Eco
pelo século afora
Pedro J. Bondaczuk
A União Soviética encerrou, ontem, com uma
gigantesca parada militar, as comemorações de uma revolução, acontecida há 70
anos, cujos ecos ainda estão repercutindo século afora. O movimento conseguiu
transformar um país de dimensões continentais, de extremos contrastes entre uma
riqueza egoísta e perdulária e uma miséria que nem mesmo a Índia e Bangladesh
de hoje conseguem igualar, em uma superpotência.
Não se pode negar mérito a ele, portanto,
principalmente no contexto em que se desenvolveu. O que se questiona, todavia,
é o preço pago por esta drástica mudança na antiga Rússia. Contestam-se as
milhões de vidas perdidas, não somente no auge do fervor revolucionário, mas,
sobretudo, nos longos períodos em que a Revolução se desvirtuou.
O movimento, liderado por Lênin, que levou à prática
as idéias de Marx e de Engels, saiu dos trilhos em várias ocasiões, se
transformando num monstro sanguinário e mau, especialmente sob a ditadura de
Joseph Stalin e sob a despótica e desastrosa gestão de Leonid Brezhnev, cujas
mazelas e desmandos estão ainda para serem contados.
Ao cabo de 70 anos, os soviéticos verificam que a
URSS se tornou um país estranho. É, hoje, uma potência que detém um poder
militar fantástico, capaz de destruir dezenas de planetas do porte da Terra,
mas cuja indústria é incapaz de produzir um único bem que seja de qualidade e
de durabilidade. Transformou-se numa sociedade que, por qualquer parâmetro
econômico que se tome por referencial, pode (e deve) ser considerada
subdesenvolvida (exceto, é claro, no campo de produção de armas).
O poeta russo Illya Ehrenburg disse, certa feita:
“Os antigos representavam a deusa da sabedoria como uma coruja. Marx dizia que
a coruja esvoaça quando a obscuridade desce”. Mas essa ave agourenta esvoaçou
sobre a União Soviética em pelo menos 48 anos, dos 70 de existência da
Revolução (nos 30 do governo Stalin e nos 18 da era Brezhnev).
O que se abateu sobre o país foi o fanatismo
sectário, a ausência de razão, a sede pelo poder, a corrupção desbragada, a
ausência de sentido de responsabilidade da elite comunista e o completo
desrespeito aos mais comezinhos direitos dos cidadãos.
Para que a Revolução se torne “a verdadeira luz para
a humanidade”, como Gorbachev defendeu, muita coisa terá que ser feita, no
sentido de mudar suas práticas e pregações. A primeira mudança será a de acabar
com a obscuridade, representada, por exemplo, pelo internamento de desafetos
políticos, de pessoas mentalmente sadias, que continuam sendo internadas em
hospitais psiquiátricos, pela não admissão, por parte da cúpula comunista, de
uma oposição que mereça esse nome.
Mas a principal alteração de rumo é acabar com a
cínica distorção praticada por um regime que proclama se tratar de “ditadura do
proletariado”, quando, na verdade, é
“ditadura sobre” a classe trabalhadora, sobre os intelectuais, sobre os militares, sobre os camponeses,
sobre o clero etc.etc.etc.
(Artigo publicado na página 18, Internacional, do
Correio Popular, em 8 de novembro de 1987)
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