informados, evidentemente), é mais fácil negociar a paz com esse dirigente vivo do que com ele morto. Por isso, o presidente Khamenei deve ter tomado essa surpreendente atitude, realista, sensata e ponderada.

Afinal, prosseguir num conflito que ninguém tem condições de vencer é mero suicídio coletivo. A morte iminente do imã (que é como os islâmicos denominam seus mestres, juízes dos juízes) xiita está marcando um momento de profunda reflexão para os persas acerca do seu futuro. E com a guerra, ele estaria, somente, cheio de incertezas, de cadáveres e de destruição.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 19 de julho de 1988).


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