Um dia como outro
qualquer
Pedro
J. Bondaczuk
A crônica, desde que
manejada por um cronista hábil, inteligente e observador, é um gênero literário
(e simultaneamente jornalístico, pois “nasceu” nas redações de jornais)
delicioso para todo e qualquer paladar. Mesmo para o mais distraído ou menos
atento dos leitores. Nela, o autor fixa-se em determinado tema aparentemente
banal, de um trivialíssimo dia qualquer e, graças ao seu talento narrativo,
consegue transformar o trivial em transcendental, como que num passe de mágica.
Isso não quer dizer que não possa ou não deva tratar de assuntos, digamos, mais
sérios e permanentes, filosóficos, sociais ou antropológicos. Pode e deve. O
segredo, porém, está na linguagem de que se utiliza, que deve ser, sobretudo,
simples e coloquial, ao alcance da cultura de qualquer cidadão de formação
mediana, sem jamais descambar para dispensáveis surtos de erudição, pedante e
inoportuna. Ou seja, para apreciar a boa crônica, não é necessário que o leitor
seja algum erudito, ou nerd, ou muito menos gênio. Basta que tenha um pouquinho
de bom gosto. E, claro, que o redator dela seja de fato bom.
Estas considerações vêm
a propósito de um escritor que reúne todas as características desejáveis de um
cronista de mão cheia, desses que, se fossem vendedores, conseguiriam vender
geladeiras para esquimós no Ártico, tal sua capacidade de convencimento.
Refiro-me a Fernando Yanmar Narciso. Há tempos, desde que tive contato com seu
primeiro texto, sou seu admirador de carteirinha, uma espécie de “macaca de
auditório”, posto que literária. Já editei cerca de 230 de suas deliciosas
crônicas e, até hoje, não topei com uma única de que não gostasse.
Houve, o que é normal,
ocasiões em que não concordei com as opiniões que emitiu. Todavia, estas foram
expressadas de maneira tão hábil, tão bem humorada e tão original – não raro
utilizando, posto que na dose correta, o dificílimo recurso da ironia (e às
vezes, até, do sarcasmo) – que deixei espaço generoso para a dúvida, admitindo
que talvez eu é que estivesse errado. Conheci e conheço pouquíssimos cronistas
com esse talento. Até o título da sua coluna (das mais lidas e apreciadas)
neste espaço voltado à Literatura, prima pela originalidade (“A favor de tudo,
contra todos”). Bem, para o leitor que ainda eventualmente não saiba (e que
seja, como eu, seu apreciador), aqui vai uma excelente notícia. Você já pode
ter as crônicas de Fernando Yanmar Narciso permanentemente ao seu dispor na
estante da sua biblioteca. Basta que adquira seu recente livro (que espero que
seja um de muitos).
Seu senso de oportunidade
é tão onipresente, que já no título dessa preciosa obra ele define, com
meridiana clareza, não só seu conteúdo, mas, acima de tudo, a principal
característica desse gênero literário, tão explorado, mas nem sempre com a
leveza que ele requer. É, justamente, “Um dia como outro qualquer”. Se você,
leitor amigo, ainda não o adquiriu, entre em contato com Fernando e compre-o
logo. Caso contrário, perderá a oportunidade de deliciar-se com observações e
opiniões absolutamente diferentes das triviais, expressadas com humor e, quando
pertinente, com generosas pitadas de ironia. Tive o privilégio e a honra de
prefaciar esse livro e no meu prefácio expressei exatamente isso que reitero
agora, posto que com outras palavras: que o autor é, principalmente, um cronista
singular, no aspecto mais positivo da singularidade.
O melhor de tudo é que
se trata de um escritor jovem. Alerto, antes que me atribuam preconceito, que
juro que não tenho, que não estou desprezando os que são idosos, longe disso.
Até porque também já não sou nenhum jovenzinho e, quem me conhece, sabe que não
sou dado a autolinchamentos. Meu amor próprio não permite isso. É que a
juventude de Fernando é indicativo, pelo menos potencial, de que esse livro é
apenas o primeiro de dezenas de outros tantos, com idêntica qualidade, que
provavelmente virão. É certo que, com a idade, virá, também, o amadurecimento.
Só espero que a tal
maturidade jamais iniba suas melhores características estilísticas, que
lembram, em determinados momentos, o estilo do saudoso Sérgio Porto, consagrado
sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, e em outros, o do não menos genial
Milôr Fernandes. Essa inibição acontece, salvo exceções, com jovens promessas
que, na sequência de suas carreiras, nesse complicadíssimo mundo da Literatura,
abrem mão do que tinham de melhor, em nome da prudência. Estou seguro que isso
não irá ocorrer com Fernando. Que venham, pois, novos e novos livros, mas com a
mesma ousadia, originalidade, “pimenta” e bom humor de “Um dia como outro
qualquer”.
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