Monday, September 15, 2014

No tempo das tangerinas

Pedro J. Bondaczuk

A venda de livros no Brasil é muito aquém do potencial de mercado que há por aqui. Afinal na Argentina, com população cinco vezes menor que a nossa, o mercado editorial é o triplo, ou mais, do nosso.  Isso acontece por uma série de razões, que não cabe, aqui, discussão (que, aliás, até já fizemos tempos atrás). O brasileiro, em sua maioria, não gosta de ler. Ou assim parece. Ou não pode entregar-se a este prazer, pelos mais diversos motivos. Ou não adquiriu esse saudabilíssimo hábito desde criança, com o qual apenas teria a lucrar. Além do que, o livro é relativamente caro para os padrões de renda da maioria da nossa população. Enfim, a vida do escritor, por aqui, não é nada fácil. São raríssimos os que têm condições de se manter somente com literatura. As tiragens de cada edição são baixas, se comparadas com as de outros países. Ainda assim... As vendas são muito lentas. Raros livros têm uma segunda edição e, quando têm, levam “uma eternidade”, anos para ser toda vendida (isso, quando é).

Por tudo isso, rendo sincera homenagem à escritora e historiadora catarinense, Urda Alice Klueger, cujos textos leio e edito, aqui neste espaço, há cerca de cinco anos. Posso atestar, sem margem para engano, que são de primeiríssima qualidade literária. Mais do que minha apreciação (e dos leitores que nos honram com sua fiel companhia) é sua performance no cenário regional e nacional das letras que é admirável. Enquanto a maior parte dos escritores tem imensas dificuldades de esgotar uma única edição, Urda tem diversos livros com várias edições, que se esgotam em tempo relativamente curto, levando em conta nossa realidade; Este é um atestado inquestionável de qualidade do que ela escreve. Ninguém compra tanto livro, ainda mais em um país não muito afeito à leitura, caso o que esteja adquirindo não seja útil e atrativo, em suma, bom.

Analisarei, com mais vagar, nos próximos dias, a produção literária dessa escritora, de 62 anos de idade (desculpe a indelicadeza de mencionar este fato), natural de Blumenau, membro da Academia Catarinense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, da União Brasileira de Escritores e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil. Afinal, sua obra literária ascende a, pelo menos, quinze livros publicados (podem ser até mais, não tenho certeza). Pelo menos cinco deles tiveram mais de uma edição. Isso chama-se sucesso. E este decorre de qualidade (que, reitero, posso atestar, por conhecer boa parte da sua intensa produção).

Hoje ressalto, particularmente, um evento, que já divulguei em uma nota, mas que, por sua relevância, merece destaque pouco maior. Ele vai acontecer em 27 de setembro, a partir das 15 horas, na Livraria Blulivro, no Shopping Park Europeu, piso Térreo, em Blumenau, Santa Catarina. E por que essa promoção é tão importante? Porque, na oportunidade, Urda Alice Klueger estará autografando a DÉCIMA SEGUNDA edição do seu livro “No tempo das tangerinas”. Note-se que não se trata da primeira, da segunda ou mesmo da quinta. É a DÉCIMA SEGUNDA edição!!! Trata-se de um romance, publicado pela Editora Hemisfério Sul, enfocando a emigração alemã no Vale do Itajaí. Além de ser um livro de ficção, é, simultaneamente, importante documento histórico (afinal, Urda é, também, historiadora) de um dos episódios mais relevantes da História do Estado de Santa Catarina e do Brasil.

Destaco que “No tempo das tangerinas” é continuação de “Verde Vale”, que já esgotou, se não me falha a memória, nove edições e está, atualmente, na décima. Tratarei, reitero, desse livro nos próximos dias, com mais vagar. Adianto, todavia, que ele começa com a descrição da paisagem e da família Sonne (pioneira na colonização daquela zona): o pai, a mãe Lucy (que veio para o Brasil fugindo da I Guerra Mundial), e seus 10 filhos: Humberto-Gustavo, Guilherme, Wilhelm, Julius, Arnaldo, as irmãs Margeritha, Emma, Anneliese, Priscila e a temporã Kátia. Eles recebem, através de uma emissora alemã, notícias da II Guerra Mundial. É mister lembrar que, neste tempo, Blumenau era como que extensão da Alemanha. Seus habitantes conservavam a língua e os costumes do país de origem. Todavia, enquanto este enfrentava os problemas da guerra, na comunidade nascente de Santa Catarina reinava a fartura: nos morros, as árvores se carregavam de tangerinas, exalando seu aroma pelo lugar. Era para lá que as crianças iam fazer suas brincadeiras.

O leitor perspicaz certamente já deduziu que foi esse fato que inspirou o título desse bem escrito e documental romance. Vem da “memória afetiva” (diria que, no caso, “olfativa”) do personagem Guilherme, para o qual, 30 anos após o final do conflito, “a guerra não acabou” e que, como Urda destaca, “a lembrança do aroma das tangerinas serve para fazê-lo esquecer as dificuldades do dia a dia”. Curioso que tenho recordação recorrente desse mesmo tipo, da minha infância em Horizontina, no Rio Grande do Sul.


Eu tinha, somente, cinco anos de idade. No casarão do meu avô paterno, a ampla sala – onde se faziam refeições e periódicas reuniões familiares e sociais – desembocava em uma longa escada, em cujas laterais havia alguns pés de mexirica (que naquela região era conhecida como “bergamota”) cujos galhos, carregados de frutos, invadiam parte da escadaria, centímetros além do corrimão. Na época da florada, o aroma era de uma doçura inenarrável. Passados quase setenta anos, não consigo esquecer aquele perfume, o mais delicioso que já senti até hoje. Por isso entendo o efeito calmante e embriagador do cheiro das tangerinas sobre o personagem Guilherme. Voltarei, certamente, ao assunto.

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