O rei está nu
Pedro J. Bondaczuk
A
defesa, feita ontem, durante a realização de um simpósio internacional de
direitos humanos, em Santiago, das ações do presidente chileno Augusto Pinochet
no campo dos direitos humanos, por parte do ministro do Interior desse país,
Sérgio Fernandes, lembra aquela fabulazinha infantil do rei nu.
É evidente que suas palavras não podem (como não
poderiam) ser levadas a sério. Não somente pelos números apresentados nesse
encontro, relatando mortes, detenções ilegais e outros crimes contra civis, mas
pelo seu comprometimento de lealdade com o chefe.
Se o leitor se recorda, a história a que nos
referimos acima falava de um alfaiate astuto, que deveria aprontar uma roupa
maravilhosa para um monarca tirano. Como ele não teve tempo para atender o
pedido e usando de uma esperteza extrema, argumentou ao poderoso Senhor que a
vestimenta que estava ali parecia “invisível” para quem a vestia, mas não o era
para quem a olhava no corpo.
O rei não teve dúvidas. Acreditou na “sinceridade”
do artesão. Despiu-se por completo e “vestiu” a tal roupa, que na verdade não
existia. O alfaiate, como é lógico, elogiou o “traje”, como sendo maravilhoso.
Os ministros e cortesãos, temendo que o soberano estivesse louco, e não
querendo enfurecer alguém que tinha em suas mãos o poder de vida e de morte,
aderiram à pantomima.
Também juraram que a “vestimenta” real era
esplendorosa. Convencido pelos que o cercavam de que estava de posse de uma
indumentária simplesmente fabulosa, o tirano arriscou-se a sair pelas ruas.
Prevenida por fontes do palácio sobre o que estava
acontecendo, a população aderiu à farsa. Os elogios foram gerais e claramente
exagerados. Só o rei, confiante demais em sua força, e no medo que despertava
em seus súditos, não desconfiava.
Tudo terminou, porém, quando ele passou próximo de
onde um bando de crianças brincava. Um dos meninos olhou, espantado, para o
monarca e exclamou: “Olhem, ele está nu!”. Só então a tapeação foi descoberta.
O tirano se deu conta do papel ridículo que fez, mas era tarde demais.
Este é o destino de todos os ditadores, desde que o
mundo existe. Enquanto detêm o poder, são bajulados, defendidos e protegidos
pelos que os rodeiam. Mas assim que caem, seus mais “leais amigos” são os
primeiros a lançar contra eles acusações e blasfêmias.
De imediato, aderem aos novos regimes que sucedem
aos dos caudilhos e juram que essa sempre foi a sua posição. Há, por este mundo
imenso, muitos “reis que estão nus” e que ainda não sabem. Mas há quem se
disponha a não compactuar com a farsa, mesmos que os tiranos teimem em não crer
nas evidências. E revelam, sem piscar, a sua ridícula nudez.
(Artigo publicado na página 10, Internacional, do
Correio Popular, em 9 de janeiro de 1988).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment