Qualidade
mais do que quantidade
Pedro J. Bondaczuk
A eleição dos representantes populares, que irão
compor a próxima Assembléia Nacional Constituinte, foi, compreensivelmente, um
dos temas de maior repercussão, até aqui, neste ano eleitoral. Não tanto a
escolha em si, mas a Carta Magna que deverá ser elaborada por ela,
consubstanciando os princípios básicos requeridos pela maioria da sociedade
brasileira.
Sob o pretexto de facilitar o trabalho dos
parlamentares que terão essa importante tarefa, o governo criou a Comissão de
Notáveis, que durante meses debateu e erigiu um projeto constitucional, enorme
e detalhado e que, no entanto, ao que tudo indica, não agradou a diversos
setores.
Alguns acham que as propostas são avançadas demais
para o estágio atual do País. Outros as consideram, pelo contrário, muito
conservadoras. Um terceiro grupo afirma que as sugestões são extremamente
detalhadas e que o seu número de artigos descaracteriza a forma que uma Carta
Magna eficaz deve ter.
Estes últimos argumentam que a Constituição dos
Estados Unidos contém somente 28 dispositivos, incluindo as emendas, e que, no
entanto, vem perdurando por dois séculos, fazendo desse país a autêntica pátria
da liberdade e da democracia.
Ao nosso ver, o que é mais importante para uma
sociedade nacional não é a profusão e o detalhamento da sua legislação. É, isto
sim, a mentalidade de respeito à lei e às regras instituídas por consenso. De
nada adianta termos códigos e mais códigos, versando sobre todos os assuntos,
se aquilo que os mesmos dispõem não é acatado. Ou se subterfúgios são arrolados
para descaracterizar o seu espírito.
Uma Constituição, que não tenha por fundamento a
vontade do povo, manifestada através do Poder Constituinte que ele concede nas
urnas aos seus representantes, de nada adianta. Pode ser até uma brilhante peça
de literatura jurídica. Pode representar o supra-sumo da perfeição no papel.
Mas já nascerá, virtualmente, morta. Não será, jamais, garantia de um perfeito
e harmonioso funcionamento desse Estado.
A Carta Magna norte-americana perdurou por dois
séculos, e surtiu os efeitos que conhecemos, não por sua antigüidade, mas por
sua perfeição. Existem outros países que possuem constituições que também
resistiram ao tempo e que, no entanto, não salvaguardaram coisa alguma.
A da Argentina, por exemplo, foi elaborada em 1854 e
vem se mantendo através dos anos. Todavia, ela não impediu que as instituições
desse país fossem, em diversas oportunidades, violentadas por duríssimas
ditaduras. A do Líbano data do início deste século. Porém, todos sabem o estado
atual de beligerância dessa sociedade, que já passou de uma década de guerra
civil.
O que conta, portanto, nessa lei máxima é a sua
objetividade, e não a sua extensão. É a manifestação, por parte dos
constituintes, da verdadeira vontade daqueles que os escolheram para
representantes e lhes outorgaram o poder de redigir os seus dispositivos em seu
nome.
Somente assim ela será obedecida, porquanto será
legítima. Terá a chancela não só da classe política, do presidente ou dos
especialistas em leis. Será fruto da vontade de toda a Nação. Neste ano, em que
o tema Constituição foi colocado em debate, se discutiu muito pouco a essência
dela.
As poucas reuniões feitas para abordar o assunto
careceram de objetividade. Perderam-se em generalidades, mostrando que a
maioria dos que se propuseram a disputar a representação popular para a sua
elaboração sequer entende da questão.
Sete, em cada dez brasileiros, nem mesmo sabem
definir o que vem a ser uma Constituição. Há muitos achando que a lei máxima
nacional será uma panacéia para todos os males do Brasil. Que, num passe de
mágica, problemas seculares nossos serão resolvidos com assombrosa facilidade.
É evidente que não é assim que a coisa funciona.
Em princípio entendemos, quanto à própria Assembléia
Nacional Constituinte, que a sua composição não será a ideal. Vários juristas
de renome nessa matéria defenderam que ela fosse exclusiva. Ou seja, que fosse
eleita com a tarefa única e precípua de elaborar a Constituição e que, após
cumprida essa missão, fosse automaticamente dissolvida e não se transformasse
em Congresso ordinário, como vai acontecer. E nós concordamos plenamente com
essa posição. Como estamos de acordo com aqueles que sempre pretenderam que não
somente políticos filiados a partidos pudessem se candidatar à função de
constituintes, mas também representantes de todos os segmentos sociais tivessem
esse direito. Que entidades de classe, sindicatos, clubes de serviço e demais
organismos civis tivessem a chance de postular representação, através de seus
membros. Mas, agora, não adianta lamentar.
O que cada eleitor deve, isto sim, nestas três
semanas que nos separam das eleições, é ter muito cuidado na escolha do seu
representante. É deixar a subjetividade de lado e pesquisar sobre o que pensa o
político que pretende eleger, para ter a certeza de que o mesmo será capaz de
expressar, na Assembléia Constituinte, a sua vontade.
É evitar os demagogos, os profissionais do ramo, os
que não têm nenhuma convicção ideológica e mudam sempre de direção, ao sabor
dos ventos dos acontecimentos nacionais. E torcer para que se elabore uma
Constituição enxuta, exata, medida e que se caracterize muito mais pela
qualidade dos princípios que vai instituir, do que por sua quantidade.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 26 de outubro de 1986)
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