Saturday, September 13, 2014

O valor das pequenas coisas

Pedro J. Bondaczuk

O passado, para as pessoas pragmáticas – as que têm como lema a contínua ação – é uma inutilidade. Não serve para recuperar o tempo perdido. Este é irrecuperável. O que se deixou de fazer, óbvio, nunca mais será feito, não pelo menos naquele período específico em que deveria sê-lo, mas não foi. Disso, creio, ninguém tem dúvidas, mesmo o sujeito sonhador, que tenta, em vão, recuperar o que não se pode. Há muita gente assim.

O passado, então, não serve para nada? Tem que ser liminarmente descartado e esquecido? Devemos tocar a bola para frente, buscando fazer o máximo num mínimo de tempo? Eu não seria (nem sou) tão radical. No sentido de ação, até concordo com os pragmáticos. Não conseguiremos, jamais, reviver o que foi vivido (claro, se o que passou nos tenha sido benéfico e memorável e seja, portanto, digno de ser revivido). Se você quiser, porém, compreender sua vida e consertar eventuais erros que cometeu lá atrás, terá, necessariamente, que a vislumbrar no conjunto. E o passado, neste caso, precisa ser não somente lembrado, mas analisado, revisto e esmiuçado.
 
Concordo com o filósofo e teólogo dinamarquês, Soren Kierkegaard, quando sentencia: “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente”. Ou seja, você deve separar as coisas. Aliás, para ser uma pessoa equilibrada, você não pode ser radical em praticamente nada. É desejável, óbvio, que seja, sim, pragmático,  mas sem se descuidar, em circunstância alguma, da reflexão, do planejamento, da ponderação dos prós e contras do que se propõe a realizar, sob risco de se tornar dispersivo. Ou, pior, de em vez de construir o que quer que seja com seus atos, destruir o que já existe de bom. E, para esse efeito, o passado é bastante útil e não raro essencial.. 

O sujeito que é pragmático e leve o pragmatismo a extremos, no afã de não desperdiçar tempo, recorre, frequentemente, à pressa. Mas é mais do que meramente apressado. É afoito. O resultado, salvo alguma feliz (e rara) exceção, finda por ser o oposto do pretendido. Deveria dar ouvidos ao escritor e filósofo Gilbert Keith Chesterton, que observou: “Uma das grandes desvantagens de termos pressa é o tempo que isso nos faz perder”. E como faz! No afã de chegar sem tardança ao objetivo, o apressado comete erros e mais erros, tendo que refazer o que já fez, o que não seria necessário se refletisse, se comparasse como agiram no passado pessoas que executaram a mesma tarefa, quando não se recordasse como ele próprio já agiu e foi bem-sucedido em ocasiões anteriores.

Está aí uma das utilidades práticas do passado. Há muitas outras, mas cito apenas esta tendo em mente o sujeito pragmático, o homem de ação que detesta perder tempo. No exemplo que mencionei, convenhamos, a reflexão e o planejamento não são perdas de preciosos segundos (ou mesmo que se trate de horas), mas se constituem em seu aproveitamento racional. Temos o mau hábito de não valorizar as pequenas coisas, achando que tudo na vida é feito de grandiosidade. Aliás, muito pelo contrário. Claro que não defendo que concentremos toda nossa atenção em uma formiguinha, sem atentarmos para o elefante, que finda por nos atropelar. Não é isso.

Mas por causa de um reles arrebite defeituoso, um único e pequenino, entre milhares de outros sem defeito, o navio que “não poderia afundar”, o Titanic, naufragou. É com a soma de pequenas virtudes que construímos um grande caráter. É com atos pequeninos, mas sempre constantes, que elaboramos uma grande vida. Devemos atentar para a natureza que, como se sabe, “nunca dá saltos”. Tudo nela tem uma sequência natural, lógica, contínua, no tempo certo, sem retrocessos.

O criador do célebre personagem, o detetive Sherlock Holmes, e de seu inseparável (e pragmático) parceiro, doutor Watson, o escritor inglês Sir Arthur Conan Doyle, tinha ciência disso. E escreveu: “Há muito tempo que o meu axioma é de que as pequenas coisas são infinitamente mais importantes”. Talvez o superlativo, neste caso, seja, digamos, um tanto exagerado. Mas esse retórico exagero não faz as pequenas coisas serem menos importantes do que são. E entre elas, o passado está incluído. Não é, portanto, uma “inutilidade”, se considerado no devido contexto. Só não pode ser supervalorizado, por razões óbvias. Por que? Ora, ora, ora, porque não volta jamais.


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