Thursday, September 18, 2014

O estopim e o urânio da última explosão


Pedro J. Bondaczuk


As duas questões mais graves da atualidade, que preocupam e inquietam toda a humanidade, são a dívida externa do Terceiro Mundo e a ameaça de uma guerra nuclear, nesta ordem. A primeira ganha a preferência, por ser já um fato consumado, enquanto que a outra, embora envolva o destino de todos, indistintamente, ainda pode ser evitada.

Nada, entretanto, aconteceu de novo, nesta ano de 1985 de tantas esperanças e expectativas frustradas, que nos livrasse desse segundo pesadelo. A despeito da reunião de cúpula de Genebra e dos progressos que ela trouxe no relacionamento das superpotências, a corrida armamentista continua. Apenas disposição para fazer a paz, sem gestos concretos que a acompanhem, não dá qualquer garantia que ela venha a ser consolidada. E nada indica que ela virá.

Recentemente, o Instituto de Estudos Estratégicos, com sede em Londres, divulgou um trabalho sobre o armamentismo mundial, intitulado “The Military Balance 1985-1986”, capaz de encher de sombrios augúrios ao mais incorrigível dos otimistas.

Revelou, por exemplo, que o mundo nem pode vender (e muito menos consumir) a enorme quantidade de armas que hoje produz, tamanho é o seu volume. Em 1985, os governantes, em geral, mostraram-se mais realistas do que em ocasiões anteriores e se armaram menos, especialmente os dos países do Terceiro Mundo. Em contrapartida, as superpotências compensaram, e com largas sobras, esse quadro. Armaram-se como nunca.

Diz o estudo do instituto internacional que a União Soviética fez um esforço muito maior do que o seu rival na corrida pela morte. Enquanto os norte-americanos ampliaram em pouco menos de 10% seus estoques de ogivas estratégicas, os soviéticos os incrementaram em 37%, obtendo a paridade nesse aspecto.

Em outras palavras, exigiram um esforço muito maior de toda a sua sociedade, privando-a de bens de consumo capazes de tornar a vida mais confortável e cheia de satisfações, sacrificando ao limite máximo a sua economia, já à beira da exaustão.

Não é por acaso que o líder russo, Mikhail Gorbachev, tem vindo seguidamente a público para exigir mais eficiência de seus colaboradores em seu desempenho econômico. E nem foi por desprendida magnanimidade que propôs ao presidente Ronald Reagan a redução em 50% dos arsenais nucleares das duas superpotências. Afinal, o momento é o mais propício possível a Moscou para frear essa disparada maluca rumo à destruição.

Nos derradeiros três anos (a partir, portanto, da ascensão de Yuri Andropov ao poder), a União Soviética instalou quatro vezes mais armamentos atômicos de qualquer espécie do que os norte-americanos. Quem garante isso é o conceituado organismo de estudos estratégicos de Londres, que fez duas previsões, no mínimo sombrias, para 1986. Ambas, por sinal, de pleno conhecimento da opinião pública.

Fala da instalação, no próximo ano, dos mísseis MX, móveis, intercontinentais, com dez ogivas cada um, por parte do Pentágono. Em compensação, repica dizendo que os russos deverão responder em dobro a isso, iniciando a fabricação acelerada dos SS-24 e SS-25, ambos dotados de mobilidade, portanto impossíveis de serem detectados previamente. Os dois são balísticos intercontinentais, possivelmente com três ogivas nucleares cada um.

Poderíamos desfiar, interminavelmente, os armamentos que as superpotências pretendem construir, ou que já estão construindo, como se não houvesse nada mais importante para a humanidade do que esse estúpido e perigoso desperdício de recursos.

Enquanto isso, metade da espécie humana, justamente aqueles 50% que sustentam com seu trabalho essa aventura, se debate com questões mais triviais e, por isso, que dizem respeito mais diretamente a todos nós, os simples da Terra, que não opinamos, mas pagamos toda essa barbaridade.

Embora a guerra nuclear possa varrer o homem do mapa, todavia, é a dívida do Terceiro Mundo que põe em risco a estabilidade econômica do Planeta. Num determinado momento, pode levar de roldão todo o sistema monetário existente e criar o caos no relacionamento entre as nações.

Da falência à violência, a distância não é maior do que um simples passo. A primeira questão, portanto, pode ser o estopim do segundo. E esta...fica por conta da imaginação de cada um.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 4 de dezembro de 1985).

 
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