Ó tempora, ó mores!
Pedro
J. Bondaczuk
“Ó tempora, ó mores!”.
Este desabafo do romano Cícero cabe a caráter para o momento presente, não
apenas no Brasil, mas em todo o mundo. O que assustou o famoso senador e
escritor foi a leniência dos costumes do Império, a ostensiva corrupção em
todos os níveis sociais e políticos, as negociatas e as intrigas de bastidores
no sentido de se dar um golpe de Estado, sem levar em conta a vontade e a
necessidade do povo. Celebrizou essa expressão em discurso que proferiu no
Senado de Roma, denunciando as manobras e chicanas, no mínimo imorais, de seu
colega, mas desafeto Catilina, pronunciamento este que passou para a história
com a designação de “Catilinárias” (pois foi mais de um), por motivos óbvios.
Na época de Marcus
Tulius Cícero – que morreu quando faltavam ainda 43 anos para o início da era
atual – os costumes eram muito mais consolidados do que nos dias atuais. As
eventuais mudanças, não raro, ocorriam em duas ou três gerações, se não mais.
Demoravam séculos. Hoje, podem ocorrer da noite para o dia, em um piscar de
olhos. De repente, o que era moda no mês passado, tido e havido como saudável e
moderno, passa a ser, de repente, considerado nocivo e arcaico. E quem não se
adapta à alteração, na melhor das hipóteses, torna-se objeto de menosprezo e de
galhofa.
Há, óbvio, determinados
costumes, geralmente os piores e que deveriam ser substituídos de imediato por
comportamentos nitidamente desejáveis, que permanecem. Resistem a todas as mudanças,
embora a maioria reconheça que são inadequados e ruins. Um deles, pelo menos
aqui no Brasil (suponho que, veladamente, subsista em outras partes do mundo) é
o empenho das pessoas (me parece que da maioria) em querer “levar vantagem em
tudo”. Face essa postura, passa-se por cima da solidariedade, do respeito, da
civilidade, da ética e, não raro, das leis. Sempre se dá um jeitinho de
driblá-las, encontrando brechas nelas (que praticamente todas têm), para
conseguir coisas que pelas vias normais (e legais) não seriam conseguidas.
Se Cícero, nos anos 60
antes de Cristo ficava espantado com os costumes romanos (que favoreciam a
corrupção e ameaçavam as instituições) fico imaginando qual seria sua reação
caso vivesse em nossas metrópoles atuais e tivesse à sua disposição as
parafernálias tecnológicas que caracterizam as sociedades deste século XXI do
terceiro milênio da era cristã (celulares de última geração, rádio, televisão
aberta e a cabo, internet etc.etc.etc.). De duas uma: ou sofreria um ataque de apoplexia
causado pelo susto e pela indignação diante do que visse, ouvisse ou lesse, ou
entraria na onda e se adaptaria ao comportamento do “levar vantagem em tudo”. O
nobre senador romano horrorizava-se com aqueles tempos já tão remotos (há 3.056
anos, ou próximo disso), o que o levou ao retórico desabafo: “Ó tempora, ó
mores!”. Como reagiria hoje? Claro que só podemos especular.
Embora não pareça, essa
questão de costumes é, e tem que ser objeto permanente da preocupação dos
escritores. Já não me refiro, sequer, à sua condição de cidadãos, atuando no
sentido de modificar os maus hábitos sociais e políticos, o que é sua
obrigação. Sempre afirmei, e insisto nesse ponto, que uma das funções (e estou
convicto que seja a principal) dos que fazem Literatura e a vivem, é a de
servirem de fieis relatores do seu tempo, na qualidade de testemunhas que são.
“Até os ficcionistas?”, perguntaria o leitor mais atento. “Principalmente
eles”, eu responderia. E por que eles? Por serem mais atrativos a quem tem o
hábito da leitura do que, por exemplo, os ensaístas, que lidam especificamente
com idéias.
Em conversa com
leitores (e converso com freqüência com muitos, o tempo todo), a maioria me
declara ostensivamente (e quando não o faz de forma explícita, pelo menos dá a
entender) que detesta “sermões”. Ou seja, odeia lições de moral transmitidas
normalmente por autores de não-ficção. Já os ficcionistas – romancistas,
novelistas, contistas, autores de peças teatrais e roteiros de cinema – têm
condições de dizer as grandes verdades, por incômodas que sejam, sem nem mesmo
se exporem diretamente. Colocam-nas na boca dos personagens que criam,
tornando-as mais palatáveis e não raro imperceptíveis. Nosso subconsciente, no
entanto, as detecta e registra.
Embora eu seja leitor
compulsivo de ensaios, gênero de que também me valho com assiduidade para
expressar minhas conclusões filosóficas e/ou sociológicas, confesso que aprendi
muito mais sobre moral e virtude nos grandes romances, contos e novelas, do que
nos textos dos mais renomados e acatados ensaístas, como Montaigne, Rousseau,
Henry David Thoreau ou Ralph Waldo Emerson, entre outros.
Machado de Assis, por
exemplo, retratou com muito maior fidelidade os costumes e comportamentos das
pessoas do século XIX do que qualquer filósofo seu contemporâneo. Jorge Amado e
João Ubaldo Ribeiro igualmente o fizeram no século XX. E isso sem que o leitor
(no caso, eu) sequer percebesse. Como Cícero fez, há mais de três mil anos, em
Roma, não posso deixar de me espantar com o que vejo, leio e ouço e, sobretudo,
de repetir, em tom exclamativo, mas muito mais enfático do que ele diante das
chicanas de Catilina: “Ó tempora, ó mores!”. .
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