O estopim e o urânio da última explosão
Pedro J. Bondaczuk
As duas questões mais
graves da atualidade, que preocupam e inquietam toda a humanidade, são a dívida
externa do Terceiro Mundo e a ameaça de uma guerra nuclear, nesta ordem. A
primeira ganha a preferência, por ser já um fato consumado, enquanto que a
outra, embora envolva o destino de todos, indistintamente, ainda pode ser
evitada.
Nada,
entretanto, aconteceu de novo, nesta ano de 1985 de tantas esperanças e
expectativas frustradas, que nos livrasse desse segundo pesadelo. A despeito da
reunião de cúpula de Genebra e dos progressos que ela trouxe no relacionamento
das superpotências, a corrida armamentista continua. Apenas disposição para
fazer a paz, sem gestos concretos que a acompanhem, não dá qualquer garantia
que ela venha a ser consolidada. E nada indica que ela virá.
Recentemente,
o Instituto de Estudos Estratégicos, com sede em Londres, divulgou um trabalho
sobre o armamentismo mundial, intitulado “The Military Balance 1985-1986” , capaz de encher de
sombrios augúrios ao mais incorrigível dos otimistas.
Revelou,
por exemplo, que o mundo nem pode vender (e muito menos consumir) a enorme
quantidade de armas que hoje produz, tamanho é o seu volume. Em 1985, os
governantes, em geral, mostraram-se mais realistas do que em ocasiões
anteriores e se armaram menos, especialmente os dos países do Terceiro Mundo.
Em contrapartida, as superpotências compensaram, e com largas sobras, esse
quadro. Armaram-se como nunca.
Diz
o estudo do instituto internacional que a União Soviética fez um esforço muito
maior do que o seu rival na corrida pela morte. Enquanto os norte-americanos
ampliaram em pouco menos de 10% seus estoques de ogivas estratégicas, os
soviéticos os incrementaram em 37%, obtendo a paridade nesse aspecto.
Em
outras palavras, exigiram um esforço muito maior de toda a sua sociedade,
privando-a de bens de consumo capazes de tornar a vida mais confortável e cheia
de satisfações, sacrificando ao limite máximo a sua economia, já à beira da
exaustão.
Não
é por acaso que o líder russo, Mikhail Gorbachev, tem vindo seguidamente a
público para exigir mais eficiência de seus colaboradores em seu desempenho
econômico. E nem foi por desprendida magnanimidade que propôs ao presidente
Ronald Reagan a redução em 50% dos arsenais nucleares das duas superpotências.
Afinal, o momento é o mais propício possível a Moscou para frear essa disparada
maluca rumo à destruição.
Nos
derradeiros três anos (a partir, portanto, da ascensão de Yuri Andropov ao
poder), a União Soviética instalou quatro vezes mais armamentos atômicos de
qualquer espécie do que os norte-americanos. Quem garante isso é o conceituado
organismo de estudos estratégicos de Londres, que fez duas previsões, no mínimo
sombrias, para 1986. Ambas, por sinal, de pleno conhecimento da opinião
pública.
Fala
da instalação, no próximo ano, dos mísseis MX, móveis, intercontinentais, com
dez ogivas cada um, por parte do Pentágono. Em compensação, repica dizendo que
os russos deverão responder em dobro a isso, iniciando a fabricação acelerada
dos SS-24 e SS-25, ambos dotados de mobilidade, portanto impossíveis de serem
detectados previamente. Os dois são balísticos intercontinentais, possivelmente
com três ogivas nucleares cada um.
Poderíamos
desfiar, interminavelmente, os armamentos que as superpotências pretendem
construir, ou que já estão construindo, como se não houvesse nada mais
importante para a humanidade do que esse estúpido e perigoso desperdício de
recursos.
Enquanto
isso, metade da espécie humana, justamente aqueles 50% que sustentam com seu
trabalho essa aventura, se debate com questões mais triviais e, por isso, que
dizem respeito mais diretamente a todos nós, os simples da Terra, que não
opinamos, mas pagamos toda essa barbaridade.
Embora
a guerra nuclear possa varrer o homem do mapa, todavia, é a dívida do Terceiro
Mundo que põe em risco a estabilidade econômica do Planeta. Num determinado
momento, pode levar de roldão todo o sistema monetário existente e criar o caos
no relacionamento entre as nações.
Da
falência à violência, a distância não é maior do que um simples passo. A
primeira questão, portanto, pode ser o estopim do segundo. E esta...fica por
conta da imaginação de cada um.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 4 de dezembro de
1985).
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