Sunday, September 14, 2014

O rei está nu


Pedro J. Bondaczuk


A defesa, feita ontem, durante a realização de um simpósio internacional de direitos humanos, em Santiago, das ações do presidente chileno Augusto Pinochet no campo dos direitos humanos, por parte do ministro do Interior desse país, Sérgio Fernandes, lembra aquela fabulazinha infantil do rei nu.

É evidente que suas palavras não podem (como não poderiam) ser levadas a sério. Não somente pelos números apresentados nesse encontro, relatando mortes, detenções ilegais e outros crimes contra civis, mas pelo seu comprometimento de lealdade com o chefe.

Se o leitor se recorda, a história a que nos referimos acima falava de um alfaiate astuto, que deveria aprontar uma roupa maravilhosa para um monarca tirano. Como ele não teve tempo para atender o pedido e usando de uma esperteza extrema, argumentou ao poderoso Senhor que a vestimenta que estava ali parecia “invisível” para quem a vestia, mas não o era para quem a olhava no corpo.

O rei não teve dúvidas. Acreditou na “sinceridade” do artesão. Despiu-se por completo e “vestiu” a tal roupa, que na verdade não existia. O alfaiate, como é lógico, elogiou o “traje”, como sendo maravilhoso. Os ministros e cortesãos, temendo que o soberano estivesse louco, e não querendo enfurecer alguém que tinha em suas mãos o poder de vida e de morte, aderiram à pantomima.

Também juraram que a “vestimenta” real era esplendorosa. Convencido pelos que o cercavam de que estava de posse de uma indumentária simplesmente fabulosa, o tirano arriscou-se a sair pelas ruas.

Prevenida por fontes do palácio sobre o que estava acontecendo, a população aderiu à farsa. Os elogios foram gerais e claramente exagerados. Só o rei, confiante demais em sua força, e no medo que despertava em seus súditos, não desconfiava.

Tudo terminou, porém, quando ele passou próximo de onde um bando de crianças brincava. Um dos meninos olhou, espantado, para o monarca e exclamou: “Olhem, ele está nu!”. Só então a tapeação foi descoberta. O tirano se deu conta do papel ridículo que fez, mas era tarde demais.

Este é o destino de todos os ditadores, desde que o mundo existe. Enquanto detêm o poder, são bajulados, defendidos e protegidos pelos que os rodeiam. Mas assim que caem, seus mais “leais amigos” são os primeiros a lançar contra eles acusações e blasfêmias.

De imediato, aderem aos novos regimes que sucedem aos dos caudilhos e juram que essa sempre foi a sua posição. Há, por este mundo imenso, muitos “reis que estão nus” e que ainda não sabem. Mas há quem se disponha a não compactuar com a farsa, mesmos que os tiranos teimem em não crer nas evidências. E revelam, sem piscar, a sua ridícula nudez.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 9 de janeiro de 1988).


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