Tuesday, September 02, 2014

Qualidade mais do que quantidade


Pedro J. Bondaczuk


A eleição dos representantes populares, que irão compor a próxima Assembléia Nacional Constituinte, foi, compreensivelmente, um dos temas de maior repercussão, até aqui, neste ano eleitoral. Não tanto a escolha em si, mas a Carta Magna que deverá ser elaborada por ela, consubstanciando os princípios básicos requeridos pela maioria da sociedade brasileira.

Sob o pretexto de facilitar o trabalho dos parlamentares que terão essa importante tarefa, o governo criou a Comissão de Notáveis, que durante meses debateu e erigiu um projeto constitucional, enorme e detalhado e que, no entanto, ao que tudo indica, não agradou a diversos setores.

Alguns acham que as propostas são avançadas demais para o estágio atual do País. Outros as consideram, pelo contrário, muito conservadoras. Um terceiro grupo afirma que as sugestões são extremamente detalhadas e que o seu número de artigos descaracteriza a forma que uma Carta Magna eficaz deve ter.

Estes últimos argumentam que a Constituição dos Estados Unidos contém somente 28 dispositivos, incluindo as emendas, e que, no entanto, vem perdurando por dois séculos, fazendo desse país a autêntica pátria da liberdade e da democracia.

Ao nosso ver, o que é mais importante para uma sociedade nacional não é a profusão e o detalhamento da sua legislação. É, isto sim, a mentalidade de respeito à lei e às regras instituídas por consenso. De nada adianta termos códigos e mais códigos, versando sobre todos os assuntos, se aquilo que os mesmos dispõem não é acatado. Ou se subterfúgios são arrolados para descaracterizar o seu espírito.

Uma Constituição, que não tenha por fundamento a vontade do povo, manifestada através do Poder Constituinte que ele concede nas urnas aos seus representantes, de nada adianta. Pode ser até uma brilhante peça de literatura jurídica. Pode representar o supra-sumo da perfeição no papel. Mas já nascerá, virtualmente, morta. Não será, jamais, garantia de um perfeito e harmonioso funcionamento desse Estado.

A Carta Magna norte-americana perdurou por dois séculos, e surtiu os efeitos que conhecemos, não por sua antigüidade, mas por sua perfeição. Existem outros países que possuem constituições que também resistiram ao tempo e que, no entanto, não salvaguardaram coisa alguma.

A da Argentina, por exemplo, foi elaborada em 1854 e vem se mantendo através dos anos. Todavia, ela não impediu que as instituições desse país fossem, em diversas oportunidades, violentadas por duríssimas ditaduras. A do Líbano data do início deste século. Porém, todos sabem o estado atual de beligerância dessa sociedade, que já passou de uma década de guerra civil.

O que conta, portanto, nessa lei máxima é a sua objetividade, e não a sua extensão. É a manifestação, por parte dos constituintes, da verdadeira vontade daqueles que os escolheram para representantes e lhes outorgaram o poder de redigir os seus dispositivos em seu nome.

Somente assim ela será obedecida, porquanto será legítima. Terá a chancela não só da classe política, do presidente ou dos especialistas em leis. Será fruto da vontade de toda a Nação. Neste ano, em que o tema Constituição foi colocado em debate, se discutiu muito pouco a essência dela.

As poucas reuniões feitas para abordar o assunto careceram de objetividade. Perderam-se em generalidades, mostrando que a maioria dos que se propuseram a disputar a representação popular para a sua elaboração sequer entende da questão.

Sete, em cada dez brasileiros, nem mesmo sabem definir o que vem a ser uma Constituição. Há muitos achando que a lei máxima nacional será uma panacéia para todos os males do Brasil. Que, num passe de mágica, problemas seculares nossos serão resolvidos com assombrosa facilidade. É evidente que não é assim que a coisa funciona.

Em princípio entendemos, quanto à própria Assembléia Nacional Constituinte, que a sua composição não será a ideal. Vários juristas de renome nessa matéria defenderam que ela fosse exclusiva. Ou seja, que fosse eleita com a tarefa única e precípua de elaborar a Constituição e que, após cumprida essa missão, fosse automaticamente dissolvida e não se transformasse em Congresso ordinário, como vai acontecer. E nós concordamos plenamente com essa posição. Como estamos de acordo com aqueles que sempre pretenderam que não somente políticos filiados a partidos pudessem se candidatar à função de constituintes, mas também representantes de todos os segmentos sociais tivessem esse direito. Que entidades de classe, sindicatos, clubes de serviço e demais organismos civis tivessem a chance de postular representação, através de seus membros. Mas, agora, não adianta lamentar.

O que cada eleitor deve, isto sim, nestas três semanas que nos separam das eleições, é ter muito cuidado na escolha do seu representante. É deixar a subjetividade de lado e pesquisar sobre o que pensa o político que pretende eleger, para ter a certeza de que o mesmo será capaz de expressar, na Assembléia Constituinte, a sua vontade.

É evitar os demagogos, os profissionais do ramo, os que não têm nenhuma convicção ideológica e mudam sempre de direção, ao sabor dos ventos dos acontecimentos nacionais. E torcer para que se elabore uma Constituição enxuta, exata, medida e que se caracterize muito mais pela qualidade dos princípios que vai instituir, do que por sua quantidade.           


(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 26 de outubro de 1986)

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