Criança que é preciso
embalar
Pedro
J. Bondaczuk
O sexto mandamento do
Decálogo Cristão, ou seja, “NÃO MATARÁS”, é um dos mais violados de todos os
dez, o tempo todo, através de todos os tempos, planeta Terra afora. Duvidam?
Não deveriam! Isto é o que se depreende, por exemplo, do relatório divulgado em
10 de abril de 2014, pelo Escritório sobre Drogas e Crimes das Nações Unidas
(UNODC, na sigla em inglês) sobre assassinatos no mundo em 2012. Não entram
nesse cômputo as mortes causadas por guerras, revoluções, atos terroristas e as
ocorridas em manifestações de protesto, entre outras. E sabem qual foi a cifra
que o órgão da ONU apurou? Pasmem, foi de “quase” meio milhão de pessoas! Ou,
para ser mais preciso, foi de 437 mil homens e mulheres assassinados nos 365
dias de um único ano!
Um amigo, com quem
comentei sobre esse relatório intitulado “Estudo Global sobre Homicídio 2013”
(mas cujos dados são de 2012), observou que achava “pouco” esse número de
assassinatos, levando-se em conta uma população mundial de mais de sete bilhões
de habitantes. Certamente ele não raciocinou antes de opinar. Trata-se de um
sujeito sensível e inteligente, mas que se ateve, apenas, a frias cifras
estatísticas, que dependem, como todos sabem, de interpretações. Todavia, uma
única vida que seja, suprimida por algum semelhante, a qualquer pretexto, já é
uma tragédia, uma ocorrência horrível, pelo significado da supressão. Imaginem
cerca de meio milhão!
Ademais, temos que
ponderar sobre essas cifras. Os números foram colhidos em boletins de
ocorrência policiais, nem sempre precisos. A pesquisa teve abrangência muito
ampla, ou seja, o mundo. E neste, a despeito da propalada globalização e dos
moderníssimos equipamentos de comunicação ao nosso dispor, há milhões de
pessoas vivendo em locais tão ermos, tão remotos, tão esquecidos e atrasados,
que de lá não saem informações de quaisquer espécie e nem mesmo entram. São povos isolados de
tudo e de todos e a lógica diz que são nesses habitats ignorados que ocorrem
homicídios em muito maior quantidade. Não se trata de preconceito em relação
aos pobres, mas de ter os pés firmes no solo da realidade. Eu acrescentaria,
portanto, sem pestanejar, pelo menos mais duzentos mil assassinatos, fácil,
fácil, que não foram computados no relatório da ONU.
Os principais motivos
do desrespeito ao sexto mandamento do Decálogo Cristão prendem-se à violação de
outros quatro. Um dos mais violados é o décimo: “Não
cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o
seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma
do teu próximo”. É a maldição da cobiça, que leva pessoas a se apropriarem, ou
tentarem se apropriar, de bens alheios, exterminando as vidas dos seus donos,
ou estes, reagindo, sob risco de morte, matando os agressores.
Da
cogitação, ao ato, é um piscar de olhos. Muitos dos assassinos, antes de
desrespeitarem o sexto mandamento (ou na sequência do desrespeito deste, não
importa) violam também o oitavo: “NÃO FURTARÁS”. Muitos dos homicídios, por
outro lado, conforme detalha o relatório da ONU, são crimes passionais. Decorrem,
com inquietante constância, do desrespeito da sétima proibição do Decálogo:
“NÃO ADULTERARÁS”. Claro que há outros motivos, nenhum dos quais, obviamente,
válido, para homicídios, como discussões tolas e banais geralmente provocadas
pela ingestão de álcool, brigas entre torcidas, organizadas ou não, de times de
futebol ou de outros esportes coletivos, vinganças, calúnias, injúrias e vai
por aí afora.
Oitenta
por cento dos crimes de morte ocorridos em 2012 tiveram como vítimas homens, a
imensa maioria jovens, na faixa entre 18 e 45 anos e 95% dos assassinos foram,
por sua vez, do sexo masculino. As mulheres foram vítimas “preferenciais” dos
assassinatos decorrentes de violência doméstica, que foram 15% do total, com
taxa de 70% das mortes violentas registradas no lar, ou, numericamente, foram
43.600 as assassinadas por cônjuges, namorados ou amantes. Esse relatório –
que, insisto, é subestimado – suscita em quem tem o hábito de pensar, inúmeras
reflexões, impossíveis de se registrar em um texto, como este.
Uma
delas, por exemplo, é este questionamento feito pelo autor de “O pequeno
príncipe”, Antoine de Saint-Éxupery: “Se a vida não tem preço, comportamo-nos
sempre como se alguma coisa ultrapassasse, em valor, a vida humana. Mas o quê?”
Sim, o que vale mais do que ela? Por mais que busque algo de mais valioso,
nunca consegui encontrar. Concluo que não existe. No entanto... comportamo-nos
como se a vida pouco ou nada valha. Raras vezes nos damos conta de que andamos
o tempo todo, do nascimento à morte, em uma instável e frágil corda-bamba,
estendida sobre um profundo abismo, sem que haja rede de proteção abaixo. Ao
despertarmos pela manhã, não temos a mais ínfima certeza de que à noite ainda
estaremos vivos. Porém...
Não
precisamos de nenhum meio de abreviar a vida (nem a nossa e nem a de ninguém).
Estamos expostos, o tempo todo, a ataques mortais de vírus e bactérias, a males
súbitos decorrentes de mau funcionamento dos nossos órgãos mesmo que estes não
dêem a mínima indicação de estarem prestes a entrar em colapso, além de
acidentes de toda a sorte. E, para complicar, sem esta e nem mais aquela, algum
doido, ou ladrão, ou mesmo alguém aparentemente normal, pode nos suprimir a
vida, numa fração de segundos. É algo terrível de se pensar, mas necessário. Afinal,
somos dotados de razão por que?
Ernest
Hemmingway desabafou, em certa ocasião: “É sempre assim. Morre-se. Não se
compreende nada. Nunca se tem tempo de aprender. Envolvem-nos no jogo.
Ensinam-nos as regras e, à primeira falta, matam-nos”. Voltaire fez,
praticamente, o mesmo desabafo, posto que filosoficamente: “A vida é uma
criança que é preciso embalar até que adormeça”. Ou seja, até que se extinga. É
por causa dessa fragilidade e dessa incerteza quanto à sua duração que é
necessário, ou melhor, indispensável gozá-la com a máxima intensidade e o maior
prazer, porquanto é uma experiência que não tem replay. Uma vez perdida... não
podemos reprisá-la.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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