Saturday, September 06, 2014

Ambiguidades do nunca e do sempre

Pedro J. Bondaczuk

As palavras, muitas vezes, não expressam com exatidão conceitos que se propõem a expressar. Ou seja, não cumprem a finalidade com que foram criadas e convencionadas. Nestes casos, podemos utilizá-las (e utilizamo-las de fato), mas a título, apenas, de metáforas. Aí sim cabem até as mais exóticas que, se quiséssemos ser literais, não utilizaríamos em circunstância nenhuma. Nesses casos, essas palavras são uma espécie de licença poética. Não sou capaz de apontar nenhuma em outros idiomas, já que o objeto do meu estudo e da minha preocupação é minha língua pátria, a que utilizo a vida toda para me comunicar e dar concretude a idéias abstratas: o português (e assim mesmo abrasileirado). Conheço rudimentarmente quatro outras, que mal me dão para o gasto: francês, inglês, espanhol e italiano.

Tenho particular implicância com duas palavras em especial, por sinal, antônimas: “nunca” e “sempre”. Dificilmente as utilizamos com rigor, em seu sentido original, ou seja, aquele para o qual foram criadas. Entendo que as usamos, na imensa maioria dos casos, apenas metaforicamente, sem sequer nos darmos conta. Querem exemplos? Fácil! Uma das afirmações mais famosas do filósofo Aristóteles é a de que “nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura”. Pode-se afirmar isso com tamanha convicção, como mais do que um dogma, como inquestionável certeza? Absolutamente não! Afinal, o célebre pensador grego conhecia “todas” as inteligências para firmar tamanha convicção? Certamente não conheceu nem mesmo as do seu tempo e sequer da região em que viveu. Imaginem as do passado (pois utilizou o verbo existir nesse tempo verbal) ou a do futuro, já que considerou essa suposta impossibilidade como definitiva.

Querem outro exemplo? Cito o que Helen Keller afirmou em uma de suas tantas palestras, quando destacou: “Nunca se pode rastejar, quando se sente ímpeto de voar”. Até concordaria com ela se dissesse que “não se deva” proceder dessa maneira. Mas que se pode, se pode de fato agir assim, dessa maneira tão humilhante e indigna. Muitos (e põe muitos nisso!), dadas circunstâncias peculiares, rastejam mesmo embora sintam vontade de voar. Como metáfora, a afirmação é perfeita. Todavia, em sentido literal... não é. No universo, de tantos enigmas e mistérios, o “nunca” é um conceito ousado demais para ser minimamente verdadeiro.

E em relação ao “sempre”, é diferente? Não, não e não! A palavra chega a ser mais imprópria e até mais ambígua (para não dizer absurda), quando levamos em conta nossa efemeridade (e, ademais, de tudo o que existe, talvez do próprio universo). Ela pressupõe a ideia de eternidade, de coisa absoluta e sem fim. Ma minha concepção, apenas Deus tem essa prerrogativa. Tudo o mais...Por isso, considero mera metáfora, uma espécie de licença poética, esta afirmação que Victor Hugo colocou na boca de um de seus personagens do romance “Os miseráveis”: “Chega sempre a hora em que não basta apenas protestar: após a filosofia, a ação é indispensável”. Mas... será que chega mesmo tal instante? E mais, será que chega “sempre”. Poderia citar dezenas de casos (ou mais) em que isso não ocorre.

Outro exemplo que pincei é esta afirmação do polêmico, controvertido, sisudo e deprimido Friedrich Nietzsche: “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura”. Se eu pudesse confrontar o ranzinza filósofo alemão, perguntaria, na lata: “Você tem certeza?”. E, em seguida, o desafiaria: “Prove!”. Provavelmente ele me consideraria o ignorante dos ignorantes e me fulminaria com arrogância, talvez cofiando seu vasto bigodão: “Você é incapaz de entender uma metáfora?!”. Ah, sim, nesse caso, até cabe. Todavia, em sentido literal... esse “sempre” complica tudo.

A afirmação peremptória de Henri Alain Fournier é, literalmente, ainda mais absurda. Ele afirmou, certa feita: “A aproximação é sempre mais bela que a chegada”. Ora, ora, ora. Depende aproximar-nos do que, ou de quem. E, igualmente, de chegar onde e de que maneira. Às vezes, dependendo das circunstâncias, pode ser, mesmo, mais bela. Mas “sempre”?!!! Ora, ora, ora. Por essas e outras, paciente leitor, recomendo-lhe muita cautela na utilização dessas duas palavras antônimas, tão ambíguas, que deveriam ser usadas, apenas, a título de metáfora. Ou estou errado?


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