Ambiguidades do nunca e
do sempre
Pedro
J. Bondaczuk
As palavras, muitas
vezes, não expressam com exatidão conceitos que se propõem a expressar. Ou
seja, não cumprem a finalidade com que foram criadas e convencionadas. Nestes
casos, podemos utilizá-las (e utilizamo-las de fato), mas a título, apenas, de
metáforas. Aí sim cabem até as mais exóticas que, se quiséssemos ser literais,
não utilizaríamos em circunstância nenhuma. Nesses casos, essas palavras são
uma espécie de licença poética. Não sou capaz de apontar nenhuma em outros
idiomas, já que o objeto do meu estudo e da minha preocupação é minha língua
pátria, a que utilizo a vida toda para me comunicar e dar concretude a idéias
abstratas: o português (e assim mesmo abrasileirado). Conheço rudimentarmente
quatro outras, que mal me dão para o gasto: francês, inglês, espanhol e
italiano.
Tenho particular
implicância com duas palavras em especial, por sinal, antônimas: “nunca” e
“sempre”. Dificilmente as utilizamos com rigor, em seu sentido original, ou seja,
aquele para o qual foram criadas. Entendo que as usamos, na imensa maioria dos
casos, apenas metaforicamente, sem sequer nos darmos conta. Querem exemplos?
Fácil! Uma das afirmações mais famosas do filósofo Aristóteles é a de que
“nunca existiu uma grande inteligência sem uma veia de loucura”. Pode-se
afirmar isso com tamanha convicção, como mais do que um dogma, como
inquestionável certeza? Absolutamente não! Afinal, o célebre pensador grego
conhecia “todas” as inteligências para firmar tamanha convicção? Certamente não
conheceu nem mesmo as do seu tempo e sequer da região em que viveu. Imaginem as
do passado (pois utilizou o verbo existir nesse tempo verbal) ou a do futuro,
já que considerou essa suposta impossibilidade como definitiva.
Querem outro exemplo?
Cito o que Helen Keller afirmou em uma de suas tantas palestras, quando
destacou: “Nunca se pode rastejar, quando se sente ímpeto de voar”. Até
concordaria com ela se dissesse que “não se deva” proceder dessa maneira. Mas
que se pode, se pode de fato agir assim, dessa maneira tão humilhante e
indigna. Muitos (e põe muitos nisso!), dadas circunstâncias peculiares,
rastejam mesmo embora sintam vontade de voar. Como metáfora, a afirmação é
perfeita. Todavia, em sentido literal... não é. No universo, de tantos enigmas
e mistérios, o “nunca” é um conceito ousado demais para ser minimamente
verdadeiro.
E em relação ao
“sempre”, é diferente? Não, não e não! A palavra chega a ser mais imprópria e
até mais ambígua (para não dizer absurda), quando levamos em conta nossa
efemeridade (e, ademais, de tudo o que existe, talvez do próprio universo). Ela
pressupõe a ideia de eternidade, de coisa absoluta e sem fim. Ma minha
concepção, apenas Deus tem essa prerrogativa. Tudo o mais...Por isso, considero
mera metáfora, uma espécie de licença poética, esta afirmação que Victor Hugo
colocou na boca de um de seus personagens do romance “Os miseráveis”: “Chega
sempre a hora em que não basta apenas protestar: após a filosofia, a ação é
indispensável”. Mas... será que chega mesmo tal instante? E mais, será que
chega “sempre”. Poderia citar dezenas de casos (ou mais) em que isso não
ocorre.
Outro exemplo que
pincei é esta afirmação do polêmico, controvertido, sisudo e deprimido
Friedrich Nietzsche: “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco
de razão na loucura”. Se eu pudesse confrontar o ranzinza filósofo alemão,
perguntaria, na lata: “Você tem certeza?”. E, em seguida, o desafiaria:
“Prove!”. Provavelmente ele me consideraria o ignorante dos ignorantes e me fulminaria
com arrogância, talvez cofiando seu vasto bigodão: “Você é incapaz de entender
uma metáfora?!”. Ah, sim, nesse caso, até cabe. Todavia, em sentido literal...
esse “sempre” complica tudo.
A afirmação peremptória
de Henri Alain Fournier é, literalmente, ainda mais absurda. Ele afirmou, certa
feita: “A aproximação é sempre mais bela que a chegada”. Ora, ora, ora. Depende
aproximar-nos do que, ou de quem. E, igualmente, de chegar onde e de que
maneira. Às vezes, dependendo das circunstâncias, pode ser, mesmo, mais bela.
Mas “sempre”?!!! Ora, ora, ora. Por essas e outras, paciente leitor,
recomendo-lhe muita cautela na utilização dessas duas palavras antônimas, tão
ambíguas, que deveriam ser usadas, apenas, a título de metáfora. Ou estou
errado?
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